Jorge Finatto
photo: j.finatto |
Tem dias em que saímos
com o corpo nu
para alojá-lo na primeira copa de árvore
e chorar longe dos homens
dias em que os desejos
até os mais secretos
sucumbem apagados
na penumbra
tempo de total privação
da carne e do sonho
tardes em silêncio reveladas
intervalo entre dois mundos
olhamos o céu
no quadrado da janela
esperando ver a face de Deus
procuramos Deus
no íntimo da alma e das coisas
precisamos repousar no colo de Deus
sentir suas mãos nos olhos
para amparar a lágrima quente
que por ali verte
tem dias em que estranhamos
o próprio olhar
que amanheceu mais seco
não reconhecemos a rua
onde tantas vezes inventamos o amor
na sombra dos cinamomos
as melhores viagens
ficaram sonhando no cais
enquanto navios partiam
repletos de homens decididos
em busca de cidades felizes
onde andará o menino
que nos visitava nos dias
em que tudo em volta
parecia desabar?
em que gare deserta
se perdeu o guarda-chuva melancólico
com que meu avô ia à cidade
buscar a porção diária de pão
esperança
e jornal?
tem manhãs em que apesar do sol
não habitamos o claro sentido
de existir
mal percebemos a luz
acalentando o corpo
manhãs em que o carteiro
extravia a carta que irá nos salvar
a notícia tão esperada
que nos revelará
um mundo desconhecido
onde pandorgas falam
e o arco-íris é uma escada
que nos retira do poço
não compreendemos
as mãos cansadas
a boca amarga
com que damos bom-dia aos vizinhos
cumprimentamos os superiores
tem dias em que o isolamento
é tão assombroso
que sentimos tristeza em tudo
principalmente na alegria ingênua
das velhas fotografias
uma dor inevitável
diante dos sonhos da infância
dormimos em quartos de aluguel
projetamos ataúdes de aluguel
as dívidas invadem a porta
os poros
o amanhã ficou torto
na cordilheira dos dias
sem luz
a cidade parou no escuro
sufocou nossos melhores anos
inundou o rio
com seus maus óleos
seu excremento
não merece um verso
sequer uma notícia fugidia
em página de jornal
talvez careça uma bomba
um terremoto
talvez uma flor
povoando o asfalto
estamos um pouco mais tristes
e calados
(um pouso só)
trazemos um gosto de sol
entre os dentes
um resíduo de primavera
na palma da mão
uma promessa de encontro
nos olhos
com o corpo nu
para alojá-lo na primeira copa de árvore
e chorar longe dos homens
dias em que os desejos
até os mais secretos
sucumbem apagados
na penumbra
tempo de total privação
da carne e do sonho
tardes em silêncio reveladas
intervalo entre dois mundos
olhamos o céu
no quadrado da janela
esperando ver a face de Deus
procuramos Deus
no íntimo da alma e das coisas
precisamos repousar no colo de Deus
sentir suas mãos nos olhos
para amparar a lágrima quente
que por ali verte
tem dias em que estranhamos
o próprio olhar
que amanheceu mais seco
não reconhecemos a rua
onde tantas vezes inventamos o amor
na sombra dos cinamomos
as melhores viagens
ficaram sonhando no cais
enquanto navios partiam
repletos de homens decididos
em busca de cidades felizes
onde andará o menino
que nos visitava nos dias
em que tudo em volta
parecia desabar?
em que gare deserta
se perdeu o guarda-chuva melancólico
com que meu avô ia à cidade
buscar a porção diária de pão
esperança
e jornal?
tem manhãs em que apesar do sol
não habitamos o claro sentido
de existir
mal percebemos a luz
acalentando o corpo
manhãs em que o carteiro
extravia a carta que irá nos salvar
a notícia tão esperada
que nos revelará
um mundo desconhecido
onde pandorgas falam
e o arco-íris é uma escada
que nos retira do poço
não compreendemos
as mãos cansadas
a boca amarga
com que damos bom-dia aos vizinhos
cumprimentamos os superiores
tem dias em que o isolamento
é tão assombroso
que sentimos tristeza em tudo
principalmente na alegria ingênua
das velhas fotografias
uma dor inevitável
diante dos sonhos da infância
dormimos em quartos de aluguel
projetamos ataúdes de aluguel
as dívidas invadem a porta
os poros
o amanhã ficou torto
na cordilheira dos dias
sem luz
a cidade parou no escuro
sufocou nossos melhores anos
inundou o rio
com seus maus óleos
seu excremento
não merece um verso
sequer uma notícia fugidia
em página de jornal
talvez careça uma bomba
um terremoto
talvez uma flor
povoando o asfalto
estamos um pouco mais tristes
e calados
(um pouso só)
trazemos um gosto de sol
entre os dentes
um resíduo de primavera
na palma da mão
uma promessa de encontro
nos olhos
__________________
Do livro O Fazedor de Auroras, Jorge A. Finatto, Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, 1990.
photo: Cais de Porto Alegre