Jorge Adelar Finatto
Solidão, pintura de Iberê Camargo, 1994. Foto: Luiz Achutti. Fonte: site da Fundação Iberê Camargo: http://www.iberecamargo.org.br |
No passar vertiginoso do tempo, o instante quer ficar. O pintor é o mágico que imobiliza o tempo.
Iberê Camargo
Fiz uma visita à Fundação Iberê Camargo agora no fim de fevereiro. O edifício localiza-se na beira do Guaíba, e foi desenhado pelo famoso arquiteto português Álvaro Siza. Gostei muito do lugar, sua organização, atendimento, mas acho que bem poderia ter pelo menos uns quatro janelões a mais para se admirar o rio e Porto Alegre.
Em nada interfeririam nos ambientes de exposição, já que as aberturas estão nos corredores isolados que rodeiam em espiral o interior do prédio.
Nada se compara à visão da cidade e seu rio. Penso nessa outra pintura não para fazer concorrência com as obras expostas no interior do museu, mas para nos aproximar dessa outra beleza, tão natural e delicada, integrando-a naquele espaço de arte. Falo como alguém que se ressente da falta de pontos de observação em Porto Alegre.
A cidade e seus habitantes estão vendados para o rio.
Era um dia nublado de fevereiro. Havia a tarde pela frente, suficiente para a visitação das duas exposições: Conjuro do mundo: as figuras-cesuras de Iberê Camargo, e De Chirico: O sentimento da arquitetura.
Tenho um conhecimento pouco profundo da obra do gaúcho Iberê Camargo (1914 - 1994). A visita contribuiu para ampliá-lo. A fundação é o lugar ideal para conhecer esse importante artista brasileiro do século XX.
A minha relação com o grego Giorgio De Chirico (1888 - 1978, pronuncia-se De Quírico, conforme aprendi lá no museu) é mais antiga, vem do tempo em que andava às voltas com os surrealistas, sendo eu mesmo um deles, tardio embora, alguém que valoriza o inconsciente e os sonhos no ofício de criar. Faziam parte de minhas admirações gente como De Chirico, André Breton, Salvador Dali, Antonin Artaud, Miró, Magritte, Lautréamont e vários outros membros da inquieta e ilustre família.
Há nas exposições pinturas encantadoras de Iberê e de De Chirico, além de belas esculturas deste último. Recomendo, portanto, vivamente uma visita a ambas.
Os azuis da pintura de Iberê são únicos. Como no quadro Solidão, pintado no ano de sua morte. O que o artista nos transmite é um forte sentimento de que a beleza e a solidão caminham sempre lado a lado. Parece que uma não existe sem a outra.
O indivíduo está só com ele mesmo e na vida em sociedade. Os caminhos são tortuosos e estão cheios de pedras. Nessas pinturas, há uma visão turva do destino humano. A metáfora de um tempo com a marca da crueza, num século que nos deixou de herança duas guerras mundiais e um ambiente nunca visto de desprezo ao humano e perda de sentidos.
A minha relação com o grego Giorgio De Chirico (1888 - 1978, pronuncia-se De Quírico, conforme aprendi lá no museu) é mais antiga, vem do tempo em que andava às voltas com os surrealistas, sendo eu mesmo um deles, tardio embora, alguém que valoriza o inconsciente e os sonhos no ofício de criar. Faziam parte de minhas admirações gente como De Chirico, André Breton, Salvador Dali, Antonin Artaud, Miró, Magritte, Lautréamont e vários outros membros da inquieta e ilustre família.
Há nas exposições pinturas encantadoras de Iberê e de De Chirico, além de belas esculturas deste último. Recomendo, portanto, vivamente uma visita a ambas.
vista de uma janela da FIC. photo: j.finatto |
As contínuas reformas na nossa cidade - a cidade é a nossa casa - nos transformam em forasteiros. O progresso é uma ação de despejo em execução.
Iberê Camargo
Os azuis da pintura de Iberê são únicos. Como no quadro Solidão, pintado no ano de sua morte. O que o artista nos transmite é um forte sentimento de que a beleza e a solidão caminham sempre lado a lado. Parece que uma não existe sem a outra.
O indivíduo está só com ele mesmo e na vida em sociedade. Os caminhos são tortuosos e estão cheios de pedras. Nessas pinturas, há uma visão turva do destino humano. A metáfora de um tempo com a marca da crueza, num século que nos deixou de herança duas guerras mundiais e um ambiente nunca visto de desprezo ao humano e perda de sentidos.
A minha maior surpresa, contudo, viria depois da visita à FIC. Movido pela curiosidade de conhecer um pouco mais o pensamento do pintor, adquiri seu livro Gaveta dos Guardados, publicado em 2009 pela Fundação Iberê Camargo e editora Cosac Naify.
O que li nesses textos é resultado do trabalho de um escritor talentoso, senhor do ofício da palavra. Este é um livro com horizonte e profundidade, de alguém que tem realmente o que dizer e o faz com arte.
O que li nesses textos é resultado do trabalho de um escritor talentoso, senhor do ofício da palavra. Este é um livro com horizonte e profundidade, de alguém que tem realmente o que dizer e o faz com arte.
interior da FIC. photo: j.finatto |
Iberê não é apenas um artista plástico que escreve bem. Não é somente um homem culto que resolveu escrever e dar-se ares de escritor. Não. É um escritor que domina a expressão escrita com maestria e originalidade.
Sou impiedoso e crítico com minha obra. Não há espaço para alegria. Acho que toda grande obra tem raízes no sofrimento. A minha nasce da dor.
Iberê Camargo
O autor escreve com rigor e no que diz não existe espaço para superficialidades e salamaleques. Escrever, para este pintor de palavras, é um ato de vida ao qual se consagrou por inteiro.
Gaveta dos Guardados é um livro de memórias, mas é, sobretudo, um livro no qual se plasma a criação literária em alto nível. Uma descoberta.
Iberê Camargo é um caso raro de artista com domínio vigoroso e fecundo de duas linguagens.
Gaveta dos Guardados é um livro de memórias, mas é, sobretudo, um livro no qual se plasma a criação literária em alto nível. Uma descoberta.
Iberê Camargo é um caso raro de artista com domínio vigoroso e fecundo de duas linguagens.
fachada da FIC. photo: j.finatto |
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As três frases em azul foram retiradas do livro Gaveta dos Guardados (págs. 102, 103 e 31), de Iberê Camargo. Fundação Iberê Camargo, editora Cosac Naify, São Paulo, 2009.