Carlos Alberto de Souza
Lupicínio Rodrigues* |
O Brasil reverencia a maravilhosa obra de Lupicínio
Rodrigues em meio às comemorações de cem anos de nascimento do compositor
gaúcho. Em Porto Alegre, entre outras atrações, o público aplaudiu "Lúpi, o musical - uma vida em estado de paixão" e "Vingança, o musical", encenado por um grupo de São
Paulo.
As homenagens extrapolaram os palcos e
também alcançaram as artes plásticas, com a Exposição de Arte Postal – As
Músicas do Lúpi. TVs e rádios locais e nacionais exibiram programas com nomes
de peso da MPB cantando as canções de Lupicínio.
Não faltaram elogios à qualidade da
obra do "boêmio", como ele mais gostava de ser tratado, em reportagens de
jornais, revistas e sites. Para simbolizar o que muitos disseram sobre Lúpi
pode-se recorrer a uma declaração do compositor e cantor João Bosco no musical O
amor deve ser sagrado, transmitido pela TVE, dentro da onda de
homenagens ao compositor: “Ele foi um gênio”.
Enfim, estes dias de preito parecem indicar
que o poeta nascido na Ilhota (antiga vila em Porto Alegre) conseguiu ser uma unanimidade “federal” - para
usar um termo da preferência dele quando queria referir-se a uma dor de
cotovelo daquelas que não passam jamais. Engana-se, porém, quem acredita no Lúpi
unânime.
Relendo o livro Chega de Saudade – A
história e as histórias da Bossa Nova (Companhia das Letras), do incensado
jornalista e escritor Ruy Castro, levo um choque à página 132, depois de o
autor contar como Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli se conheceram e como os
dois “moleques de praia” detestavam samba-canção, bolero e quase tudo da MPB
naquele ano de 1956.
Compreensível, tratando-se de dois jovens da zona sul
carioca ávidos por criar e inovar e sedentos por outra sonoridade. Castro
menciona o samba-canção Bar da noite e o bolero Suicídio, cujos
autores e intérpretes não são citados, como monumentos ao mau gosto.
O problema vem agora. Castro, no livro
escrito em 1990, diz que “aquilo ainda não era o pior”, pois “havia também as
horrendas letras de Lupicínio Rodrigues, como a de ‘Vingança’, com o seu ódio à
mulher”. E ele reproduz os seguintes versos de Vingança: “Enquanto
houver força em meu peito/Eu não quero mais nada/Só vingança, vingança,
vingança aos santos clamar/Ela há de rolar como as pedras que rolam na
estrada/Sem ter nunca um cantinho de seu/Pra poder descansar”.
Para Castro - li pasmado -, Lupicínio
era dono de um “mau gosto de tango”.
Claro que o Castro não é obrigado a
gostar de Lúpi. Mas é estranho alguém entendido do riscado classificar de
“horrendos” versos consagrados como os citados por ele de uma das tantas
obras-primas de Lúpi. Acusar Lupicínio de odiar as mulheres é de uma
estupidez inacreditável.
Na minha modestíssima opinião, trata-se
de uma mancada federal de Castro, impressa em um bom livro de sua autoria.
Lê-la não me deu dor de cotovelo e sim um mal-estar, que tento afastar com essas
linhas.
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Carlos Alberto de Souza é jornalista em Porto Alegre.smcsouza@uol.com.br