O acordo ortográfico da língua portuguesa, firmado pelos países lusófonos em 1990, está no papel, está assinado, só tem um problema: os interessados não sabem o que fazer com ele... A tentativa forçada de unificação da ortografia, depois de tanto tempo, ainda não é obrigatória.
A edição do Decreto 7.875, de 27/12/2012, postergou a obrigatoriedade das novas regras, no Brasil, para 1º de janeiro de 2016. Até lá, a norma ortográfica atual e a estabelecida no acordo coexistem legalmente.
O adiamento revela, no mínimo, desconfiança. E há razão para isso. Não tenho dúvida de que o acordo dificilmente se tornará obrigatório em Portugal. Por uma singela razão: não existe motivo relevante que justifique as alterações propostas.
Espero, no fundo, que o apego natural dos portugueses ao vernáculo rejeite mudanças sem sentido e que vêm apenas ao argumento de deixar tudo igual. Igual pra quê? Acaso o leitor do português deixará de entender o significado de algumas palavras só porque têm alguns cês a mais ou variação de acentuação? É claro que não.
Uma parte importante da intelectualidade portuguesa não quer saber do acordo, felizmente. As repercussões lá serão/seriam muito mais abrangentes do que no Brasil.
O acordo tem, a meu ver, vício de origem: pretende uniformizar, de cima para baixo, as normas ortográficas brasileira e portuguesa, desconsiderando a razão de ser das diferenças, como se isso fosse razoável. Não é.
Explicações culturais, sociológicas e históricas fazem com que a língua de Camões e Oswald de Andrade tenha particularidades no Brasil e em Portugal, sem que haja nisso desdouro. São diferenças que em nada comprometem o funcionamento e a clareza do idioma.
Podemos ler Fernando Pessoa, Saramago, Ruy Belo, Al Berto e Eugénio de Andrade no "original" português, sem qualquer dificuldade, do mesmo modo que os países da lusofonia lêem, sem problema, Drummond, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Mario Quintana e Heitor Saldanha no português do Brasil.
As peculiaridades ortográficas expressam riqueza, não empobrecimento. Empobrecer é reduzir a norma única, como quer o tal acordo.
No Brasil está muito bem o trema que indica que a pronúncia correta é lingüiça em vez de linguiça, freqüente em vez de frequente, e por aí vai. O acento agudo que nos faz dizer idéia e não idêia tem utilidade.
Qual o problema se, em Portugal, escrevem colectivo, direcção, acção, etc? Nenhum.
As diferenças respondem a realidades e modos de lidar com a língua que precisam ser respeitados.
Pretender unificar a grafia, neste caso, é como querer tornar igual o modo de ser das pessoas.
O passo seguinte dos sedizentes donos do idioma será talvez homogeneizar as pronúncias e proibir a existência de palavras próprias de cada país. Afinal, quem disse que o absurdo tem limite?
No Brasil, houve a certeza de que o acordo fosse valer em definitivo, já que o Decreto nº 6.583, de 29/9/2008, fixou a data de 1º de janeiro de 2009 para a entrada em vigor da nova ortografia.
Mas tinha um porém: estabeleceu, também, um período de transição para sua implementação, tendo como data limite 31 de dezembro de 2012 (agora 31/12/2015). Nesse enquanto-isso, valeriam, como estão valendo, ambas as normas ortográficas.
Penso que na idéia de transição tão longa (depois de mais de 20 anos da assinatura) está subjacente uma desconfiança em relação à validade e plausibilidade do que foi feito.
Se fosse necessário, se fosse histórica e culturalmente justificável, já estaria em pleno vigor o acordo no mundo lusófono. Os fatos demonstram o contrário.
Enfim, não chego ao ponto de dizer que deveríamos pegar em armas por causa da extinção do trema e outras alterações, como defendem alguns companheiros de luta...
Mas que a coisa ficou muito estranha, não há a menor dúvida.
De tudo fica a lição de que o idioma não pertence a um grupo de iluminados.
A língua é do povo. Querer tornar igual o que, por natureza, é diferente (e não traz qualquer prejuízo) é uma insensatez e uma grande vaidade.
Aqui no blogue, como se vê, continuamos a escrever da forma como temos feito nas últimas décadas, sem remorso e com esperança de que o bom senso, afinal, prevaleça.
Mas que a coisa ficou muito estranha, não há a menor dúvida.
De tudo fica a lição de que o idioma não pertence a um grupo de iluminados.
A língua é do povo. Querer tornar igual o que, por natureza, é diferente (e não traz qualquer prejuízo) é uma insensatez e uma grande vaidade.
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