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segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Montevideo: despacito suave suavecito

Jorge Finatto

charla en la Rambla. photo: jfinatto
 

GOSTO DE MONTEVIDEO. Me sinto bem caminhando por suas ruas de plátanos, praças, visitando seus cafés, livrarias, museus. Ando pela Rambla como um nativo do lugar, sem compromisso, sem paranoia, com o vento me empurrando feito um barco. 
 
Gosto de vagabundear sem medo pelas calles, onde em cada esquina se descobre um café, uma banca de jornal, pessoas conversando. Gosto de ver os velhos andando despacito, suave, suavecito, em qualquer hora do dia ou da noite, nas calçadas, entrando em restaurantes, sozinhos ou acompanhados, senhores de si.

Os criminosos cessaram aqui suas atividades e foram para outro lugar. Talvez para o Brasil.

Cafe Misiones. photo: jfinatto

Gosto de ler Galeano, Benedetti, Juan José Morosoli, Juan Carlos Onetti, Idea Vilariño, Felisberto Hernández, Mario Arregui. De passear pelas páginas terríveis dos Cantos de Maldoror, do famoso Conde de Lautréamont, o mais misterioso, espantoso, impressionante e cruel escritor do universo. Montevideano, claro.
 
Gosto de regressar ao quarto de hotel, echar una siesta, mientras escucho la Radio Babel. Con la lluvia en la ventana

Librería El Más Puro Verso. photo: jfinatto
 
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Radio Babel:

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Pedro Figari, artista, filósofo, homem de ação

Jorge Adelar Finatto
 
Barrio de negros, 1924. Museo Figari, photo: jfinatto
 
Minha pintura não é 'uma maneira de fazer pintura' senão um modo de ver, de pensar, de sentir e sugerir.

                                    Pedro Figari

Pedro Figari


Uma das visitas mais proveitosas que fiz, nesta viagem ao Uruguai, foi ao Museu Figari, em Montevideo. Já admirava sua obra pelo que havia visto antes, em viagens anteriores, no Museo Nacional de Artes Visuales e no Museo Juan Manuel Blanes.

Não pretendo, evidentemente, neste breve espaço, aprofundar nenhum assunto relacionado a Pedro Figari (1861-1938), senão dar uma ideia resumida e muito pessoal do que vi e senti. Entre outras razões, porque estou começando a conhecê-lo. Se da visão anterior já tinha ficado com uma forte impressão de sua obra, agora ela se enriqueceu e ampliou.

Fantasia, Museo Figari, 1922-23, photo: jfinatto

A produção abundante (cerca de 4 mil obras) e altamente qualificada do artista justifica a existência do museu. Figari foi, para além de artista plástico, jurista, escritor, filósofo, político, colaborador em periódicos, polemista e trabalhador em causas de interesse público, entre outros misteres. Um humanista que atuou na construção de um pensamento (e de um sentimento) em torno da arte e do fazer humano em geral.
 
Como diretor da Escola Nacional de Artes e Ofícios, desenvolveu a ideia de que o trabalhador pode e deve fazer de seu ofício uma arte, atuando com pensamento crítico, esmero e criatividade. Valorizou o trabalho em suas muitas expressões. A arte, para ele, era mais um dos fazeres ao alcance do indivíduo e poderia ser exercida de diferentes maneiras e em diferentes atividades.

Museo Figari. photo: jfinatto

Ao que interessa, nesta breve notícia, cumpre ressaltar o traço e as cores absolutamente singulares de suas pinturas. A composição lírica e delicada das tintas dá às pinturas uma vida única, particular.

Uma tal originalidade possui a obra figariana que nos assoma a impressão de que nada parecido foi feito antes e nem depois. Desenvolveu um modo de pintar e de elaborar a linguagem pictórica que é inaugural. E ali colocou seu sentimento e sua visão de mundo.

En la estancia, 1925. Museo Figari, photo: jfinatto

Há um jeito Pedro Figari de construção plástica. Não conheço nada parecido. Deve-se, claro, ter presente que não sou especialista na matéria, nem pretendo sê-lo. Mas também não sou um observador leviano.

A temática está muito ligada à terra uruguaia, sua gente, sua história, mas nela bate um coração universal. Há cenas campestres, familiares, bailes, situações de sofrimento e depressão, painéis da vida social, fantasias, etc.
 
Não há projeção minudente do figurativo. O artista quer mais sugerir sentimentos e ideias do que descrevê-los. As pessoas, animais e coisas são desenhados com traços sinuosos, em movimento físico e/ou emocional. Não existe preocupação excessiva com detalhes. Os olhos e rostos, por exemplo, não ganham maior destaque. Ainda assim, a composição como um todo resulta rara. Ali sempre há um sentido, nada está perdido ou solto ao acaso.

Algo que chama a atenção é a importância que dá à presença de afrodescendentes. Eles aparecem tanto como serviçais quanto vivendo sua própria vida no bairro, em suas festas e reuniões.

Há um louvável interesse de Figari pela situação destas pessoas na paisagem humana da época, cujos ancestrais vieram da África em condição de escravidão.

Não sei como será no interior do país, mas em Montevideo vejo muito baixa presença de pessoas negras atualmente. Acostumado ao Brasil, onde ela é muito significativa, aqui mostra-se reduzida, ao menos foi o que apreendi nas cinco vezes em que estive no Uruguai.

Miseria, sem data. Museo Figari, photo: jfinatto
  
Um quadro de Figari é facilmente identificável por sua força expressiva e peculiar elaboração. De muitas formas ele me encanta como um dos grandes pintores que tenho conhecido em exposições e museus. 

Penso que já é mais do que hora de levar uma exposição de Pedro Figari ao Brasil. É, sem dúvida, um dos expoentes do continente americano. Conhecer seu pensamento e sua obra é fonte de inspiração e crescimento.

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Museo Figari.  Calle Juan Carlos Gómez, 1427, Ciudad Vieja, Montevideo, Uruguay. 

sábado, 21 de novembro de 2015

Van Gogh na Peatonal Sarandí

Jorge Adelar Finatto
 
photo: site Galería Ciudadela, Montevideo¹

Caminhando ontem pela Peatonal (rua de pedestres) Sarandí, em Montevideo, vi uma escultura na Galería Ciudadela que, à distância, me chamou a atenção. Aproximei-me da vitrine. Já era por volta de 19h, a galeria estava fechada. Procurei o melhor ângulo para fotografar. Nesse momento me dei conta de que se tratava de uma escultura de Van Gogh (250 x 122 cm).
 
Olhando os detalhes, percebi que estava diante de uma bela obra de arte. Feita com ferro e madeira, revela uma grande maestria do escultor. Impressiona a construção dos traços e do olhar de Van Gogh, reunindo técnica e emoção.
 
photo: jfinatto, Galería Ciudadela, 20/11/15
 
É admirável como o artista conseguiu tal resultado usando materiais como pés de bancos e cadeiras, pedaços de venezianas e peças de ferro variadas, que provavelmente eram sucata que ele recolheu e transformou em arte. O refinamento do trabalho é notável.
 
De volta ao hotel, pesquisei no site da Galería Ciudadela (espaço de arte imperdível em Montevideo, localizado na Ciudad Vieja) quem era o artista. Trata-se de Javier Abdala, montevideano nascido em 1971, que é professor no Instituto Escola Nacional de Belas Artes, da Universidade da República do Uruguai. No site do artista, veem-se outras imagens de sua rica obra.²
 
Estou encaminhando este post ao Museu Van Gogh de Amsterdã. Eu, se pudesse fazer uma sugestão à direção do museu, recomendaria a aquisição desta escultura para integrar o seu acerco. Por rara, criativa, única.
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¹Galería Ciudadela:
 
² Javier Abdala
 

sábado, 14 de março de 2015

L'autre à Mont (Lautréamont em Montevideo)

Jorge Adelar Finatto

Río de La Plata entre edifícios, Montevideo. photo: jfinatto
 
Sí, cuál es el más profundo, el más impenetrable de los dos: el océano o el corazón humano? ¹

                           Isidore Ducasse, Conde de Lautréamont
 
UMA viagem só é boa quando voltamos diferentes pra casa. Quando algo bom, novo ou há muito esquecido, passa a respirar na nossa sensibilidade.
 
A arte é um tipo particular de viagem. Como as viagens reais, tem poder transformador. De um jeito ou de outro, é preciso viajar, deixar-se tocar: mudar. Tirar o coração e o pensamento do lugar-comum.
 
Em Montevideo, fiz uma expedição à rua onde viveu - até os 13 anos - o Conde de Lautréamont, nom de plume de Isidore Lucien Ducasse (1846-1870), poeta de vida obscura, futuro papa profano do Surrealismo. Ele é autor do estranhíssimo, belo e terrível Les Chants de Maldoror (Os Cantos de Maldoror). Filho de pais franceses que foram trabalhar e morar no Uruguai, nasceu em Montevideo, em 4 de abril de 1846, tendo ali vivido até o início da adolescência.

Única photo conhecida de Isidore Lucien Ducasse,
fonte Wikipédia

Uma tarde de sol, lá me fui a bordo do chapéu de palha encontrar o jovem bardo na Calle Camacuá, 544.

A rua Camacuá é pequenina. Diante dela estende-se, a perder de vista, o Río de La Plata. Fica na ciudad vieja. Chegando ao local, constatei que não existe mais a casa 544 onde ele morou. Em seu lugar apenas um edifício modernoso. Nenhuma placa alusiva ao imaginário conde. Do outro lado da rua, um terminal de ônibus e, depois dele, a Praça Espanha com suas palmeiras conversando com o vento, e logo adiante o rio.

No fim da Camacuá, bifurcam-se velhas ruas e, nelas, habitam prédios muito antigos. Por elas certamente andou o jovem Ducasse quando, aos 21 ou 22 anos, retornou a Montevideo para visitar o pai que o sustentava enquanto vivia, estudava às vezes e escrevia na França. Provavelmente nessa época já tinha concluído Les Chants. De sua vida pouco se conhece.

Eu sei muito pouco a respeito do estranho Isidore: a mãe morreu quando ele contava cerca de um ano. Ele gostava muito de ler na ampla biblioteca do pai. É certo que leu os principais autores de seu tempo. Eis o que diz dos Cantos:

Cantei o mal como fizeram Misçkiéwickz, Byron, Milton, Southey, A. de Musset, Baudelaire, etc. Naturalmente exagerei um pouco o diapasão para fazer algo novo em relação a esta literatura sublime que não canta o desespero senão para oprimir o leitor, e fazê-lo desejar o bem como remédio. (Eu cantei o mal...) ²

Era um rapaz alto, magro, vestia-se bem, carregava muitas coisas dentro da cabeça. Coisas pouco corriqueiras, de espantar. Uma revolta contra Deus, e uma náusea de viver e da humanidade que não se sabe qual a origem.

Río de La Plata. photo: jfinatto. vista da Calle Camacuá

O pseudônimo teria sido inspirado pela obra Lautréamont, de Eugène Sue; outros acreditam que significa o outro em Montevideo  (L'autre à Mont (evideo). Um mistério entre tantos.

O seu texto jorra do inconsciente.

Seriam os Cantos a antevisão literária dos tempos sombrios que vinham pela frente com suas guerras sangrentas (Primeira e Segunda Guerras Mundiais, Guerra do Vietnã), tiranias terríveis (Stalin na União Soviética, ditaduras sul-americanas) e violências rotundas contra o ser humano (todos os dias em todas as cidades do mundo)? Seriam a consciência crua e desesperançada da presença do homem na Terra? Quem sabe?

De qualquer forma, alguns o consideram mais importante do que Arthur Rimbaud.

Na livraria Más Puro Verso, na Peatonal Sarandí, comprei uma edição espanhola dos Cantos pra reler no hotel. Não lia Lautréamont há mais de 30 anos.

Depois de não encontrar a morada do fictício Conde, fiquei um tempo observando a expansão azul do rio. Imaginei-o caminhando pelas calçadas, à sombra de escuras paredes, sonhando em fugir da cidade, do mundo, de si mesmo. Mastigando seus desertos e sua triste poesia.

Por fim, entrei num restaurante e bebi um Medio y medio (vinho branco suave, frisante, tradicional do Uruguai), em memória do poeta Lautréamont, morto em solidão e anônimo, às 8 da manhã da quinta-feira, 24 de novembro de 1870, na rua Faubourg-Montmartre, 7, Paris, ninguém sabe de quê, aos 24 anos.
 
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¹Los Cantos de Maldoror - Poesías. Isidore-Lucien Ducasse, Conde de Lautréamont. Editorial Gredos, Madrid, 2004. Introducción por Luis A. de Villena. Trecho da pág. 59.
² idem, pág. 8, tradução livre de JA Finatto. Fragmento de Carta do poeta ao editor Verboeckhoven.
Leia também "Lautréamont y el surrealismo", por Mónica Marchesky:
http://www.monografias.com/trabajos75/lautreamont-surrealismo/lautreamont-surrealismo2.shtml
 

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Painting four, The Beatles

Jorge Adelar Finatto

The Beatles. Pablo López (Pez). Exposição no Impo. Montevideo. photo: jfinatto
 
Nesta quarta-feira, (11/02), fui ao edifício da Imprensa Oficial do Uruguai aqui em Montevideo. Queria encontrar uma edição de 2010 do Diário Oficial que trazia uma matéria sobre o escritor Felisberto Hernández (1902-1964).
 
Imaginem: procurar uma publicação de cinco anos atrás num órgão público... Pois acreditem: não poderia haver melhor atendimento. A afabilidade e a eficiência das pessoas que atendem no local são dignas de registro. Tiveram de recorrer ao computador e depois ao arquivo para localizar a edição. Não esperei mais que dez minutos.

The Beatles. Pablo López (Pez). Exposição no Impo. Montevideo. photo: jfinatto
 
A funcionária retornou com o tão procurado Diário Oficial em mãos. Uma atenção e uma educação como poucas vezes vi.

Não cobraram pelo serviço nem meu nome perguntaram. Sabiam apenas que eu era um brasileiro leitor de Hernández. Um cidadão qualquer. Mas, neste país de Pepe Mujica, um cidadão qualquer tem valor e merece ser bem tratado. Portanto, meus cumprimentos à atuação da equipe da Imprensa Oficial uruguaia, nela incluído o senhor da segurança que me deu boas informações sobre a exposição The Beatles.

The Beatles. Pablo López (Pez). Exposição Impo. Montevideo. photo: jfinatto
 
                                   Pablo López
 
O edifício da Impo não é só um lugar para assuntos burocráticos. Há também um espaço reservado à arte em todo o andar térreo, entre as salas dos funcionários. E, neste momento, está em curso a exposição Painting Four, The Beatles, do artista plástico uruguaio Pablo López, conhecido por Pez (Montevideo, 1975).

The Beatles. Pablo Pez. Exposição no Impo. Montevideo. photo: jfinatto
 
É um excelente trabalho. O projeto compõe-se de 80 obras realizadas em várias técnicas. Pez investe na deformação característica da caricatura como ferramenta para sintetizar a personalidade de seus personagens.
 
Eu fiquei impressionado com a qualidade das pinturas, pedi autorização e fiz estas fotos. Um presente para os leitores. Eis aí mais uma razão para vir a Montevideo.
 

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

La vida es hoy

Jorge Adelar Finatto

La Carreta, obra em bronze de José Belloni. Montevideo. photo: jfinatto
 

Talvez ele gostasse de dizer que chegou àquela altura da vida em que o universo lhe segreda sua sabedoria. Mas não seria verdadeiro.
 
Vem-lhe à cabeça a lembrança do velho filósofo grego que saía pela cidade com uma lanterna acesa, em pleno dia, procurando um ser humano. Era um radical da sabedoria.

Diógenes vivia só na caverna de um barril.

É um recuerdo aleatório que acode ao viajante, sem nenhuma razão aparente, em meio à tarde de sol em Montevideo.

No Café Facal, na Avenida 18 de julho, olha o intenso movimento dos carros e ônibus. Mas olha mais ainda o movimento das pessoas nas calçadas que nessa hora, 17h30min, é intenso. Há pouco desceu no Aeroporto de Carrasco, passou pelo hotel e saiu.

Há seres humanos nas ruas de Montevideo. Uma cidade que tem algo de familiar nas suas calles de casas antigas, nos seus plátanos (dizem que há um plátano para cada habitante, num total de um milhão e meio).

O Uruguai tem 3,5 milhões de almas. O trato das pessoas é afável, educado. Não se vê miséria à solta nem violência. Esta, quando ocorre, é por exceção.

Plaza Constitución. photo: jfinatto

 O encanto de Montevideo está na alma harmoniosa da cidade

Não existe riqueza ostensiva nem o chamado glamour. O abismo entre os que têm tudo e os que nada têm nem é como em Pindorama. As pessoas têm sua dignidade na terra do presidente José "Pepe" Mujica, este sim um filósofo grego, no melhor sentido, rico de humildade e de saberes práticos que transforma em exemplos de vida.

Com ele os verbos repartir riquezas e melhorar a vida dos pobres ganharam sentidos talvez nunca antes vistos na América Latina. Se Brasil e Argentina tivessem um Mujica, provavelmente não estariam na lamentável situação em que se encontram.

O viajante não é um sábio como Diógenes. Nada sabe. O ofício de ser sábio está sempre muito além. Quer aprender a ser algo um pouco melhor. Por isso, não vai sair por aí com uma lanterna acesa nesse dia azul de sol nem pretende recolher-se num barril na calle movimentada.

Leu, num grafite fotografado por Gustavo Castagnello (Uruguai), la vida es hoy. Sim, a vida é hoje. Ontem foi, amanhã será. Mas, por ora, a vida só pode ser agora. E pode ser diferente, mais leve.

O meu reino por um pouco de leveza, pensa o viajante.

Os plátanos e as pessoas humanizam as ruas. O Río de la Plata convida o olhar. As pessoas não têm medo, olham em frente e trilham um caminho. Habitam a cidade como os peixes habitam as águas doces do rio.
  

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

La dulzura puede cambiar el mundo

Jorge Adelar Finatto

photo: jfinatto


A frase me chamou a atenção enquanto tomava um café no Café Brasilero em Montevideo. Em tempos de radicalismos como os que vivemos, de todos os lados, ler algo assim alivia a alma.

Sim, a doçura pode mudar o mundo. Um pouco de açúcar nas relações, em todas as relações, faria muito bem ao planeta. Salvaria muitas vidas, despertaria os corações para a amizade, para o encontro, para a tolerância e o respeito.

Ninguém tem a verdade toda a seu lado. É preciso colocar-se no lugar do outro, é preciso tentar enxergar e entender suas razões e até suas sem-razões.

Para os que reivindicam direitos absolutos, em qualquer atividade ou situação da vida, vale lembrar que a liberdade e a democracia só se sustentam quando existem limites. Todo direito encontra limitação em outro direito. Sem limites, de uns e de outros, não há vida possível em sociedade. 

A propósito disso, em muito boa hora o filme argentino Relatos Selvagens, que tem o extraordinário Ricardo Darín como um dos atores, foi indicado para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. São relatos que tratam justamente da falta de limites no comportamento das pessoas e das terríveis conseqüências que podem resultar.

Eduardo Galeano, em photos no Café

A frase do título está escrita nas embalagens de açúcar da marca uruguaia Azucarlito, que acompanham o cafezinho. Raras vezes um slogan foi tão feliz. Lê-lo, nestes tempos revoltos, é motivo de esperança.

O Café Brasilero fica na Calle Ituzaingó, 1447, na Ciudad Vieja. Foi fundado em 1877 e é patrimônio cultural de Montevideo. Freqüentado por escritores, artistas e poetas, recebe também estudantes e turistas. Entre os freqüentadores históricos, Eduardo Galeano e Mario Benedetti (já falecidos, infelizmente). O atendimento é atencioso e o lugar merece uma visita.

Interior do Café

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Azucarlito - Galeria:
 

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

El pajarito triste

Jorge Adelar Finatto

Visão do Rio da Prata. Montevideo. photo: jfinatto, 14/01/2015
 
- Eu necessito desesperadamente de um amigo. Não quero alguém que me julgue, por favor.  As verdades, sobretudo as mais duras e profundas, não me interessam neste momento. Não quero um juiz nem um psiquiatra. Preciso de um amigo.
 
Um passarinho no galho de um plátano, aqui em Montevideo, me disse essas coisas. Eu caminhava pela Ciudad Vieja, hoje à tarde, quando ele me chamou. Sentei no banco da Plaza Constitución para escutá-lo. O passarinho triste tinha o cabelo espetado como os pássaros de sua idade, mas não andava com o bando.

Plaza Constitución. photo: jfinatto
 
Era um pássaro poeta e me falou de sua solidão. Eu não sou pássaro, mas compreendi perfeitamente o que dizia. Fiquei com dó do bichinho. Mas o que eu podia fazer? Sou um estrangeiro na cidade, conheço pouco o lugar, não tenho amigos aqui, estou só de passagem.

- Converse comigo, ele disse. Fazia um tempo agradável, a brisa corria na praça e na Peatonal Sarandí.

- Sinto falta de um amigo pra conversar coisas corriqueiras, do dia a dia, banalidades ou coisas sérias, não importa. Conversar sem medo, até tarde, até as cinco da manhã, você compreende? Como aquelas conversas de gente que não se vê há muito tempo.

- Qualquer coisa, nada misterioso, num café qualquer. Só ir pra casa dormir quando o sol espalhar o leque com os primeiros raios alaranjados sobre o Rio da Prata. Um amigo sem hora pra ir embora.

Antes que eu dissesse alguma coisa, ele saiu voando entre as árvores e desapareceu na tarde montevideana.

Enquanto estiver aqui, conte comigo, pajarito. Vamos montevidear pelas calles do Conde de Lautréamont, Mario Benedetti e Eduardo Galeano.