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domingo, 12 de abril de 2015

A descoberta da flor

Jorge Adelar Finatto
 
photo: jfinatto, 11-4-2015
 
Caminhando pelo quintal, na tarde azul e suave do sábado de outono, eis que descobri, perto de um muro de pedra silencioso e abandonado, essa estranha flor. Nunca tinha visto nada parecido. Fiquei observando sua beleza. Terá caído de uma estrela? 
 
O mínimo que se pode dizer é que é diferente nos traços, criativa nas cores e na forma. Era para ser apenas uma singela caminhada no quintal. De repente, encontrei essa força da natureza. Quanto tempo ficará por aqui? - perguntou meu coração despetalado.
 
Então fui depressa ao escritório para apanhar a Coruja a fim de fotografar a insólita imagem. Isso foi lá pelas cinco e meia da tarde, quando o sol arrefece e os poetas românticos estalam os dedos álgidos e ansiosos, antes de ferir os primeiros versos enlouquecidos na página em branco.

Dizer que Deus estava inspirado quando a criou é pouco. Ele teve um sonho feliz.
 
Não sei o nome da bela flor que do nada brotou. Desconheço sua origem, sua família, seus caprichos, seu destino. Mas gostava que ela não saísse nunca mais do meu quintal, ficasse para sempre perto do muro de pedra em ruína, iluminando a sombra do ocaso e a minha vida.
 

quarta-feira, 19 de março de 2014

O país das quaresmeiras em flor

Jorge Adelar Finatto

photo: j.finatto, 15.3.2014
 
Só agora me dou conta, raro leitor, de que elas andam por aí, anunciando a Páscoa e o advento do outono. A nova estação chega cheia de significados
 
(fala de Ressurreição e de urgentes renascimentos)
 
As flores das quaresmeiras têm tudo a ver com sentir claro, respirar limpo, passar longe dos abismos.

É o que eu penso nesse instante vendo-as vibrar na claridade, apesar da densa sombra que se abate sobre o Brasil com sua triste face de corrupção e violência social

mas não é só aqui, dizem os intérpretes do caos, mas sendo aqui, digo eu, já me basta, é o suficiente para danar a minha/nossa vida.

Estamos perplexos, temerosos, impotentes, humilhados diante da realidade que nos assola.

(dizer que saímos da escuridão abissal da ditadura e acabamos nisso, nesse buraco sem fundo que suga nossa alegria, nosso trabalho, nossa paz, nosso sangue, nossos sonhos

ceifa vidas diariamente nas ruas do país sem lei, sem autoridade, sem saúde, sem educação, sem esperança (tudo, claro, garantido no papel),

trágicas ruas onde se afunda o famoso, nunca demais louvado, não obstante sempre negligenciado estado democrático de direito

- de que estado e de que direito estamos falando mesmo? -

ninguém sabe ao certo se existe de fato e o que é isto no aqui e agora, nem mesmo se depois de tanta indiferença, omissão, arrogância, malandrice, cinismo e incompetência haverá ainda um país para chorar)

photo: j.finatto, 15.3.2014
  
Mas olhando as quaresmeiras em flor, nesta hora e neste lugar, ao menos nesse efêmero instante, a morte não tem nem pode ter guarida.

As flores das quaresmeiras são o oposto da morte, negação do desespero e do abandono (longo abandono de séculos). 
 
(a delicadeza dos ramos, pétalas e cores remete a um mundo outro)
 
Um tempo de recolhimento e silenciosas caminhadas por estradas interiores nos habita na quaresma.

Olhar atento ao solitário vôo do pássaro sobre os fios de luz, tecendo destino e distância com a nossa esperança (por um fio).
 
Tempo de resistência

(como sempre)

de atravessar a ponte
 
(sobre o rio das mortes)
 
e chegar vivo do outro lado. 


photo: j.finatto, 15.3.2014