O mundo já foi um lugar mais doce de se viver. Havia mais brandura nos corações, nos gestos. A realidade não era esse poço de incertezas e angústias.
Caminhar pelas ruas de Porto Alegre, de madrugada, não era um ato de loucura como hoje. É só um exemplo entre tantos. (As cidades escureceram.)
Caminhar pelas ruas de Porto Alegre, de madrugada, não era um ato de loucura como hoje. É só um exemplo entre tantos. (As cidades escureceram.)
Mas a questão é que ninguém pode viver no passado (aliás, se examinar bem, nunca foi essa maravilha). Digamos que há coisas boas que deixam saudade. Como o arroz doce.
Quando a avó morreu, há séculos, levou para o céu a receita de arroz doce que só ela sabia fazer no fogão a lenha.
Quando a avó morreu, há séculos, levou para o céu a receita de arroz doce que só ela sabia fazer no fogão a lenha.
A ausência da dona Maria faz-se sentir de muitas maneiras ao neto. Seus bonecos de pano, suas histórias, a casa impregnada com o cheiro claro das roupas lavadas e secas ao sol. Os passeios pela rua central da cidadezinha (nem um ponto no mapa).
Havia muitos doces na indústria caseira da avó. O meu eleito sempre foi o arroz doce. Com aquelas mínimas raspas de casca de laranja e a porção de canela na dose exata. O prato de arroz doce era uma das portas de entrada no paraíso.
Sim, ainda existia o paraíso.
Sim, ainda existia o paraíso.
Num dia muito distante, resolvi estudar engenharia química. No fundo, talvez eu procurasse, de forma inconsciente, a fórmula mágica do arroz doce da avó. Era mais importante que a pedra filosofal para os alquimistas. Contudo, nunca a descobri. Abandonei o curso.
Encontrei sabores que lembram vagamente o arroz doce da infância. No início deste ano, comi algo um pouco parecido (não mais do que parecido) num restaurante em Lisboa, o Martinho da Arcada, na Praça do Comércio, diante do Tejo.
(No Martinho da Arcada, Fernando Pessoa jantava todas as noites, entre 1920 e 1935. Sabendo da difícil situação financeira do poeta, o proprietário, que também era seu admirador, nada lhe cobrava. A mesa que ele ocupava, e onde recebia amigos, está lá no mesmo lugar, sempre com uma flor recém colhida no vaso).
(No Martinho da Arcada, Fernando Pessoa jantava todas as noites, entre 1920 e 1935. Sabendo da difícil situação financeira do poeta, o proprietário, que também era seu admirador, nada lhe cobrava. A mesa que ele ocupava, e onde recebia amigos, está lá no mesmo lugar, sempre com uma flor recém colhida no vaso).
Costumo pedir arroz doce quando vou a restaurantes (hábito, aliás, cada vez mais raro diante da inflação que nos maltrata). A maioria dos garçons sequer ouviu falar, como se se tratasse de uma iguaria extinta da Idade Média.
A dura verdade é que não existe mais o arroz mais doce deste mundo. Pelo menos pra mim. A receita deve estar escondida em algum livro numa biblioteca entre as nuvens.
Eu levo a vida em busca do arroz doce perdido...
Eu levo a vida em busca do arroz doce perdido...