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terça-feira, 3 de julho de 2018

La última tarde de Borges en Buenos Aires

Jorge Finatto 

Alberto Casares. photo: jornal Clarín, Buenos Aires*

 
NA TARDE de segunda-feira (19, janeiro, 2015) me dediquei a visitar livrarias, que é o que tenho feito em Buenos Aires. O que esta cidade é para mim? Cafés e livrarias. E caminhadas pelo bairro Puerto Madero, olhando os barcos e o movimento das pessoas ao longo do braço do Rio da Prata que entra pela cidade.
 
Antes de sair do hotel, telefonei para a librería de Don Alberto Casares. Fui atendido ao telefone pelo próprio. Queria saber até que horas estava aberta: até as 19h30min, ele respondeu. A bordo do chapéu de palha, lá me fui na tarde quente do janeiro bonaerense.

A livraria está situada no centro da cidade, na Calle Suipacha, 521. Há ali primeiras edições de livros raros. Há ambiente de livros e cheiro de livros. Não é um supermercado onde também se vende literatura. Mas há nesse lugar, sobretudo, a figura de Don Alberto.

photos: jfinatto, 19/1/2015

Apresentei-me ao livreiro dizendo que era um antigo leitor de Jorge Luis Borges (1899-1986), um borgista. Ao que ele respondeu: fazemos parte de uma comunidade espalhada pelo mundo. Senha e contrassenha ajustadas, começamos a falar do mestre, mas não só. Alberto admira, como eu, a saga das Missões Jesuítico-Guaranis. E lamentamos que Borges não tenha escrito sobre o assunto.

Em seguida falamos a respeito do tema deste texto. Alberto Casares organizou, sem o saber, aquela que foi a última tarde de Borges em Buenos Aires, passada no seu ambiente natural: uma pequena livraria na cidade amada. O escritor viveu ali sua despedida dos amigos e da Argentina.

Ao realizar uma exposição com as primeiras edições das obras do escritor, no mês de novembro de 1985, Don Alberto convidou-o para estar presente. Conversou com Borges ao telefone em diversas ocasiões. Borges escolheu o dia 27 de novembro para o evento. Explicou que viajaria no dia seguinte para a Itália, onde passaria o Natal, e depois iria para Genebra, uma de suas pátrias, como dizia. Alberto ponderou se não seria melhor outra data. Borges disse que não, 27 estava bem. Só o escritor sabia que naquele lugar e naquele dia faria sua despedida.

photo: jfinatto

Na dia marcado, Alberto telefonou-lhe pela manhã e Borges falou que não poderia ir à livraria, estava complicado por causa da viagem a realizar-se em menos de 24h. Alberto ficou desanimado, mas desejou-lhe uma ótima ida à Europa. Restou triste e abatido.

Naquela mesma manhã, falou com um amigo, na livraria, sobre o ocorrido (notando seu ar de desalento, o amigo queria saber o que havia). Disse-lhe o companheiro para telefonar outra vez a Borges. Foi o que fez mais tarde. Do outro lado, o escritor atendeu e perguntou-lhe:

- Casares, que esperas para vir me buscar?

Eram 14h. Correu até sua casa, na Calle Maipú, e o levou para a livraria. Borges conversou e autografou livros para os presentes (não era um grupo grande), entre os quais o amigo e também escritor Adolfo Bioy Casares, que não encontrava havia muito tempo. Foram cinco horas de convívio, um encontro simples e cálido, sem discursos. Ao despedir-se, no fim da tarde, Borges disse que estava partindo para a Europa no dia seguinte. Iria para Genebra onde morreria.

- Me voy a Ginebra a morir.

Borges com Bioy Casares. Atrás, Alberto (de barba). photo de Julio Giustozzi
 
As pessoas não entenderam a manifestação do escritor. Ninguém sabia que estava muito doente. A realidade é que partiu com María Kodama no dia 28 de novembro, nunca mais voltou à Argentina e, de fato, morreu cerca de sete meses depois, em 14 de junho de 1986, em Genebra, onde foi sepultado no Cemitério de Plainpalais.

Alberto Casares ama a literatura de Borges e os livros em geral. Dirige a importante Coleção Memória Argentina, publicada por Emecé Editores. Além de parente, foi amigo muito próximo de Adolfo Bioy Casares. Nas paredes de sua livraria, habitam fotos de Borges e outros escritores. Entre elas, alguém que nos é muito caro: Miguel de Unamuno.

O Don que dedico a Alberto Casares é resultado de um breve porém rico encontro. O reconhecimento a um homem que cultiva a humildade, o humanismo e a cultura.

photo: jfinatto
    __________

*Vídeo com entrevista de Alberto Casares para o jornalista Luis Sartori do jornal Clarín:http://www.clarin.com/sociedad/Admiro-Borges-abre-cabeza-corazon_0_905909590.html
 
Texto publicado em 21 de janeiro, 2015. Acho que vale a republicação. Com um abraço a Don Alberto.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Don Alberto Casares y la última tarde de Borges en Buenos Aires

Jorge Adelar Finatto 

Alberto Casares. photo: jornal Clarín, Buenos Aires*

Na tarde de segunda-feira me dediquei a visitar livrarias, que é o que tenho feito em Buenos Aires. O que esta cidade é para mim? Cafés e livrarias. E caminhadas pelo bairro Puerto Madero, olhando os barcos e o movimento das pessoas ao longo do braço do Rio da Prata que entra pela cidade.

Antes de sair do hotel, telefonei para a librería de Alberto Casares. Fui atendido ao telefone pelo próprio. Queria saber até que horas estava aberta: até as 19h30min, ele respondeu. A bordo do chapéu de palha, lá me fui na tarde quente do janeiro bonaerense.

A livraria está situada no centro da cidade, na Calle Suipacha, 521. Há ali primeiras edições de livros raros. Há ambiente de livros e cheiro de livros. Não é um supermercado onde também se vende literatura. Mas há nesse lugar, sobretudo, a figura de Don Alberto.

photos: jfinatto, 19/1/2015

Apresentei-me ao livreiro dizendo que era um antigo leitor de Jorge Luis Borges (1899-1986), um borgista. Ao que ele respondeu: fazemos parte de uma comunidade espalhada pelo mundo. Senha e contrassenha ajustadas, começamos a falar do mestre, mas não só. Alberto admira, como eu, a saga das Missões Jesuítico-Guaranis. E lamentamos que Borges não tenha escrito sobre o assunto.

Em seguida falamos a respeito do tema deste texto. Alberto Casares organizou, sem o saber, aquela que foi a última tarde de Borges em Buenos Aires, passada no seu ambiente natural: uma pequena livraria na cidade amada. O escritor viveu ali sua despedida dos amigos e da Argentina.

Ao realizar uma exposição com as primeiras edições das obras do escritor, no mês de novembro de 1985, convidou-o para estar presente. Conversou com Borges ao telefone em diversas ocasiões. Borges escolheu o dia 27 de novembro para o evento. Explicou que viajaria no dia seguinte para a Itália, onde passaria o Natal, e depois iria para Genebra, uma de suas pátrias, como dizia. Alberto ponderou se não seria melhor outra data. Borges disse que não, 27 estava bem. Só o escritor sabia que naquele lugar e naquele dia faria sua despedida.

photo: jfinatto

Na dia marcado, Alberto telefonou-lhe pela manhã e Borges falou que não poderia ir à livraria, estava complicado por causa da viagem a realizar-se em menos de 24h. Alberto ficou desanimado, mas desejou-lhe uma ótima ida à Europa. Restou triste e abatido.

Naquela mesma manhã, falou com um amigo, na livraria, sobre o ocorrido (notando seu ar de desalento, o amigo queria saber o que havia). Disse-lhe o companheiro para telefonar outra vez a Borges. Foi o que fez mais tarde. Do outro lado, o escritor atendeu e perguntou-lhe:

- Casares, que esperas para vir me buscar?

Eram 14h. Correu até sua casa, na Calle Maipú, e o levou para a livraria. Borges conversou e autografou livros para os presentes (não era um grupo grande), entre os quais o amigo e também escritor Adolfo Bioy Casares, que não encontrava havia muito tempo. Foram cinco horas de convívio, um encontro simples e cálido, sem discursos. Ao despedir-se, no fim da tarde, Borges disse que estava partindo para a Europa no dia seguinte. Iria para Genebra onde morreria.

- Me voy a Ginebra a morir.

Borges com Bioy Casares. Atrás, Alberto (de barba). photo de Julio Giustozzi

As pessoas não entenderam a manifestação do escritor. Ninguém sabia que estava muito doente. A realidade é que partiu com María Kodama no dia 28 de novembro, nunca mais voltou à Argentina e, de fato, morreu cerca de sete meses depois, em 14 de junho de 1986, em Genebra, onde foi sepultado no Cemitério de Plainpalais.

Alberto Casares ama a literatura de Borges e os livros em geral. Dirige a importante Coleção Memória Argentina, publicada por Emecé Editores. Além de parente, foi amigo muito próximo de Adolfo Bioy Casares. Nas paredes de sua livraria, habitam fotos de Borges e outros escritores. Entre elas, alguém que nos é muito caro: Miguel de Unamuno.

O Don que dedico a Alberto Casares é resultado de um breve porém rico encontro. O reconhecimento a um homem que cultiva a humildade, o humanismo e a cultura.

photo: jfinatto
    __________

*Vídeo com entrevista de Alberto Casares para o jornalista Luis Sartori do jornal Clarín:
http://www.clarin.com/sociedad/Admiro-Borges-abre-cabeza-corazon_0_905909590.html
 

domingo, 4 de janeiro de 2015

Os Conjurados

Jorge Adelar Finatto

Borges em photo de Diane Arbus
 

On his blindness
 
Ao fim dos anos me rodeia
uma insistente neblina de luz
que as coisas a uma coisa reduz
sem forma nem cor. Quase a uma idéia.
A vasta noite elemental e o dia
cheio de gente são essa neblina
de luz duvidosa e fiel que não declina
e que espreita no amanhecer. Eu queria
ver uma face alguma vez. Ignoro
a inexplorada enciclopédia, o prazer
de livros em minha mão, reconhecer
as altas aves e as luas de ouro.
Aos outros resta o universo;
à minha penumbra, o hábito do verso.
                                                       J.L. Borges¹
 
Um dos últimos grandes escritores a habitar o planeta, Jorge Luis Borges (1899-1986) nos deixou este belo livro antes de morrer na Suíça, em Genebra, aos 86 anos. Os Conjurados é uma espécie de testamento poético-existencial do grande autor argentino. Composto de breves textos, alguns em forma de poema e outros em prosa poética, foi a sua última obra, publicada em 1985.
 
Hoje, infelizmente, não temos muitos autores da dimensão de Borges. Resta, talvez, uma meia dúzia, se tanto, desse nível. O que se vê, em tempos de vaidade globalizada, são performers e pseudoescritores colocando balaios de livros nas livrarias do mundo inteiro todos os dias, buscando vorazmente as luzes dos meios de comunicação, a fama instantânea, o dinheiro. O recolhimento silencioso ao trabalho é exceção.

Está cada vez mais difícil encontrar um ser humano que não tenha publicado ao menos um livro na vida... E que obras lamentáveis colocam-se nas estantes e quantas florestas derrubam-se para editá-las... Aliás, eu não me excluo da malta, pois já andei publicando algumas coisas também...
 
Borges está sepultado no cemitério de Plainpalais, em Genebra. Segundo alguns, o enterro naquela cidade se deu por decisão unilateral de María Kodama, secretária do escritor durante muitos anos, que com ele se casou dois meses antes da morte. Para esses, Borges queria ser enterrado no histórico Cemitério da Recoleta em Buenos Aires.²

Mas eu não quero falar de intrigas envolvendo a senhora Kodama. Prefiro recordar aquele dia em que comprei, na estação rodoviária de Porto Alegre, esse pequeno livro de valor extraordinário. Foi numa banca de jornais e revistas que o encontrei, eu tinha acabado de chegar de uns dias no meio do mato, numa casinha à beira de um riacho, com cheiro de flor de laranjeira à volta.

Sei que perdi tantas coisas que não poderia contá-las e que essas perdições, agora, são o que é meu. (...) Não há outros paraísos a não ser os paraísos perdidos.
                                                                 J.L.Borges ³

Isso foi em janeiro de 1986. O livro veio junto com a edição  recém-lançada da revista Status, da Editora Três. Provavelmente seria a edição do mês de dezembro e vinha com o aviso: Não pode ser vendido separadamente. Trata-se de edição histórica, bilíngüe, publicada no mesmo ano em que a obra foi lançada na Espanha pela  editora Alianza Tres. A tradução, que parece muito boa, é do jornalista Pepe Escobar, que afirma na contracapa:

Em sua última coletânea de poemas, o último sábio sobre a Terra continua fiel a suas pátrias - Shakespeare, a névoa da cegueira, espadas, reflexos, labirintos, espelhos, Genebra. Mas o habitante principal desses versos tecidos na penumbra é sem dúvida a morte (...)

Borges é um acontecimento muito antigo na minha vida. Encontro nele a felicidade do escrever, e a melancolia também, e o desespero discreto da cegueira, e a sabedoria acumulada de outras épocas, de outras vidas talvez, vividas essencialmente através dos livros que leu e das histórias que resgatou do oblívio em conversas pelo mundo afora. Era um conversador interessado, gentil, não raro alegre.


Os Conjurados foi um dos nossos encontros, quem sabe o mais luminoso. Senti vontade de reler o mestre (que nunca se apresentou como tal) nesses dias em Porto Alegre e fui até a estante. O primeiro livro dele que pesquei foi justamente Os Conjurados.

A entrega de Borges nesses textos é total. Identificamos em cada um não apenas o escritor senhor de seu ofício, construindo magia com as palavras, mas um ser humano se revelando.

Os Conjurados é como uma despedida, um solo de violoncelo no fim da tarde, um adeus amoroso a todos os que ficam e, principalmente, a celebração da vida pela comunicação escrita. Retornar ao livro e reencontrar nele, tanto tempo depois, a maravilha é uma grata emoção. Recomendo de coração.

Não há poeta, por medíocre que seja, que não tenha escrito o melhor verso da literatura, mas também os mais infelizes. A beleza não é privilégio de uns quantos nomes ilustres. Seria muito raro que este livro, que abarca umas quarenta composições, não entesourasse uma só linha secreta, digna de acompanhar-te até o fim.  
                                                                   J.L.Borges 4
 ___________

¹Os Conjurados, Jorge Luis Borges, p.59. Tradução de Pepe Escobar. Editora Três,  São Paulo, 104 pp., 1985.
²Blog de Ariel Palacios:
³idem a 1, p. 63.
4idem a 1, p. 9.
Veja também: Borges e a névoa do tempo:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2013/03/jorge-luis-borges-e-nevoa-do-tempo.html