Jorge
Adelar Finatto
Angela Gheorghiu |
Esses
dias Juan Niebla, o tocador de bandoneón da estação de trem abandonada de Passo
dos Ausentes, relembrou como ganhou seu primeiro instrumento.* Foi numa viagem a
Buenos Aires acompanhando Alberta de Montecalvino, a Senhora da Biblioteca.
A
convite dela, que recém entrara na viuvez, Niebla enfrentou uma viagem de oito
dias de trem até a capital argentina. Isso foi em 1956. Uma dama não podia,
naqueles quandos, fazer viagem tão longa pelas terras do fim do mundo sozinha.
O
velho músico disse que o motivo da viagem foi um encontro com o escritor cego Jorge De La Brume com quem Alberta trocava cartas havia
três anos. Ele queria muito conhecê-la pessoalmente, mas a cegueira o impedia de vir a Passo
dos Ausentes. Ele então a convidou para um encontro na capital argentina e ela, mulher independente, sensível, o
coração pulsante de viúva fresca e jovem, não hesitou em ir ao seu encontro.
De
La Brume morava com a mãe. A velha senhora recebeu os visitantes com fidalguia.
Entre o escritor e Niebla estabeleceu-se de imediato afinidade,
e não só pelo fato de ambos serem privados de visão.
Havia entre eles crepúsculos, versos de Homero, cidades medievais, o temor do Finisterra, alamedas da memória a percorrer juntos. A tal ponto que o escritor presenteou o músico cego de Passo dos Ausentes com seu bandoneón de estimação, que habitava entre os livros na biblioteca.
Havia entre eles crepúsculos, versos de Homero, cidades medievais, o temor do Finisterra, alamedas da memória a percorrer juntos. A tal ponto que o escritor presenteou o músico cego de Passo dos Ausentes com seu bandoneón de estimação, que habitava entre os livros na biblioteca.
Na tarde daquele dia memorável de inverno (julho), Juan Niebla tocou para De
La Brume, sua mãe e Alberta Les Chemins
de L’amour, do francês Francis Poulenc (1899-1963), valsa composta em 1940. Alberta contou que viu lágrimas
caindo dos olhos fixos do escritor.
Impressionado
com a história, prometi a Juan que procuraria o que tinha de melhor na
interpretação da vieille valse.
E foi nesse caminho que descobri a diva romena – nesse caso o epíteto tem toda razão
de ser – Angela Gheorghiu, cantora lírica. Ela é sublime. Parece um anjo cantando.
Um anjo que veio para a Terra fazer a humanidade esquecer suas dores enquanto canta.
Um anjo que veio para a Terra fazer a humanidade esquecer suas dores enquanto canta.
Juan
Niebla e eu nos reunimos uma vez por mês desde então, no silêncio do escritório, para ouvir os discos de
Gheorghiu. Além de boa cantora, ela é um mulherão. Dessas que derrubam um
exército só com o olhar. Felizes nós que a descobrimos.
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Angela
Gheorghiu canta Les Chemins de L’amour, de Francis Poulenc:
https://www.youtube.com/watch?v=Bo98WClIiG0
https://www.youtube.com/watch?v=Bo98WClIiG0
*O bandoneón de Jorge de La Brume:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2013/03/o-bandoneon-de-jorge-de-la-brume.html
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2013/03/o-bandoneon-de-jorge-de-la-brume.html