O câncer colocou-o pra flutuar numa nuvem de morfina.
O corredor pareceu-lhe imenso até a sala de cirurgia. Gente vestida de branco, teto alto, máscaras, álgida luz sobre seu corpo. Uma vaga claridade entrava pela janela fechada. Um sono longo e induzido. O corte, o sangue, aparelhos. A urgente luta pela sobrevivência.
Tinha passado muitos anos ilhado em gabinetes, mergulhado em processos, decifrando histórias e conflitos, decidindo destinos. Enquanto habitava a ilha, o Guaíba fluía sonoro do outro lado da vidraça.
O rio e seus navios. O rio e seus peixes. O rio e os admiradores do pôr do sol, sentados à margem. O rio e a promessa de viagens nunca feitas.
Os sonhos há muito tinham batido em retirada diante das durezas do mundo real. Quando foi a última vez que teve tempo para si, para a família e amigos? Não lembrava mais.
Pensava nessas coisas nas noites do hospital, deitado na cama, quando a dor dava um folga. Voava na nuvem gris, entre brancos aventais e a parafernália eletrônica pelo corpo.
Depois ficou tudo para depois.
Caminhou muitos dias e noites numa estrada de espessa névoa. Começou a olhar o mundo com outros olhos. Nada valia mais do que estar vivo, vivo simplesmente.
O risco de desaparecer fez com que se voltasse, sem mais demora, para o que havia de mais precioso na Via Láctea: o pequeno planeta dos seus afetos.
O corredor pareceu-lhe imenso até a sala de cirurgia. Gente vestida de branco, teto alto, máscaras, álgida luz sobre seu corpo. Uma vaga claridade entrava pela janela fechada. Um sono longo e induzido. O corte, o sangue, aparelhos. A urgente luta pela sobrevivência.
Tinha passado muitos anos ilhado em gabinetes, mergulhado em processos, decifrando histórias e conflitos, decidindo destinos. Enquanto habitava a ilha, o Guaíba fluía sonoro do outro lado da vidraça.
O rio e seus navios. O rio e seus peixes. O rio e os admiradores do pôr do sol, sentados à margem. O rio e a promessa de viagens nunca feitas.
Os sonhos há muito tinham batido em retirada diante das durezas do mundo real. Quando foi a última vez que teve tempo para si, para a família e amigos? Não lembrava mais.
Pensava nessas coisas nas noites do hospital, deitado na cama, quando a dor dava um folga. Voava na nuvem gris, entre brancos aventais e a parafernália eletrônica pelo corpo.
Depois ficou tudo para depois.
Caminhou muitos dias e noites numa estrada de espessa névoa. Começou a olhar o mundo com outros olhos. Nada valia mais do que estar vivo, vivo simplesmente.
O risco de desaparecer fez com que se voltasse, sem mais demora, para o que havia de mais precioso na Via Láctea: o pequeno planeta dos seus afetos.
Somos um sopro de Deus - pensou - habitantes de um tempo que se esfuma e não nos pertence. Sentia-se por um fio como um astronauta fora da nave-mãe.
Lembrou-se dos tempos da infância, das bolinhas de gude, do pião, das pandorgas no infinito azul, dos banhos no córrego, dos encontros de família. Apesar dos problemas, diferenças e brigas, a família ainda era o melhor lugar do universo.
Pensou nas coisas que podia ter feito, nos projetos que deixara pra trás, nas noites que podia ter passado, em claro, a olhar o céu estrelado. Agora era como se os anjos estivessem ali, ao redor da cama, invisíveis.
Precisava de uma chance pra refazer laços perdidos, dar abraços, partilhar a vida, agradecer, pedir desculpas.
Precisava sobreviver e chegar ao outro lado daquele rio sem margens.
Precisava de uma chance pra refazer laços perdidos, dar abraços, partilhar a vida, agradecer, pedir desculpas.
Precisava sobreviver e chegar ao outro lado daquele rio sem margens.
Uma nova chance foi tudo que pediu a Deus. Naquela noite não dormiu até ver o sol clareando a janela do quarto de hospital. Era o primeiro dia da nova vida. Não ia desperdiçar um segundo sequer.