Jorge Adelar Finatto
A última vez que o vi foi na Praça Dom Feliciano.
Era uma dessas manhãs mágicas de Porto Alegre. Céu azul claro, vento leve, a luz âmbar escorrendo entre as árvores. Devia ser maio.
Aquele lugar, no início do século XX, tinha o nome de Praça da Misericórdia. Estava na frente, do outro lado da rua, do grande edifício da Santa Casa, como ainda hoje. Dali se podia avistar o Guaíba e os barcos passando ao fundo. Era o local de encontro do Grupo dos Sete, formado por jovens poetas simbolistas, entre os quais figuravam Alvaro Moreyra e Felipe D´Oliveira.
Naquele dia, meu amigo poeta estava acompanhado de uma linda mulher. Parecia feliz, em paz com a vida. Saí do encontro contente ao perceber nele uma celebração nova diante da existência, uma maior paciência em relação à difícil realidade cultural, humana e política daquele final dos anos setenta.
Pouco antes de morrer, em 1981, aos 22 anos de idade*, Henrique do Valle me confiou alguns poemas. “Espero que aproveites estes textos”, escreveu no envelope. Eu não estava em casa. Lembro que chovia muito naquela tarde. Na época, eu organizava uma revista literária com poetas de vários cantos do Brasil. Quando encontrei o recado, lamentei o desencontro. Queria muito conversar com ele.
Eis um dos poemas daquele envelope encantado:
Te chamei porque queria que guardasses
meus peixes e flores
agora que vou viajar.
Conhecerei novas terras, outras pessoas
e isso me enche de tanta alegria
que nem sei como expressar.
Prometo que te trarei presentes
e que te contarei tim tim por tim tim
tudo que passei.
Mas até eu voltar, dá uma força,
cuida bem dos meus peixes e flores.