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segunda-feira, 4 de maio de 2020

Hermann Hesse em Montagnola

Jorge Finatto

photo: JFinatto. Museu Hermann Hesse, Montagnola, jan. 2020.

Descrevi e louvei muitas vezes tudo isso. Gastei centenas de folhas de bom papel de pintura, muitos tubos de tinta, para provar minha veneração pelas velhas casas e telhados de madeira, muros de jardim e bosque de castanheiros, montanhas próximas e distantes, com minhas aquarelas ou bico de pena. Plantei aqui muitas árvores e arbustos, um pequeno bambuzal na fímbria do bosque, e muitas flores. (Quarenta anos de Montagnola, Hermann Hesse

Em janeiro último viajei a Lugano, no cantão (estado) do Ticino, sul da Suíça (a Suíça italiana), com o objetivo principal de conhecer o lugar onde viveu e escreveu Hermann Hesse (1877-1962). O Museu Hermann Hesse, na pequena Montagnola, abriga o acervo deste que é, segundo dizem, o autor de língua alemã mais lido no mundo. Nascido em Calw, Alemanha, tornou-se cidadão suíço em 1924. Em 1946 recebeu o Prêmio Nobel de Literatura.

photo. J.Finatto. Museu Hermann Hesse, jan. 2020

Montagnola é um lugarejo pertencente ao município de Collina D´Oro, situado nas cercanias de Lugano. Chega-se lá de ônibus (que tomei junto à estação ferroviária de Lugano) após cerca de 15 minutos de íngreme subida, vislumbrando-se, do alto, o belo Lago Lugano e suas montanhas na fronteira com a Itália.

O museu funciona na Torre Camuzzi, ao lado da Casa Camuzzi onde o poeta e escritor viveu em um apartamento entre 1919 e 1931. Foi viver em Montagnola "em busca de refúgio", sendo na época um homem "na flor da idade".²

Depois, mudou-se para a Casa Rossa, perto dali, que lhe foi oferecida por um mecenas como morada permanente - vitalícia - até sua morte, em 1962. Ambas as propriedades onde ele viveu são privadas, não podendo ser visitadas.

photo do escritor. Museu Hermann Hesse, Montagnola.

A vista desde Montagnola é belíssima. O lago, as montanhas, as videiras, jardins, quintais e demais elementos enchem os olhos. Pacifista e naturalista, Hesse ficou também conhecido pelas longas caminhadas que costumava fazer. Diz-se que, às vezes, pelado.

Antes de chegar ao museu existe um café literário com livros dele, mas não só, e com publicações de suas pinturas. O cappuccino é ótimo, assim como os doces e sanduíches. A senhora que atende no local é muito querida.

pintura de H. Hesse

Conhecer Hesse pintor (aquarelista principalmente) foi pra mim uma grata descoberta. Não conhecia este seu lado. As pinturas são muito bonitas.

Entrando no museu encontram-se objetos que marcaram sua vida e obra, como uma velha máquina de escrever, edições originais de seus livros, móveis, fotografias, quadros, correspondências, chapéus, aquarelas, etc. Alguns instrumentos lembram que ele se dedicou ao cultivo de plantas, árvores, flores, hortaliças. Foi um jardineiro amoroso do ofício.

Existe, além disso, um pequeno cinema no porão que mostra um documentário sobre a vida do escritor em italiano, alemão, inglês e francês, com audioguides (em alemão e italiano). No museu se acha um amplo programa de leituras, palestras e concertos que ocorrem ao longo do ano.

máquina de escrever de H. Hesse. photo: JFinatto

A trilha "Nos rastros de Hermann Hesse" passa por locais em que o escritor gostava de estar e contemplar a paisagem de Collina d'Oro. O ponto de chegada da caminhada de cerca de meia hora é o túmulo de Hesse no cemitério de Montagnola-Gentilino.

O autor de O Jogo das Contas de Vidro diz muito à alma de pessoas sensíveis. Não li toda a sua obra, mas o que li foi suficiente pra saber que se trata de um grande escritor, alguém preocupado com a vida. Teve sua obra proibida na Alemanha nazista. Sua voz aproxima nosso coração das coisas simples e profundas, fugindo dos estereótipos, da mercantilização e da coisificação do ser humano. É um escritor que escolhe sempre o silêncio em meio à gritaria, a contemplação, o mergulho em viagens espirituais. Para isso contribuiu seu conhecimento de culturas como as da Índia e China.

photo: JFinatto. jan, 2020. Museu H. Hesse

Em tempos tão duros, ler Hermann Hesse, travar conhecimento com seu pensamento e com a beleza de seus escritos, é um antídoto contra a mediocridade, a grosseria, o autoritarismo, a estupidez e a falta de esperança.

Agradeço a Regina Bucher, diretora da Fondazione Hermann Hesse e do Museu, pela gentileza da atenciosa recepção.

objetos do escritor. photo: JFinatto, jan, 2020

Tanto quanto me lembro, sempre encarei a função do escritor sobretudo como memória, como não-esquecimento, como preservação do efêmero na palavra, como retorno do passado através de apelos e carinhosa descrição. (idem, ibidem) ³

________
1, 2, 3  Pequenas Alegrias. Hermann Hesse. págs. 5 e 305. Tradução: Lya Luft. Editora Record, Rio de Janeiro, 1977. 

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Bondes de Zurique

Jorge Finatto
 
photo: jfinatto
 

EU SEMPRE TIVE um encanto pelos bondes (elétricos em Portugal). Na minha infância e adolescência havia muitos em Porto Alegre, servindo diversos bairros. Eu viajava sempre neles. Era um transporte bem pensado, em baixa e média velocidades, acho que não alcançava 50 km/h. Tinha muito a ver com casas nas ruas, árvores e tempo para viver.
 
Depois acabaram com os bondes. Assim como acabaram com os trens no Brasil, algo inacreditável num país imenso. Resultado: hoje morrem milhares nas estradas superlotadas de automóveis e caminhões, em mau estado de conservação. O transporte de cargas é caro, encarecendo tudo. Decisões erradas como essa levaram o país a este estado lamentável.
 
Mas eu queria dizer que estou matando a saudade dos bondes em Zurique. E já matei um bocado da saudade dos trens em viagens internas pela Suíça e para a França. O trem francês não é tão bom. Os trens e bondes suíços são incomparáveis em limpeza, conforto, silêncio e pontualidade. Os serviços funcionam, não são complicados. E nos bondes não vi fiscais examinando se o sujeito comprou ou não a passagem. Nos trens a fiscalização é mais presente, mas não sufocante como em outros países.
 
Há uma consciência social muito forte. As pessoas sabem que devem cumprir a lei e o fazem porque acreditam nisso. Todo mundo ganha. Não é como no Brasil onde a lei é para os outros. E todos perdem. Um dia, espero, nos livraremos dessa praga.
 
A cor dos bondes é azul cobalto e branco. Como no céu. Uma delícia.

photo: jfinatto
 

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Deus é brasileiro, mas passa férias na Suíça

Jorge Finatto
 
 
Gryon, Suíça. photo: jfinatto
DIZEM, os muito otimistas, que Deus é brasileiro. Tenho sérias dúvidas a respeito. Mas se for, será esta proximidade com Ele que nos faz levantar todos os dias e ir atrás da sobrevivência e de um sonho, num ambiente de tanta corrupção, violência, injustiça e impunidade (embora, neste caso, haja sinais de que a coisa começa a mudar).
 
Todo mundo precisa de um sonho. E de um descanso do inferno que é a vida real. Fico pensando que o Criador deve, às vezes, cansado de tanta dura realidade, deve vir passar umas férias aqui na Suíça, lugar onde colocou um bocado de seu engenho e arte. Onde temos a impressão de que o projeto humano poderá, enfim, dar certo um dia.
 
Lago Genebra ou Léman, Suíça. photo: jfinatto
 
Nós temos toda beleza do mundo na Terra de Vera Cruz, todos os tipos humanos e recursos naturais, mas não temos consciência social, e por isso não temos paz, e a esperança ultimamente anda escondida. Mas não está morta.
 
Que nosso Conterrâneo nos ajude a vencer as dificuldades. E, para ajudá-lo, façamos nossa parte olhando nossos irmãos.
 

sábado, 20 de janeiro de 2018

Jeito suíço

Jorge Finatto
 
amanhece sobre o Atlântico, 20/01/2018. photo: jfinatto
 

PASSAR DOZE HORAS no tubo de um avião é um negócio cada vez mais complicado para este pobre vivente. Chego exausto, tresnoitado, estropiado. Do aeroporto de Zurique a Berna, cerca de uma hora de trem. A neve caindo, lindo.
 
Os suíços são gentis, da paz, geralmente tratam bem o estrangeiro. Nas vezes em que vim aqui foi isso que vi. Nenhum ranço xenófobo, nenhuma hostilidade. O país tem oito milhões de habitantes e dois destes milhões são pessoas de outras nações. Muitas culturas.
 
Adquirir a nacionalidade suíça, por outro lado, é muito difícil. O falecido e imortal Jorge Luis Borges, glória da literatura mundial, que o diga: tentou e teve o pedido negado. Ironicamente morreu nesta terra e está enterrado em Genebra. Como se diz, nem tudo é perfeito.
 
Boa educação, escolaridade, acesso aos bens da vida para todos. Participação direta dos cidadãos em todas as decisões, desde as que regulam a vida do quarteirão até as que afetam a federação. Tudo se discute e decide democraticamente.
 
Neutralidade em guerras, civilidade, alta renda per capita, uma das melhores qualidades de vida do planeta, tecnologia de ponta em vários setores, um patrimônio natural e paisagístico de tirar o fôlego.
 
Teríamos muito a aprender com os suíços em comportamento, valores e práticas. Imaginem o Brasil com padrão suíço adaptado ao nosso meio, com a nossa riqueza e diversidade humanas. Quem sabe um dia.
 

domingo, 13 de novembro de 2016

O hotelzinho de Rilke e Goethe

Jorge Finatto

Castelo de Muzot. photo: jfinatto
 
Olhai, as árvores são; as casas que habitamos, resistem. Somente nós passamos (...) 
 fragmento da Segunda Elegia. Rainer Maria Rilke ¹


NA CIDADEZINHA DE SIERRE, sul da Suíça, no Cantão  do Valais, hospedei-me num pequeno hotel 3 estrelas. Perto da estação de trem, tem comida caseira regional e bom vinho. O imóvel é do século XVIII e, segundo seus registros, recebeu no passado, como hóspedes, Goethe (1749 - 1832) e Rilke (1875 - 1926), dois grandes da literatura de língua alemã.
 
O Hôtel de la Poste passou por reformas ao longo do tempo, claro. É simples, caprichoso e as pessoas são acolhedoras. Ocupei um quarto no segundo andar, imaginando se Rilke ou Goethe teriam ficado nele alguma vez. Será que escreveram na mesinha junto da janela, atrás da cortina cor-de-rosa?

Enquanto me acomodava, a neve tecia caminhos de úmido algodão lá fora.

Hôtel de la Poste.Sierre.  photo: jfinatto
 
vista do quarto. Sierre. photo: jfinatto

A razão de minha visita à pícola cidade, cercada pelo maciço rochoso coberto de neve dos Alpes, era percorrer os passos de Rilke em seus últimos cinco anos de vida. Na região de Sierre terminou de escrever as Elegias de Duíno, iniciadas na Itália em 1912. E verteu para o francês parte de seus poemas, além de outras criações e de cultivar a extensa correspondência.
 
Rilke em Muzot. photo: Fundação Rilke²

Entre 1921 e 1926, viveu no castelo de Muzot, emprestado por alguém da aristocracia local. O imóvel situa-se mais exatamente na pequena e calma localidade de Veyras, ao lado de Sierre. Nele escreveu e recebeu muitas cartas, fez poemas, traduziu, conviveu, amou, planejou viagens, foi feliz e chorou  em silêncio sentado no banco sob a parreira do quintal.

Muzot pouco lembra um castelo, não é grande nem suntuoso. Trata-se na verdade de uma construção que lembra uma torre. Não se pode entrar no local, pois é propriedade particular. Não sei se possui objetos do poeta, não há informações a respeito. Mas o fantasma de Rilke deve perambular por seus espelhos.  
 
Em Muzot compôs o poema-epitáfio. E mandou construir seu túmulo ao lado da igrejinha que costumava freqüentar, em Rarogne, a cerca de 30 quilômetros de Sierre, engastada na encosta alpina, depois que se descobriu com leucemia, na época incurável.

Aquele lugar tinha para Rilke um sentido místico. Situado sobre uma colina, com ampla visão dos alpes a leste e oeste, a passagem do rio Ródano no meio dos vales, nos remete ao sagrado. Há algo nesta paisagem que não se explica. Uma visão mágica que inspira um forte sentimento de transcendência..

Igreja de Rarogne, ao lado da qual está enterrado Rilke. photo: jfinatto


túmulo de Rilke. Rarogne. photo: jfinatto
 
A cidade de Sierre, na qual cultivou relações, mostra interesse pela memória do poeta, a começar pela Fundação Rilke ali existente. Numa livraria, porém, os livreiros mal conheciam seu nome, o que me causou certo espanto. Talvez por ser um devoto da poesia rilkeana esperava mais. Encontrei poucos livros dele na estante, comprei seu poemas franceses.

Já escrevi no blog sobre como descobri seu túmulo solitário e coberto de neve e da emoção que senti ao ler o famoso epitáfio inscrito na rósea e gelada pedra tumular.³

epitáfio do poeta. photo: jfinatto

Rosa, ó pura contradição,
volúpia,
de ser o sono de ninguém
sob tantas
pálpebras. 4

Caminhei ao léu nas ruas solitárias e geladas de Sierre. Admirei da estrada o castelo de Muzot com seu quintal, a parreira e o banco.

Memórias de um poeta que me acompanha desde a adolescência, a quem sempre serei grato pelas lições de vida e poesia em seus livros. Cartas a um jovem poeta é um dos grande livros já produzidos pelo homem em todos os tempos. O poeta genial, humilde e cordial que nunca se cansou de desvelar os mistérios de nossa passagem pelo mundo.

_____________  

¹ Elegias de Duíno. Rainer Maria Rilke. Tradução e comentários de Dora Ferreira da Silva. Edição bilíngüe alemão-português. Editora Globo, São Paulo, 2001.

² Fundação Rilke:
  http://fondationrilke.ch/la-fondation/

³ O epitáfio de Rilke:
 http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2014/12/o-epitafio-de-rilke.html

4 Tradução de Manuel Bandeira, em sua Antologia Poética, Livraria José Olympio Editora, 7ª edição, Rio de Janeiro, 1974.
 

terça-feira, 15 de março de 2016

Jungfraujoch, Top of Europe

Jorge Finatto

Vista do vale em Jungfraujoch, Suíça. photo: jfinatto

Chegar à estação de trem mais alta da Europa, em Jungfraujoch, no cantão de Berna, Suíça central, requer paciência e fé. E uma alma aberta para encontrar esse tipo singular de beleza. Um pouco de jogo de cintura é importante para encarar a subida por estradas de ferro sinuosas e a pique, entre as altas e álgidas montanhas alpinas.

Um velho e bom capote é indispensável. Este item, aliás, não é problema para quem vem de Passo dos Ausentes, como eu, terra de grossos e impermeáveis casacões de lã, tecidos na mais que secular manufatura local. Os tradicionais agasalhos ausentinos são imprescindíveis para enfrentar os furiosos ventos austrais que nos assolam naquela boa terra, assim como as chuvas, as geadas, os nevoeiros e nevascas.

photo: www.swisstravelsystem.com/pt
 
Encasacado e a bordo do vetusto chapéu azul-marinho, saí do hotel e fui até a estação de trem da pacata Interlaken (pouco mais de 5 mil habitantes). São necessários 3 trens para chegar a Jungfraujoch.

Embarquei no primeiro que vai escarpas acima até Lauterbrunnen. Aí pega-se outro que nos leva a Kleine Scheidegg. Por fim, o terceiro comboio se dirige a Jungfraujoch, passo entre as montanhas de Jungfrau e Mönch, onde está a estação de trem do topo da Europa.

Visão a partir de Jungfraujoch. photo: jfinatto

Para subir os 3.454 metros de altitude, é necessário trem de cremalheira, isto é, com roda dentada central para engrenar no trilho dentado no meio dos trilhos, única maneira de vencer a íngreme subida. Do contrário, a composição voltaria para trás ou simplesmente não iria adiante.

Observatório de Sphinx em Jungfraujoch. photo: jfinatto

No meio do caminho, há paradas em locais de ampla visão para fazer fotos. Lá enfim chegando, me aventurei a sair da estação e enfrentar a neve e o gelo escorregadio naquelas alturas. Fazia um frio de 26ºC negativos e ventava. Fiz algumas fotos, em poucos minutos, e retornei para tomar um chocolate quente.

Esperei, retomei o fôlego e saí novamente. Fiquei mais alguns momentos catando imagens, olhando as montanhas a perder de vista, nos quatro cantos, cobertas de níveo chantili. Só não é mais bonito do que os paredões dos Campos de Cima do Esquecimento.

As mãos e o rosto congelados, voltei à estação de onde não mais saí, enovelado dentro do capote ausentino, esperando o trem de retorno. Uma linda moça oriental perguntou se eu queria que ela fizesse uma foto minha diante da janela (onde eu estava sentado) que dá para o vale gelado. Concordei, claro. Por um desses mistérios que nunca entendi, não apareço em fotos nem em retratos (sou invisível talvez). Mas isso também não importa. Importa é a vista do lugar desenhada em finos e inspirados traços por Deus.

Subida a Jungfrau. photo: jfinatto
 

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Coruja: esperança de reencontro

Jorge Adelar Finatto
 
fachada de casa, Tomar. foto-celular, jfinatto
 
O destino colocou a pedra no caminho: precisei perder a Coruja - ex-máquina, quase um ser humano - pra ver o quanto dói uma saudade. Recusei-me a comprar outra durante a viagem, embora recebesse orientação dos filhos, no Brasil, para que assim fizesse.
 
O fato é que decidi fotografar com o celular, coisa que nunca havia feito. Estou aprendendo. Não é a mesma coisa. É difícil se adaptar à nova maneira. Mas estamos na luta. Há gente que faz tudo com o celular. Não é o meu caso.
 
As fotografias são muito diferentes. O meu celular é bastante simples, já fez mais de quatro aniversários, não se pode comparar com o que existe por aí. Mas o despertador funciona e uma vez por semana recebo uma chamada, em geral do telemarketing...
 
Acho que melhorei um pouco, comparando com as primeiras fotos. Na véspera de retornar à Suíça, talvez reencontre lá a Coruja. Recebi um e-mail dos Caminhos de Ferro dando conta de que a encontraram (contei aqui como a perdi no trem, em Berna). 
 
Será mesmo? Haverá precisão suíça na informação? Terei de volta a velha amiga? Andaremos outra vez juntos, catando coisas no ar, em caminhadas pelos Campos de Cima do Esquecimento? Saberei em breve.
 

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Caminhos brancos

Jorge Finatto

photo: jfinatto
 
As paisagens da Suíça chegam a doer nos olhos de tão belas. Este é o país dos rios e lagos abundantes, das fontes de água potável nas cidades. O país das montanhas verticais tocando o céu, da neve espalhada no inverno, das casas em estilo relógio cuco. Da cortesia, da familiaridade. Onde as coisas públicas são feitas para funcionar para todos, e bem.

A Suíça dos trens, sim, dos trens coloridos que parecem de brinquedo, circulando em toda parte, ondulando nos alpes e vales, cruzando pontes, encostando nas nuvens. Um país simples de se percorrer, pois tudo é bem explicado, pontual e, se o cristão se atrapalha, há sempre alguém por perto para tirar a dúvida, com educação e quase sempre com simpatia.

Passei o dia fazendo um passeio à montanha de Jungfrau, onde se situa a estação de trem mais alta da Europa, Top of Europe, em Jungfraujoch (passo entre as montanhas de Mönch e Jungfrau). A elevação alpina tem mais de 4 mil metros de altura. A estação está a 3.454 metros.
 
Chega-se lá depois de pegar três trens a partir da cidade de Interlaken onde estou. Como os suíços conseguiram construir estradas de ferro na borda de abismos desta magnitude é algo que espanta. Uma maravilha tecida por mãos e mentes obstinadas. Um prova de que o querer é a arma mais poderesa que um indivíduo e uma sociedade têm a seu dispor. E um monumento ao espírito humano.
 
Existe, nestas alturas solitárias, na imponência destas montanhas tapadas de chantili, uma ideia de que homem e natureza devem conviver e respeitar-se. E que ambos perdem o sentido quando rompem o pacto.
 

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Viagem a Jungfrau (e a uma cidade secreta)

Jorge Finatto
 
montanha e vale de Jungfrau, Suíça*
 
Como em toda véspera de viagem, há uma ansiedade diante do desconhecido, embora a mala esteja pronta e tudo ou quase tudo esteja planejado. A sequência dos movimentos, como em uma sinfonia, ou num bom samba, está descrita nas páginas brancas do calepino. Mas há espaço para o inesperado e algum improviso.
 
Há algo que escapa ao controle numa viagem, felizmente. Na verdade, o controle é mais ilusório que real. E nisso muitas vezes residem as descobertas e alegrias do viajante. O avião levanta voo à noite. Depois de 11h35min pousa em Zurique. Zurique do Cabaret Voltaire onde nasceu o Dadaísmo há 100 anos, movimento artístico que hoje retorna.
 
Então fui ontem à livraria buscar leitura para as horas entre nuvens até a Suíça. Resolvi comprar outro livro de Oliver Sacks, tal a impressão que me causou seu Gratidão aqui comentado esses dias. Desta vez pesquei da estante O homem que confundiu sua mulher com um chapéu. Relatos de casos curiosíssimos envolvendo o cérebro humano. Nos ensaios o autor transcende o fato médico, dando-lhe feição literária. Acima de tudo, uma visão humana de pacientes e seus dramas. Para Sacks, o doente é sempre um ser humano e não uma coisa.
 
Levo também Como curar um fanático, de Amós Oz. E a indefectível Coruja (ex-máquina fotográfica, quase um ser humano).
 
No caminho uma parada na montanha de Jungfrau, perto da cidade de Interlaken, onde se situa a mais alta estação ferroviária da Europa Ocidental, a 3.571 metros de altitude.
 
E a visita a um amigo que vive numa cidadezinha alpina quase secreta, cuja população é de 156 almas! Ele me pergunta se eu viveria num lugar assim. Mas é claro. Nada de muito diferente para quem vive em Passo dos Ausentes.
 
Carrego na bagagem olhos de observador ávido e um coração disposto a sentir. Deus vai junto, claro.
 
___________ 
 
*site da photo:
 

sábado, 13 de dezembro de 2014

O epitáfio de Rilke

Jorge Adelar Finatto
 
túmulo de Rilke. Rarogne, Suíça. photo: jfinatto
 
Concluí ontem os Estudos Rilkeanos, em Sierre e arredores, na Suíça, cátedra que eu mesmo criei e da qual sou, até o momento, e provavelmente serei no futuro, o único aluno.

Pela tarde, com a neve cobrindo os tênis, depois de descer do trem vindo de Sierre, andava eu no pequeno cemitério da cidadezinha de Rarogne, na frente da igreja, atrás do túmulo e do famoso epitáfio do poeta. Rilke (1875-1926) foi sepultado em 02 de janeiro de 1927 ao lado da igreja e não entre os outros túmulos, por sua própria escolha (morreu em 29 de dezembro de 1926 numa clínica em Valmont, cercanias de Montreux).
 
Velha igreja de Rarogne, Suíça, ao lado da qual Rilke está enterrado
photos: j.finatto, 27.01.2014

O poeta tomou todas as providências relacionadas com sua morte, para a qual se preparava fazia algum tempo, porque sofria de leucemia, doença, naquela época, fatal, ao contrário de hoje.

Ele gostava muito de estar na velha igreja silenciosa situada na encosta dos Alpes em Rarogne. Amava o ar e a luz daquele ambiente. Determinou que o túmulo ficaria ao lado da igreja, com uma deslumbrante mirada dos alpes e dos vales a seus pés.

Na frente da igreja está o cemiteriozinho. O lugar se localiza a cerca de 400, 500 metros acima dos telhados. Lá se chega por uma estrada íngreme, a pique, entre casas perdidas no tempo.
 
Túmulo de Rilke. photo: j.finatto
 
Por duas ou três vezes escorreguei e quase fui ao chão entre as sepulturas. Desnecessário dizer que não havia mais ninguém na rua naquela hora, salvo um ou outro vulto, tal o frio e a neve que doía na cara. Mas Deus é pai e protegeu esse pobre cristão do pior, que podia ser cair lá de cima.
 
A capela e o cemitério estão bem no alto e, ainda assim, não ficam nem perto da metade do caminho até o topo das montanhas que se erguem em ambos os lados do vale, na cordilheira que vai ao infinito. Os Alpes, mais ou menos como o Contraforte dos Capuchinhos em Passo dos Ausentes, não têm fim...
 
photo: j.finatto
 
Em Rarogne se fala o alemão e depois o francês. Eu não encontrava o túmulo, não havia jeito. Não tinha ninguém, aparentemente, na igreja e nem na casinha ao lado que pudesse dar uma informação. Li e não entendi o mapa fixado na parede. O cérebro naquela altura estava congelando com o resto do corpo. Até que surgiu uma criatura pela estrada montanha abaixo. Saí do cemitério e fui em sua direção.
 
photo: j.finatto
 
O bom homem se assustou ao constatar que eu saíra das catacumbas. Fiz sinal para que se acalmasse, eu ainda era um ser vivente. Conseguiu entender o que eu queria e, num francês com forte acento germânico, me indicou onde estava o túmulo, isolado, ao lado da igreja.
 
Enfim, está aí o registro, com o epitáfio-poema belíssimo e misterioso.
 
Epitáfio de Rilke. photo: j.finatto
 
Rosa, ó pura contradição,
volúpia,
de ser o sono de ninguém
sob tantas
pálpebras.*

Do muito que vi e aprendi nesses dias rilkeanos compartilharei oportunamente com os leitores.

____________

*Tradução de Manuel Bandeira, em sua Antologia Poética, Livraria José Olympio Editora, 7ª edição, Rio de Janeiro, 1974.
O poeta Rilke e o menino: um encontro:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2014/01/o-poeta-rilke-e-o-menino-um-encontro.html
Rilke na gelada e pacata Sierre:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2014/01/rilke-na-gelada-e-pacata-sierre.html
 
Texto publicado em 28 de janeiro, 2014. 

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Estudos Rilkeanos (o epitáfio de Rilke)

Jorge Adelar Finatto 
 
Velha igreja de Rarogne, Suíça, ao lado da qual Rilke está enterrado
photo: j.finatto, 27.01.2014
 
 
Concluí ontem os Estudos Rilkeanos, em Sierre e arredores, Suíça, cátedra que eu mesmo criei e da qual sou, até o momento, o único aluno. 

Pela tarde, com a neve cobrindo os tênis, andava eu no pequeno cemitério da cidadezinha da Rarogne (perto de Sierre), na frente da igreja, atrás do túmulo e do famoso epitáfio do poeta. Rilke foi sepultado em 02 de janeiro de 1927 ao lado da igreja e não entre os outros túmulos,  por sua própria escolha (morreu em 29 de dezembro de 1926 numa clínica em Valmont, cercanias de Montreux).
 
O poeta tomou todas as providências relacionadas com sua morte, para a qual se preparava porque sofria de leucemia, doença, naquela época, fatal, ao contrário de hoje. Ele gostava muito da velha igreja silenciosa situada na encosta dos Alpes em Rorogne, do ar e da luz daquele ambiente. Na frente está o cemiteriozinho. O lugar se localiza a cerca de 400, 500 metros acima dos telhados, lá se chega através de uma estrada íngreme, a pique, entre casas perdidas no tempo.
 
Túmulo de Rilke. photo: j.finatto
 
Por duas ou três vezes quase fui ao chão entre as sepulturas. Desnecessário dizer que não havia mais ninguém na rua naquela hora, salvo um ou outro vulto, tal o frio e a neve que doía na cara. Mas Deus é pai e protegeu esse pobre cristão do pior, que podia ser cair lá de cima.
 
A capela e o cemitério estão bem no alto e, ainda assim, não ficam nem perto da metade do caminho até o topo das montanhas que se erguem em ambos os lados do vale, na cordilheira que vai ao infinito. Os Alpes, mais ou menos como o Contraforte dos Capuchinhos em Passo dos Ausentes, não têm fim...
 
photo: j.finatto
 
Em Rarogne se fala o alemão e depois o francês. Eu não encontrava o túmulo, não havia jeito. Não tinha ninguém, aparentemente, na igreja e nem na casa ao lado que pudesse dar uma informação. Li e não entendi o mapa fixado na parede. O cérebro naquela altura estava congelando com o resto do corpo. Até que surgiu uma criatura pela estrada montanha abaixo. Saí do cemitério e fui em sua direção.
 
photo: j.finatto
 
O bom homem se assustou ao constatar que eu saíra das catacumbas. Fiz sinal para que se acalmasse, eu ainda era um vivente. Conseguiu entender o que eu queria e, num francês com forte acento germânico, me indicou onde estava o túmulo, isolado, ao lado da igreja.
 
Enfim, está aí o registro, com o epitáfio-poema belíssimo e misterioso.
 
Epitáfio de Rilke. photo: j.finatto
 
Rosa, ó pura contradição,
                           volúpia,
de ser o sono de ninguém
                       sob tantas
pálpebras.*
 
Do muito que vi e aprendi nesses dias rilkeanos compartilharei oportunamente com os leitores.

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*Tradução de Manuel Bandeira, em sua Antologia Poética, Livraria José Olympio Editora, 7ª edição, Rio de Janeiro, 1974.

O poeta Rilke e o menino: um encontro:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2014/01/o-poeta-rilke-e-o-menino-um-encontro.html
 
 

domingo, 26 de janeiro de 2014

Rilke na gelada e pacata Sierre

Jorge Adelar Finatto
 
Sierre, Suíça, 26.01.2014. photo: j.finatto

 
Há pouco andava pelas ruas calmas de Sierre numa temperatura de - 1ºC. Para este domingo - agora é pouco mais de meia-noite-, está previsto um frio que pode chegar a - 7. É o rigoroso inverno, gelado e branco, que me faz levar sobre o esqueleto a manta e o grosso capote que trouxe de Passo dos Ausentes. Só tiro as mãos do bolso na hora de fazer as fotografias com a velha e intrépida Coruja. 
 
De manhã, logo mais, a palestra em que será abordada a obra de Rilke, talvez um pouco da vida do grande poeta de língua alemã (nascido em Praga, atual República Checa), e sua atividade como tradutor de si mesmo para o francês. Evento da Fondation Rilke de Sierre.
 
No hotel onde estou hospedado, passaram o próprio Rilke e Goethe, entre outros. O vetusto prédio do Hôtel de La Poste está reformado, mas continua o mesmo na essência. Não duvido que, no silêncio da madrugada glacial, encontre pelos corredores com fantasmas de artistas, poetas e escritores que por aqui andaram no passado. Pode ser, tudo pode ser nessa vida.
 
Como meus óculos são no estilo fundo de garrafa, às vezes me pregam peças com reflexos nas lentes, que me remetem a figuras fantásticas, carnais ou evanescentes, reais ou imaginárias. Nunca sei. Se cruzar com alguma assombração por aí, não me darei conta. É bom assim, que cada um viva na sua dimensão, no seu recolhimento, sem fazer estardalhaço nem atrapalhar os outros.

Sierre, 26.01.2014. photo: j.finatto
 
Rilke viveu nessa região os últimos seis anos de sua vida em que muito produziu. Morreu com 51 anos em dezembro 1926. Habitou na ocasião o pequeno castelo de Muzot, nas cercanias de Sierre, alugado para ele e depois adquirido por um mecenas do escritor. Ainda hoje é propriedade privada, só se pode observar por fora.
 
O poeta cuidava de rosas no seu jardim pouco antes da morte causada por leucemia. O que o levou a vir morar em Sierre, em solitude e branco silêncio, entre majestosas montanhas e o vale povoado de videiras que produzem um vinho excelente? Acho que, como sempre fez, andava atrás de si mesmo e do ser profundo que vive em cada um e em todos (muitas vezes adormecido).
 
Talvez venham algumas respostas no encontro de amanhã.
 
Se pudesse recomendar um livro aos leitores do blog, indicaria que lessem, mais de uma vez,  Cartas a um jovem poeta, uma obra profunda que, a pretexto da tratar de literatura, cuida mesmo da formação e da alma do ser humano, de uma maneira simples e transcendente ao mesmo tempo.