Jorge Adelar Finatto
photo: j.finatto |
Olha só pra mim. Quem me dera. Eu vivo no sumiço. Vento de maio me leva por diante.
Alberta de Montecalvino, a dama deste não-lugar, foi quem me deu a idéia de visitar essa efêmera página virtual.
Alberta de Montecalvino, a dama deste não-lugar, foi quem me deu a idéia de visitar essa efêmera página virtual.
Sou um dos fantasmas de Passo dos Ausentes, a cidade perdida nos Campos de Cima do Esquecimento, na serra do Rio Grande do Sul. Me chamo Heitor dos Crepúsculos.
Escrevo essas linhas sem muita fé de ser lido. Meu amigo Juan Niebla diz que escrever num blog é escrever na água.
Eu não ligo, sou só de passagem, não tem importância, nada tem muita importância. Não tenho idéia de permanência, compreende?
- Escreve alguma coisa, Heitorzinho. Te mostra um pouco, meu querido. Entre os mortos-vivos dessa cidade, és um dos mais sentimentais e engraçados - disse Juan, tocador de bandoneón da estação de trem abandonada.
Não pretendo me dar ares de escritor. Sou, talvez, um escrevedor póstumo, alguém que publica suas histórias no vento. Não escrevo, claro, pra publicar em livro.
Olha só pra mim. Não tenho mais a literária vaidade.
Passou o tempo e me levou.
Passou o tempo e me levou.
Eu era poeta. Sempre vivi dentro do nevoeiro. Conversava, e às vezes me desesperava, com a folha em branco. As danações do criador.
Depois atravessei a ponte, depois vim para o invisível. Saí do mundo aos 27 anos por vontade própria. A vida era insuportável, não via saída, a esperança não entrava na minha alma. Eu poeta trevoso.
Quem me vê, hoje, pode dizer sem engano: ali vai o arrependido.
Depois atravessei a ponte, depois vim para o invisível. Saí do mundo aos 27 anos por vontade própria. A vida era insuportável, não via saída, a esperança não entrava na minha alma. Eu poeta trevoso.
Quem me vê, hoje, pode dizer sem engano: ali vai o arrependido.
Apareço e desapareço, tenho as superiores autorizações. Um fantasma é um ser virtual. Ora está, ora não está. Às vezes choro de saudades da vida com a cabeça entre as mãos pelos telhados. O menino que eu era quando saltei!
Não moro no pequeno cemitério, porque nunca encontraram meu corpo. Me joguei do penhasco, no belvederezinho aprazível que tem na descida do Vale do Olhar.
Foi um momento de infinita angústia, nem queira saber. Cansei de ser gente (o menino que eu era!). Os tristes apressamentos. Cada coisa que se faz na vida.
Não moro no pequeno cemitério, porque nunca encontraram meu corpo. Me joguei do penhasco, no belvederezinho aprazível que tem na descida do Vale do Olhar.
Foi um momento de infinita angústia, nem queira saber. Cansei de ser gente (o menino que eu era!). Os tristes apressamentos. Cada coisa que se faz na vida.
Nunca quis morrer de verdade. Queria um pouco só, pra sentirem pena. Quando vi o que tinha feito, já era tarde. Agora só existo no oblívio.
Aqui em Passo dos Ausentes todos me aceitam do meu jeito neblinoso, não se incomodam com o lusco-fusco que eu sou. O interrompido. O volátil.
Aqui em Passo dos Ausentes todos me aceitam do meu jeito neblinoso, não se incomodam com o lusco-fusco que eu sou. O interrompido. O volátil.
Na dimensão esvoaçante e nevoenta, tudo é muito em paz, mas é uma paz cinza e sozinha.
Escrevo esse breve apontamento na mesa perto da janela que dá para o Vale do Olhar, no Café dos Ausentes, na estação de trem abandonada.
Observo o vento nas palmeiras da tarde gelada de maio. Meu amigo Juan Niebla, músico cego, com seu bandoneón na gare vazia e silenciosa, espera um trem de passageiros que não virá. Agora está tocando As Quatro Estações Portenhas, do Astor Piazzolla.
O último trem partiu faz muito tempo. Esqueceram de desligar a esperança no coração do Juan. Feliz dele assim.
Só a música é eterna. O resto é bruma.
Só a música é eterna. O resto é bruma.
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Heitor dos Crepúsculos é fantasma e poeta em Passo dos Ausentes.
Texto revisto, publicado antes em 30 de maio, 2011.