Jorge Adelar Finatto
Tenho uma pequena coleção de revistas que datam do início até a metade do século XX. Alguns dos exemplares já passaram bem dos cem anos de existência. Há títulos como Para Todos, Careta, Fon-Fon, Ilustração Brasileira, O Malho, Revista da Semana. Mais que simples revistas, são documentos de época. Nelas se pode encontrar muito dos costumes, do modo de ser e pensar da sociedade de então. Os conteúdos prestam-se a estudos em áreas como história, sociologia, propaganda, esportes, cultura, comunicação, política e outros.
A qualidade do material com que eram feitas é notável. As capas e páginas de miolo continuam em bom estado. As cores são vivas, parecendo que foram impressas na semana passada.
Tenho especial predileção pela Para Todos, dirigida pelo porto-alegrense Alvaro Moreyra a partir de 1918. Ele também dirigiu a Ilustração Brasileira. O escritor gaúcho apoiou e publicou muitos novos autores, como Carlos Drummond de Andrade (que reconheceu em Alvaro sua maior influência literária, nos anos de formação, entre os escritores brasileiros).
Para Todos é um primor gráfico, artístico e literário. As capas eram desenhadas pelo grande caricaturista e artista plástico J. Carlos, também diretor de Para Todos e parceiro de Alvaro durante muitos anos.
Alvaro Moreyra coloca na publicação seu grande talento de escritor e poeta. Era homem sensível, dotado de rica e variada cultura e, acima de tudo, um raro humanista. Para Todos foi um espaço democrático que buscava um enfoque contemporâneo da cultura e das ideias que surgiam a reboque das grandes transformações que o mundo experimentava. Admirado por escritores como Graciliano Ramos, Jorge Amado, Manuel Bandeira e tantos outros, foi um intelectual exemplar na humildade, na solidariedade e no respeito às pessoas.
Na página de abertura que escrevia em Para Todos, vamos encontrar a mostra de seu texto belo e único. Como neste, publicado na edição de 05 de março de 1927 (mantenho a grafia):
Para que título?
Sempre que eu vou ao cáes despedir-me de alguma amiga ou de algum amigo em viagem para a Europa, outras pessoas que foram lá fazer a mesma coisa têm o costume de atirar palmadas amáveis nas minhas costas e dizer:
- Que vontade de ir também, não?
Eis ahi o que eu chamo um máo costume...
Era um cigarro lindo. Accendi-o. E
como ia passando um cordão, puz
o cigarro no cinzeiro e fui ouvir a
cantiga que subira pela janella.
Quando voltei, o cigarro, sósinho,
tinha acabado. Restava um esque-
leto de cinza.
Tenho conhecido muita gente as-
sim.
Um autor, deante de uma mulher
que o admira, tem que ser sempre
um autor.
Mas, ás vezes, não sabe de que...
Adão. Que popularidade!...
Quando penso em mim e tiro cá
de dentro as memorias da minha
vida, todas ellas são bonecas e bo-
necos ... Nenhuma paysagem fi-
cou, de tantas por onde passei. A
natureza propriamente dita não me
interessa...
Em certos dias, ao folhear e ler essas revistas, nelas encontro o espírito e o encanto de um tempo que, perdido embora, continua vivo nas suas páginas.
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Fotos das capas das revistas: J. Finatto. A de Alvaro Moreyra foi feita a partir de fotografia do escritor publicada na Para Todos de 19 de março de 1927.