quarta-feira, 13 de abril de 2011

O espantalho no milharal

Jorge Adelar Finatto


photo: j.finatto


Se parar de escrever na casa do labirinto, na difícil procura de claridade, se o silêncio e a solidão crescerem ao meu redor como um vasto milharal, habitado por estranho espantalho vestido de negro, com grossas lentes nos óculos que não ampliam a progressiva e asfixiante pequenez das coisas, esse tal que desistiu do ofício de espantar, sendo ele próprio o contumaz espantado, no oblíquo território do mundo, se os amigos esquecerem de me visitar nas noites de inverno, se algum pássaro soltar o canto, em maio, no galho da araucária diante da minha janela, se essas palavras servirem, ao menos, para distrair o raro leitor (?) do problema da morte e da inefável falta de sentido da vida, a luta do texto terá valido a pena.

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Foto: J. Finatto. Araucária vista da janela. Passo dos Ausentes.

Entrevista com o economista Cláudio Accurso

Jorge Adelar Finatto

No país desigual que temos, os saberes em
ciências sociais estiveram presentes em sua modelagem ou servem apenas para explicá-lo?


A pergunta de Cláudio Accurso nos dá uma ideia do percuciente caminho que percorreu na elaboração de Aportes de Desenvolvimento Econômico*, sua mais recente obra. Economista e professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ex-assessor das Nações Unidas em missões na América Latina, Accurso não se limita ao domínio exemplar da técnica. Vai muito além, a bordo do substrato humanista que impregna o saber científico. Leva-nos a pensar com sentimento, provando, uma vez mais, que não existe sabedoria longe do coração. Fizemos ao ilustre professor algumas perguntas, tentando entender melhor as coisas da economia.

O que podemos esperar da economia, no Brasil e no mundo, em 2011?

No mundo, a Europa e os Estados Unidos estão em momento de lento crescimento, com desemprego ainda alto, tentando recuperar-se da crise de 2008 e encontrar novos caminhos para enfrentar o despontar de centros de grande vigor econômico como China e mesmo Índia.

No Brasil, a economia vive um bom momento com um crescimento bastante ativo, com o emprego em alta, com a inflação sob controle e com um governo pilotado por quem conhece muito bem o assunto. Isso tudo oferece uma conjuntura favorável, especialmente se continuarmos a praticar uma desconcentração de renda como nos últimos anos, que tire o Brasil da vergonhosa condição de, com exceção de dois países, ser o mais concentrado do mundo. Se seguirmos, as tensões sociais diminuem e melhora a convivência para todos. Estou otimista.

Qual a orientação que nós, cidadãos comuns e leigos em economia, podemos seguir para fazer frente às dificuldades da economia mundial?

No plano individual, a precaução é sempre prudente em termos de consumo e poupança, embora o quadro esteja favorecendo os investimentos, em que se destaca o imobiliário, diante das facilidades creditícias. É um bom momento. Nossa vigilância, contudo, se transfere do indivíduo para o cidadão, cujas responsabilidades se traduzem na vigilância por políticas convenientes, justas, efetivas, limpas, de modo a serem mantidos ambientes agradáveis, apesar das diferenças e distâncias.

Nossas decepções políticas vêm em grande parte de nossa pouca vigilância e nenhuma militância, deixando aos “outros” que façam por nós. Nossa defesa das conjunturas mundiais se dá no plano das políticas, daí nossa vigilância e questionamentos de cidadãos. Não dá para eximir-se e querer que tudo ande ao nosso gosto. Quem muda o mundo são os interesses, nem sempre os nossos.

Quem dita as regras da economia hoje no mundo?

A economia mundial tem no centro os EE.UU. como potência econômica e militar. Porém atualmente esse centro se configura compartido com a Europa, como bloco único, e com a China em rápida expansão. Mais dez anos, ela iguala o PIB (soma de todos os bens e serviços) americano. Grandes tensões surgirão dessa tripartite, porém sem saídas bélicas. As redes empresariais, antes nacionais, se internacionalizaram com a globalização, derramando e interpenetrando os mesmos interesses por todos os territórios, de modo que toda ação militar termina sendo contra si mesmo.

Hoje, só se faz investida militar onde não há empresas internacionais, porque ninguém bombardearia dependências que são suas. Guerra só em áreas não hegemônicas. Outrossim, todos os bilhões de dólares dos excedentes chineses estão sendo usados para organização de vínculos (empresas próprias, associadas ou assistidas por suas importações e exportações) nas diversas partes do mundo, de modo que todos convirjam para o mundo dos negócios comuns. A concorrência e as disputas se tornaram dialeticamente convergentes e uníssonas, confinando os confrontos ao plano das empresas, não mais das nações.

A globalização parece ser a síntese das contradições nacionais, criando uma nova tese, qual seja, a da concorrência apenas privada. As regras, assim, virão desse novo núcleo hegemônico ainda em formação, embora alguns emergentes como Índia, Rússia, talvez Coreia e Brasil, possam gravitar com alguma influência. Preparemo-nos para governos transnacionais...

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* Obra publicada pela Editora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 2010, e lançada na Feira do Livro de Porto Alegre do ano passado.