Jorge Finatto
O poeta enquanto pássaro imortal
Ron Padgett. O crédito será dado tão logo identificado o autor da imagem |
O poeta enquanto pássaro imortal
Um segundo atrás o meu coração deixou de bater
e eu pensei: "Seria uma péssima altura
para ter um ataque cardíaco e morrer,
a meio de um poema", então reconfortou-me
a ideia de que nunca soube de ninguém
que morresse a meio da escrita de um poema,
assim como os pássaros nunca morrem a meio do voo.
Acho.
Ron Padgett
Ron Padgett
O LIVRO mais interessante que encontrei nesse início de 2019, e que estou levando na bagagem para as leituras da Sociedade Histórica, Geográfica, Filosófica, Literária, Musical, Geológica, Astronômica, Antropológica e Antropofágica de Passo dos Ausentes, é Poemas Escolhidos, do norte-americano Ron Padgett. Não fosse por outras razões, esta só descoberta teria valido a viagem a Lisboa.
Enquanto pescava nas estantes da Livraria Bertrand, me chamou a atenção o volume solitário. Nunca tinha lido nada sobre o autor. Peguei o livro, li alguns versos aqui e ali. Fechei e saí para outra estante. Já estava com 26 livros na mala.
Mas aqueles versos ficaram batendo na minha cabeça. Voltei, abri de novo, li outros versos. Cheguei à conclusão de que não poderia voltar ao hotel sem aquele poeta. Paguei os 18,80 euros e fui folheá-lo no Café Praça Central, ali mesmo, no Shopping Amoreiras.
Padgett nasceu em Tulsa, Oklahoma, em 1942, e está bem vivo nos Estados Unidos. São de sua autoria alguns dos poemas do belo filme Paterson, de 2016, escrito e dirigido por Jim Jarmusch. A história trata, em resumo, da vida de um pacato motorista de ônibus que também escreve, e como escreve!, poemas. Uma vida comum apenas na aparência, cheia de busca de sentidos e beleza.
Padgett escreve sobre coisas do cotidiano, nada transcendentes (na aparência). Mas que, na mira de seu olhar sensível, adquirem uma outra dimensão.
Não é quimérico nem oráculo. Quando escreve é como se caminhasse ao lado do leitor pela rua, qualquer rua, numa cidade qualquer, Nova Yorque ou Selbach. Escrever assim é deixar-se tocar pelas mãos candentes da vida, é estar louco, mas sem abdicar da lucidez e dos sonhos.
Estou lendo aos poucos e com calma como deve ser lido um livro de poemas. A edição bilíngüe permite acompanhar o trabalho de tradução e aquilatar seu alcance (sem esquecer que traduzir poemas é uma das maiores aventuras a que alguém se pode lançar).
O poeta não dá muitas voltas, vai ao ponto. Ao mesmo tempo, especula o brilho das estrelas nos olhos de um pássaro. Não quer ser, e não é, um pastor ou um guia no deserto. Fala uma língua humana, é profundo, bem-humorado, irônico, mas nunca cruel, com a vida, consigo e com o leitor. Um grande achado.
Um autor que merece ser levado para casa.
_________
Poemas Escolhidos. Ron Padgett. Seleção, tradução e introdução por Rosalina Marshall. Editora Assírio & Alvim, Portugal, 2018.
Enquanto pescava nas estantes da Livraria Bertrand, me chamou a atenção o volume solitário. Nunca tinha lido nada sobre o autor. Peguei o livro, li alguns versos aqui e ali. Fechei e saí para outra estante. Já estava com 26 livros na mala.
Mas aqueles versos ficaram batendo na minha cabeça. Voltei, abri de novo, li outros versos. Cheguei à conclusão de que não poderia voltar ao hotel sem aquele poeta. Paguei os 18,80 euros e fui folheá-lo no Café Praça Central, ali mesmo, no Shopping Amoreiras.
Padgett nasceu em Tulsa, Oklahoma, em 1942, e está bem vivo nos Estados Unidos. São de sua autoria alguns dos poemas do belo filme Paterson, de 2016, escrito e dirigido por Jim Jarmusch. A história trata, em resumo, da vida de um pacato motorista de ônibus que também escreve, e como escreve!, poemas. Uma vida comum apenas na aparência, cheia de busca de sentidos e beleza.
Padgett escreve sobre coisas do cotidiano, nada transcendentes (na aparência). Mas que, na mira de seu olhar sensível, adquirem uma outra dimensão.
Não é quimérico nem oráculo. Quando escreve é como se caminhasse ao lado do leitor pela rua, qualquer rua, numa cidade qualquer, Nova Yorque ou Selbach. Escrever assim é deixar-se tocar pelas mãos candentes da vida, é estar louco, mas sem abdicar da lucidez e dos sonhos.
Estou lendo aos poucos e com calma como deve ser lido um livro de poemas. A edição bilíngüe permite acompanhar o trabalho de tradução e aquilatar seu alcance (sem esquecer que traduzir poemas é uma das maiores aventuras a que alguém se pode lançar).
O poeta não dá muitas voltas, vai ao ponto. Ao mesmo tempo, especula o brilho das estrelas nos olhos de um pássaro. Não quer ser, e não é, um pastor ou um guia no deserto. Fala uma língua humana, é profundo, bem-humorado, irônico, mas nunca cruel, com a vida, consigo e com o leitor. Um grande achado.
Um autor que merece ser levado para casa.
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Poemas Escolhidos. Ron Padgett. Seleção, tradução e introdução por Rosalina Marshall. Editora Assírio & Alvim, Portugal, 2018.