quarta-feira, 21 de março de 2018

O Tega

Jorge Finatto
 
photo: jfinatto


O Arroio Tega
era um som
um toque
um fio ligeiro
de água limpa
escorrendo mundo afora
no fundo das casas
da gente humilde

certo dia
emparedaram
o Tega

um pedaço
da minha

infância
afundou junto

agora flui

invisível
no subterrâneo

carrega na sombra
as tardes

que se foram
perdidos barcos

de papel
os sonhos do menino

em rumo cego
segue

o velho Tega
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Poema do livro Memorial da vida breve, Editora Nova Prova, Porto Alegre, 2007.

terça-feira, 6 de março de 2018

Hieronymus Bosch

Jorge Finatto

Do tríptico As Tentações de Santo Antão. photo: jfinatto


HIERONYMUS BOSCH (c. 1450- 1516) será sempre um mistério, um caso raríssimo da pintura universal. Um mundo fantástico habita sua obra, repleto de seres estranhos, repulsivos, em situações que tanto lembram o inferno religioso e medieval, a realidade de sua época, como o nosso mundo contemporâneo com seus horrores e barbaridades.

Um grito, uma denúncia, uma profunda revolta diante da maldade humana. O tríptico As tentações de Santo Antão (cerca de 1500) é uma preciosidade do gênio holandês que integra o acervo do Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa. Nessas fotos, alguns fragmentos da extraordinária pintura. Absolutamente original e atual.


Tríptico, fragmento. photo: jfinatto


 
Tríptico, fragmento. photo: jfinatto


Tríptico, fragmento. photo: jfinatto


Tríptico, fragmento. photo: jfinatto

Tríptico As Tentações de Santo Antão, Hieronymus Bosch, c. 1500
Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa, photo: jfinatto



quinta-feira, 1 de março de 2018

A carta

Jorge Finatto 
 
Villars-sur-Ollon, Suíça.  photo: jfinatto


JUAN NIEBLA deu-me um encargo na Suíça: entregar uma carta a seu amigo de infância Henrikus Erasmus dos Santos Passos na velha cidade de Berna, isto é, no antiquíssimo Casco Velho de Berna. Sim, ali onde num dos edifícios morou um certo Einstein, que naquele lugar desenvolveu a Teoria da Relatividade, entre outras idéias malucas.

Acho que nem Einstein era capaz de entender direito a geringonça do seu pensamento, digo eu nesta milenar ignorância que é a minha. Quem sabe um dia inda vou entender isso e muita coisa mais. Por enquanto são trevas, raro leitor. Mas conto que amanhecerá. Amanhã será.

Casa de Einstein, Berna. photo: jfinatto

Bem, enfim cumpri a missão. Encontrei um homem muito idoso numa casa de pedra clara por dentro e dura rocha amarelecida por fora. Falava um português misturado com alemão difícil de entender, a comprida barba branca em forma de estalactite. Não me deixou sair antes de jantar, jantar às 19h, com jarra de vinho branco produzido nas redondezas. Não sei se era vinho ou um sonho. Sabor, leveza, aroma. Meu Deus, o paraíso existe.

Despedimo-nos, eu levando nas mãos um pacote que me deu para entregar a Niebla. Não quis perguntar o que havia ali, curioso embora. Percebi que eram coisas muito caras a ambos. Antes de partir, entregou-me um texto escrito naquela tarde e pediu que publicasse no blog, o que vou fazer em breve. Parti, fui pela garoa misturada à neve, contornei a Torre do Relógio, muito pouca gente na rua. Mais tarde, no quarto de hotel, sonhei com Passo dos Ausentes. Com Juan Niebla cego e seu bandoneón na estação de trem abandonada.

Torre do Relógio, Berna. photo: jfinatto