domingo, 3 de junho de 2012

Textos rasgados

Jorge Adelar Finatto

photo: j.finatto

A última palavra é sempre do autor. Mas a opinião de alguém em quem confiamos, com "bom olho", ajuda muito na revisão e seleção de textos.

Um dia desses fiz uma incursão por papéis escritos há muito tempo. Estavam dentro de envelopes num canto do armário. Sem remorso, rasguei quase todos. Não havia ali muito a salvar.

Não significa que aquelas páginas foram inúteis. Ao contrário, considero indispensáveis como exercício da expressão escrita. Com seus defeitos, abriram caminho para outras tentativas e acertos.

Não tenho o dom do texto instantâneo. Preciso de um tempo para reler e reescrever. As palavras necessitam respirar para se acomodar entre si. Como abóboras na carroça.

Por isso, gosto de deixar um pouco na gaveta para criar certo distanciamento.

Escolher entre o que fica e o que deve ser rasgado não é fácil. Começa que o criador está envolvido emocionalmente com a sua criatura e é cruel descartar um filho (pais sempre acham os filhos bonitos).

Neste processo, o rigor excessivo é tão prejudicial quanto a autocomplacência. A arte está em encontrar o equilíbrio.

A busca da perfeição (que não existe) pode levar a enganos como a poda demasiada dos ramos dessa árvore, a autocrítica impiedosa. Essa atitude não deixa espaço para a criação.

É difícil e sinuoso o percurso da escrita, mas nisso está também a sua beleza.

A última palavra é sempre do autor. Mas a opinião de alguém em quem confiamos, com "bom olho", ajuda muito na revisão e seleção de textos.

Escritores importantes estão aí para provar que não existe um tempo certo para começar a escrever e publicar. Cada um tem seu tempo. Entre os grandes autores que surgiram para a literatura já na idade madura, encontramos José Saramago e Cora Coralina.

O que não se pode, em qualquer caso, é desanimar. Temos de acreditar que ainda vamos conseguir escrever aquilo que queremos da forma mais bela. E isso acontecerá talvez na próxima página ou na manhã seguinte.