domingo, 13 de julho de 2014

O bálsamo alemão

Jorge Adelar Finatto

photo: jfinatto. Memória


Lá na velha casa da minha infância, todas as dores do mundo curavam-se com óleo de rícino e bálsamo alemão.
 
O óleo de rícino tinha um cheiro e um gosto insuportáveis, a gente se escondia para não tomá-lo. Mas a fuga era em vão. Os adultos eram implacáveis. Uma hora tínhamos de sair do esconderijo e ingerir o líquido nauseante.

Isso acontecia uma, duas vezes ao ano. Atribuía-se ao óleo poderes de limpar o aparelho digestivo. O resultado era imediato nos intestinos.

O bálsamo alemão tinha um cheiro forte característico que, pra mim, era agradável. Usava-se para tratar as vias respiratórias, mas acho que também era utilizado como protetor geral do organismo.

O avô alemão, com quem vivi até os 6 anos, recorria sempre a uma dose do bálsamo toda vez que um mal-estar se apossava de alguém da família. É um medicamento caseiro muito antigo que veio com os imigrantes da Alemanha para o Brasil.

Eram panacéias para os males do corpo. Um ou outro salvava o doente em sua penação.

O mundo era mais simples, as doenças também. Morria-se de velho, na minha visão de guri. Não havia enfermidades incuráveis, só mal-estares passageiros. Acreditava-se nisso e aí residia talvez o segredo de uma existência mais leve e feliz.

Havia também os chás, cujos aromas impregnavam a casa. Cidreira, cidró, macela, funcho, maçã, camomila, hortelã, limão, laranja e mil outros. A farmácia caseira era um arsenal invencível. A doença e a morte passavam longe dela, respeitavam seus cânones, sua tradição, seu poder.

Quando algum novo membro da família vinha ao mundo, era um grande acontecimento. Desde os primeiros momentos, beneficiava-se dessa medicina de fundo de quintal comum em todas as famílias.

Nascia-se, em geral, em casa mesmo, com jurisprudência de parteira. Eu também vim à luz pelas mãos de uma parteira, dona Noca. Nascer era simples assim.

A menina que me deu o primeiro beijo, essa forma particular de nascimento, disse que ia contar ao avô que nós íamos nos casar. Amar, viver, ser gente não eram coisas do outro mundo.

E, no fundo do pátio, passava o Arroio Tega cantando suas canções.