Álvaro Alves de Faria • São Paulo - SP
Jorge Adelar Finatto publica pouco. Como costuma dizer, publicar, para ele, é uma exceção e não uma regra. "Um livro me custa anos de espera", observa, para deixar claro que talvez a publicação não seja tão importante, especialmente quando livros de poesia no Brasil se transformaram - há quem diga - numa praga. Claro que estamos falando do lixo que anda por aí assinado por gente rotulada de poeta. Não é o caso de Finatto, que acaba de lançar Memorial da vida breve, livro que lhe mereceu dez anos de trabaho. "Publicar qualquer coisa, publicar por publicar, fazer carreira de poeta, não é o meu caminho", diz ele.
Nos anos 80, Jorge Adelar Finatto fazia parte do Grupo Sanguinovo, de São Paulo, pelo qual publicou sua primeira obra - Viveiro. A seguir, em 83, o livro Claridade foi lançado pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Vieram outras obras poéticas, com destaque para O habitante da bruma, de 1998. Ingressou na Magistratura em 1991, como juiz de Direito. Confessa nunca estar seguro sobre o que escreve. Tudo é sempre um risco. Tem para si que a função da literatura é resgatar o sentido humano. O homem tem origem divina.
Ao ver em Coimbra as águas do Mondego, sente saudades do Guaíba, com seus últimos barcos que partem ao entardecer, deixando atrás o sonho dos homens: "o poema de António Nobre/ escrito na pedra/ à beira do rio/ me recorda Porto Alegre/ seus poetas esquecidos". Estas são as imagens dos versos de Finatto, que tem na poesia uma forma de salvar ainda a possibilidade da vida, diante da brutalização completa de quase tudo.
Nascido em Caxias do Sul (RS), em 1956, Finatto percorre esse campo árido da poesia com o cuidado que se tem com um ferimento. Talvez a poesia seja mesmo assim, pelo menos para os que ainda conseguem pensar. Esta poesia é feita, sobretudo, de generosidades. A vida é maravilha. O tempo de viver é o lugar da alegria e do milagre. As estrelas cadentes são nossas irmãs. E a Deus é preciso devolver a vida emprestada.
Assim segue o poeta, como um peregrino: "afundado/ em seco/ decifro papéis/ que nada me dizem/ a página em branco/ espera o verso/ que não escreverei". O poeta sente a poesia como uma espécie de religião, a transcendência, onde talvez esteja a alma de todas as coisas: "escrever o poema/ é sempre claridade/ na caverna/ mão estendida/ a quem/ não conheço/ teço a canção/ antes do grande/ silêncio".
Este é um poeta que anda à margem do Guaíba à procura da voz da Luz, sabendo que existem caminhos de dor entre ele e a delícia. Há dias em que não suporta o vento e suas histórias: "o relógio da parede/ na casa velha/ espera o menino/ que não voltará", diz ele num poema, ao observar que gostaria de ter sido outra pessoa. E na sua missão de caminhante, escreve que precisa escrever o poema para salvar o dia, um poema que tenha a força de expulsar o desejo de morrer.
Memorial da vida breve é um livro de poemas de um autor que acredita que um dia a poesia poderá salvar o mundo. Quem sabe poderá em tempo incerto trazer de volta a humanidade engolida pelo perverso. Seja como for, o poeta certamente terá razão: "O que resta é esperar/ o retorno da primavera/ o ramo da buganvília/ o regresso do pássaro/ com o humano canto/ em setembro".
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Memorial da vida breve, Jorge Adelar Finatto, Nova Prova, Porto Alegre, 2007, 80 págs. Ilustrações de Paulo Porcella.
Esta resenha, de autoria do poeta e jornalista Álvaro Alves de Faria, foi publicada no jornal literário Rascunho, de Curitiba, Paraná, em agosto de 2007, e encontra-se também na internet: rascunho.rpc.com.br
Imagem: capa do livro.