sexta-feira, 29 de julho de 2011

A solidão da palavra: partilha

Jorge Adelar Finatto

photo: j.finatto. Guaíba e seus barcos.


A solidão da palavra é partilha.

Escrever é particular e solitário como viver. É um modo de comunicação difícil, isolado, clandestino.

Não tenho hora para escrever, mas gosto da noite. Escrevo em qualquer lugar e não só no escritório. Posso escrever em avião, sala de espera, quarto de hotel, fila, ônibus, trem, banco de praça.

Também gosto de escrever nos cafés. É um estar sozinho acompanhado. Não importam as conversas, os ruídos do entorno. Escrevo à mão, em pequenos cadernos, em páginas de livros, folhas soltas, guardanapos.

Se fosse músico ou pintor, acho que não escreveria. A música e a pintura são linguagens universais. Não precisam tradução, intérpretes, obras de consulta, dicionários. Basta ouvir, olhar, sentir. É o ideal da arte. Não é o caso do texto, que se limita àqueles que sabem a língua.

Escrever, escrever de verdade, com compromisso e sentimento, é ofício duro. Salvo raras exceções, não é possível viver de literatura. É necessário ter outra profissão para sobreviver. O tempo para escrever e ler é pequeno.

Uma ocasião alguém me perguntou como encarava o fato de escrever há tanto tempo, ter alguns livros publicados, e permanecer um autor desconhecido. Eu disse que via com naturalidade.

Olhando para os que vieram antes, encontramos cerca de quatro mil anos de passado literário. O livro de Gênesis, por exemplo, foi concluído por Moisés em 1513, antes de Cristo. Se tomarmos apenas os escritores que surgiram a partir da Idade Média, encontraremos centenas e centenas de bons autores esperando leitura.

O tempo do leitor é raro.

O mundo dos livros também é regido por leis de mercado. Certos escritores têm presença constante nos meios de comunicação, nos catálogos das editoras e nas estantes de livrarias, por diversas razões, principalmente comerciais. A qualidade literária nem sempre é o critério mais observado nesse processo. Então, ser lido, mesmo por poucas pessoas, sendo escritor fora do mercado, é realmente uma coisa muito boa.

A solidão é nosso lugar no mundo. Cada um vive na sua ilha da maneira como pode. E palavras são barcos que abrem caminho entre as ilhas. 
 
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Texto publicado em 19 de maio, 2010. Após revisão, é agora republicado.