segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Medialunita de manteca calentita

Jorge Finatto




a Dimitri e Cony


Montevideo es una ciudad grande com hábitos de cidade pequena. Aqui existe a siesta sagrada depois do almoço. Em cada esquina uma fruteira, um mercadinho, uma banca de jornal. Em comparação com Porto Alegre, não existe violência.

O Café Brasilero é parada obrigatória. De 1877, foi lugar cativo de Mario Benedetti e Eduardo Galeano, entre muitos outros poetas, escritores, artistas e livres pensadores em geral. Atendimento cordialíssimo, há anos me sinto da casa. Não existem no mundo melhores medialunas, sucos de laranja e cafés cortados.

Nesta cidade as pessoas encontram tempo para dar-se um tempo. E as livrarias são uma perdição. Não é à toa que nela viveram Juan Carlos Onetti e o Conde de Lautréamont.

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photo: jfinatto

terça-feira, 16 de agosto de 2022

O caminhante

 Clara Finatto

Minha filha Clara, habitante de Montreux

(Eu sou suspeito pra falar, mas achei o texto da Clara lindo e generoso. E confirmo que a experiência mais importante da minha vida foi e é a paternidade. Bjs., filha querida, e pros meninos Lorenzo e Lucas também. Amo vocês. JFinatto)


cruzou oceanos e conheceu continentes.
Com seus tênis nos pés, a mochila nas costas e a máquina nas mãos ele caminha pelas ruas com o olhar sempre atento e curioso.
Quem o observa logo percebe que a cada passo dado ele parece estar mais próximo de uma incrível descoberta.
Ele não tem pressa, observa cada detalhe da paisagem com uma paixão madura...sem ilusões, mas com esperança.
O caminhante já viveu grandes aventuras pelos caminhos percorridos, porém, segundo seus relatos, a grande aventura de sua vida foi ser pai. Conta que ser pai mudou tudo e trouxe sentido a sua existência.
O Caminhante é pai do Lorenzo, do Lucas e da Clara!
Pai, muito obrigada pela vida!

sábado, 13 de agosto de 2022

Salve, Jorge

 Jorge Finatto

foto: Jorge Amado, 1972. Fundo documental: Correio da Manhã,
 Wikipédia

Nos 110 anos do nascimento de Jorge Amado (1912), comemorados em 10 de agosto passado, reproduzo este depoimento. Salve, Jorge.

Antes de enveredar para o Direito e depois para a magistratura, trabalhei como jornalista, após fazer a faculdade de jornalismo. Em dezembro de 1984, tive oportunidade de entrevistar Jorge Amado (1912 - 2001). A entrevista foi marcada através de carta e telefone. Na época eu escrevia a biografia do poeta, cronista, radialista, editor de grandes revistas e teatrólogo porto-alegrense Alvaro Moreyra (1888 - 1964).*

Jorge Amado concordou em dar um depoimento. Fiquei feliz com a atenção do grande escritor baiano, que na ocasião veio a Porto Alegre autografar o romance Tocaia Grande, lançado naquele ano. Aproveitei e pedi que assinasse o exemplar do livro que havia comprado especialmente para o encontro.

A entrevista durou cerca de uma hora e meia no saguão do Hotel Plaza São Rafael. Zélia Gattai, sua mulher, também escritora, deixou-nos à vontade para a conversa. Naquele tempo, o casal Amado residia uma parte do ano em Paris e outra no Brasil. Jorge gostava de modo especial do outono parisiense. Em Salvador encontrava dificuldade de escrever devido à procura dos leitores, jornalistas e mesmo turistas, que queriam conhecer a casa onde morava o criador de Gabriela, cravo e canela.

Não tenho dúvida de que o que o levou a concordar com a entrevista foi o respeito, a admiração e o carinho que nutria pelo amigo Alvaro (sem acento) Moreyra, cuja casa passou a frequentar desde que chegou ao Rio de Janeiro, ainda muito jovem.

Pedi-lhe que falasse, entre outros assuntos, sobre o que representou a casa de Alvaro e Eugênia Moreyra (primeira repórter brasileira), na rua Xavier da Silveira, 99, em Copacabana, na qual o casal passou a morar a partir de 1918. Assim respondeu (apenas parte do longo depoimento):

"A casa de Eugênia e Alvaro Moreyra, ali em Copacabana, é um dos centros da vida literária e cultural do país. Essa casa, na rua Xavier da Silveira, número 99, era uma espécie de estuário onde desembocavam as inquietações culturais da época, sobretudo na literatura. Ali compareciam os jovens escritores, principalmente aqueles ligados à esquerda, ao Partido Comunista, à juventude comunista (aquilo que depois foi a Aliança Nacional Libertadora). Ali vinha todo mundo. Aquela casa aberta foi minha casa naquele tempo. Para os escritores que, como eu, chegaram ao Rio no início dos anos 30 - eu tinha então dezoito anos - a convivência com Alvaro e Eugênia foi muito importante. Quase todas as noites eu ia lá. Esse convívio foi bastante intenso até por volta de 1935. Depois, com o Estado Novo, as coisas se modificaram. A atmosfera do 99 estava de acordo com a calma e a bondade de Alvaro e com a enorme energia de Eugênia, que ao lado de suas atividades como mãe de família, atriz e militante política da esquerda, encontrava tempo para fazer aqueles panelões de lentilha para alimentar os visitantes. Como Alvaro era um homem de poucos recursos, havia sempre num canto da sala uma espécie de caixa onde cada um colaborava com alguns vinténs para comprar a comida."

A imagem que guardo de Jorge Amado é a de um homem extremamente talentoso e simples, afável no trato, preocupado em preservar a memória cultural e histórica do país, e mais aquela capacidade que ele tinha de ser afetivo mesmo com um desconhecido como eu.

O importante escritor que ele foi, é e sempre será se explica, também, pela sua grande figura humana.

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*Alvaro Moreyra. RBS, Editora Tchê, 1985.

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Ditadura de novo não

 Jorge Finatto

photo: jfinatto

Eu passei a juventude em meio à ditadura militar (1964-1985). Trabalhava duro de dia, estudava à noite. Filho de família pobre, lutei muitos anos para conseguir alguma coisa na vida, como a maior parte das pessoas. O mais difícil, além de viver num país profundamente desigual, foi viver num clima de medo, acuado por um sistema opressivo que não admitia contestação nem protestos.
O tempo e a experiência me ensinaram que não existem ditaduras boas. De direita ou de esquerda, ditaduras são infernais. Nenhum governo ditatorial presta.
Ao impor pensamento único, vedar liberdades democráticas, cercear direitos políticos, suprimir habeas corpus, censurar a imprensa e a arte, as ditaduras remetem a existência geral ao calabouço existencial.
Não tenho nem nunca tive partido político, embora entenda sua importância. Voto em candidatos que têm compromisso com a democracia e a liberdade e que lutam pela distribuição de renda, pelo ensino público, pelo SUS, pela ciência, pela causa antirracista, pelo meio ambiente, contra a fome, a corrupção e o preconceito.
Não me apaixono pelo fanatismo de lado nenhum e estou sempre disposto a rever minhas posições (poucas, aliás) em termos de política. Respeito as ideias políticas dos outros, desde que não tentem me aprisionar em camisa de força ideológica assentada na mentira e na força bruta.
Detestaria viver sob um regime de força novamente. Quero que todos - principalmente os mais jovens - tenham direito a um presente e um futuro sem medo, mordaças, ameaças, violências, mortes.
Os defensores do estado democrático de direito, da democracia plena com eleições livres, Justiça Eleitoral atuante e urnas eletrônicas, eles devem ser ouvidos e acompanhados em sua luta, sem outras armas além da força moral das ideias, das palavras, do direito à vida e à livre expressão do pensamento e do sentimento.