sábado, 29 de dezembro de 2012

O texto de sábado

Jorge Adelar Finatto 

Pintura sobre fotografia de Balzac. Ano da foto: 1842.
Autor da foto: Louis-Auguste Bisson.
Fonte: Wikipédia.

 
4 horas da manhã e o texto de sábado ainda não chegou. As palavras fogem. Na ausência delas costumo ler, folhear um livro de pintura, ouvir música. Mas a essa hora não faço nem uma coisa nem outra. Espero a aurora.

4 horas, nenhuma palavra. Queria ter algo parecido com a volúpia de Honoré de Balzac (1799 - 1850), escrever com aquela exuberância, aquele vigor, aquele entusiasmo, aquela memória incrível e o fôlego sem fim.

Balzac escrevia pra pagar dívidas. Não fossem esses atrapalhos mundanos, não teria nos legado, talvez, A Comédia Humana (17 volumes). Os credores do escritor francês, sem o saber, deram ao mundo um gênio.

Claro, isso é uma redução talvez leviana, mas não é de todo despropositada. Balzac é um dos maiores autores que a humanidade conheceu,

No fim da adolescência, li as Ilusões Perdidas, sétimo volume da Comédia. Descobri um escritor absoluto, capaz de reconstruir e substituir a vida com palavras (na minha visão de então). Autor de uma obra que só o mistério do gênio pode explicar. Ao ler Balzac, nos perguntamos como um só homem foi capaz de escrever obra tão grandiosa, com tantos detalhes, realismo, imaginação e beleza.

Em algumas precisas linhas, a descrição do monumental escritor na palavra definitiva de Paulo Rónai: "Homem já feito, arrastando complexos de inferioridade e procurando compensar a consciência da inata vulgaridade por um esforço desesperado para atingir os cumes brilhantes da vida, a beleza, a nobreza, a fortuna. Velho antes do tempo, esgotado por milhares de noites de trabalho feroz, abatendo-se no limiar da felicidade almejada. Vemos-lhe os olhos em brasa, as faces rechonchudas, o papo do pescoço, os membros sem graça, a gesticulação exuberante, as vestes berrantes. Ouvimos-lhe a voz retumbante e a palavra fácil, a gargalhada grossa e a respiração ofegante."*

Visitando Père-Lachaise, o grande cemitério de Paris, hoje espécie de panteão a céu aberto onde estão os grandes de França, no qual se fazem visitas guiadas ou pessoais, como eu fiz, tirei essa foto do túmulo em precário estado do escritor. Esse cemitério foi um dos lugares de meditação de Balzac, que o considerava admirável para fazer "estudos de dor".

photo: j.finatto. Cemitério Père Lachaise, Paris.

Queria escrever um texto para postar no sábado. Menos, muito menos que um simples texto de Balzac, claro. Sempre penso no sábado como um dia especial, bom pra fazer coisas de que mais se gosta, entre as quais ler, um livro ou pelo menos uma página de blogue.

Apetece ler algo bom nesse dia diferente. Mas onde andará o texto que não vem para a página? Onde estão escondidas essas palavras que não afloram?

A essa hora faz muito silêncio, ainda mais que o tempo está nublado e úmido. Em breve os pássaros urbanos lançarão as primeiras notas do seu canto. Em Porto Alegre sinto falta das montanhas e dos pássaros de Passo dos Ausentes, do nevoeiro que cobre o Vale do Olhar e dos amigos que lá estão.  

Vou ver o sol nascer daqui a pouco na varanda do apartamento.  Enquanto isso mastigo umas fatias de pão torrado, tomando café.

Trato de recolher essas poucas palavras, antes que se dispersem no vento.

A luz amarela estica-se pouco a pouco sobre o Guaíba e o arvoredo, acordando os barcos e os ninhos. E os vivos para a vida.

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A Comédia Humana, volume I, Honoré de Balzac. Tradução de Vidal de Oliveira. Precedido de A vida de Balzac, de Paulo Rónai. Trecho extraído da pág. 12. Editora Globo, 2ª edição, revista, 1989, São Paulo.