A abolição da escravidão no Brasil, em 1888, não foi acompanhada de políticas para incluir, minimamente, a comunidade afrodescente na vida social, econômica e educacional do país. As pessoas de origem africana saíram de quase 400 anos de escravatura e foram jogadas à própria sorte, à margem de tudo, sem nenhum amparo.
O Supremo Tribunal Federal declarou, na última quinta-feira, em decisão unânime, a constitucionalidade do sistema de cotas para o ingresso de pessoas negras e pardas nas universidades. A partir do julgamento, prevalece o entendimento de que, ao contrário de ferir o princípio constitucional da igualdade de todos perante a lei, tal sistema surge para reparar a imensa dívida que a nação tem com os negros, estes sim tratados desigualmente durante séculos até os dias de hoje. O que se busca, na verdade, é corrigir a brutal injustiça que pesa contra a comunidade negra.
Na Universidade de Brasília (que foi ré na ação julgada), vinte por cento das vagas destinam-se a pessoas que se autodeclaram negras ou pardas. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (ré em outra ação), trinta por cento das vagas são para negros e egressos de escolas públicas.
A política de cotas, de acordo com o pensamento dos juízes do STF, é um começo apenas e não um fim, e não deverá prolongar-se indefinidamente. Medidas como as adotadas pelas duas universidades servem para promover a igualdade, tratando-se de modo diferente um grupo humano tão discriminado e desfavorecido.
Na Universidade de Brasília (que foi ré na ação julgada), vinte por cento das vagas destinam-se a pessoas que se autodeclaram negras ou pardas. Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (ré em outra ação), trinta por cento das vagas são para negros e egressos de escolas públicas.
A política de cotas, de acordo com o pensamento dos juízes do STF, é um começo apenas e não um fim, e não deverá prolongar-se indefinidamente. Medidas como as adotadas pelas duas universidades servem para promover a igualdade, tratando-se de modo diferente um grupo humano tão discriminado e desfavorecido.
O holocausto da escravidão é dívida impagável. O que se pode fazer é trabalhar com as consequências, através de ações afirmativas como essas. O número de indivíduos negros no ensino superior, como todos sabem, está muito aquém do que seria razoável, considerando a importante presença desta comunidade na formação e na vida social do Brasil.
Um dos argumentos que mais tenho ouvido contra o sistema de cotas é o de que a melhor solução seria aperfeiçoar o ensino público e eliminar a pobreza, com o que já não só os negros mas toda a população sairia beneficiada. Para os que assim pensam, a eliminação do abismo que separa os afrodescentes dos demais virá logo ali, depois do Armagedom e do Juízo Final. Para essa gente, a discriminação racial contra o negro não existe. Séculos de escravidão, indizível sofrimento e humilhação não são nada e os descendentes podem esperar na fila mais um pouco, isto é, pelo restante dos tempos.
O julgamento é especialmente relevante para as universidades públicas federais, as mais procuradas seja pelo bom ensino que oferecem, seja em função da gratuidade. Como o estado não consegue garantir ensino público e gratuito para todos, penso que, além das cotas, está mais do que na hora de as universidades públicas brasileiras assegurarem a gratuidade somente aos que realmente dela necessitam, cobrando daqueles que têm condições. Enquanto em nosso país o ensino superior não for gratuito para todos, quem pode deve pagar.
Não é justo que a sociedade pague o estudo daqueles que não precisam disso, enquanto se prejudicam alunos carentes (de diversas origens étnicas) que, sem condições de um bom preparo para enfrentar o exame vestibular, se veem obrigados a parar de estudar ou a ingressar em faculdades particulares, contraindo dívidas e arcando com sacrifícios desumanos.
A decisão do STF começa a resgatar o Brasil diante de si mesmo através da única maneira de se fazer justiça: promovendo-a. É um pequeno passo, um início. Um bom começo, porque representa o reconhecimento do problema por parte do estado-juiz, ao mesmo tempo em que protege ações para resolvê-lo.