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quinta-feira, 21 de agosto de 2014

A poesia de Henrique do Valle vem à luz

Jorge Adelar Finatto
 
 
Henrique do Valle.
photo de Ana Maria Lopes de Almeida Bastos
O lançamento do livro contendo a obra reunida de Henrique do Valle (1958 - 1981), hoje, às 19h, pelo Instituto Estadual do Livro do Rio Grande do Sul, é o início do reconhecimento do legado literário do notável poeta, morto aos 22 anos.
 
Acredito que sobretudo os mais jovens vão reconhecer-se nos poemas do Henrique pela maneira com que trabalhava a linguagem, pelos temas tratados e pela visão de mundo do autor.
 
Pouco antes de morrer, o querido amigo deixou em minhas mãos um envelope contendo 30 poemas que fazem parte deste livro. Guardei os textos durante 32 anos. Conto essa história com detalhes num capítulo da obra.
 
Os leitores têm agora a oportunidade única de travar conhecimento com esse que foi um dos grandes poetas do século XX.
 
Este é o primeiro poema daquele envelope mágico. Seria uma despedida?
 

Te chamei porque queria que guardasses
meus peixes e flores
agora que vou viajar.

Conhecerei novas terras, outras pessoas
e isso me enche de tanta alegria
que nem sei como expressar.

Prometo que te trarei presentes
e que te contarei tim tim por tim tim
tudo que passei.

Mas até eu voltar, dá uma força,
cuida bem dos meus peixes e flores.
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sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Henrique do Valle: obra reunida*

Dia 21 de agosto, às 19 horas, na sede do Instituto Estadual do Livro (Rua André Puente, 318, bairro Independência, Porto Alegre), será lançado o livro Henrique do Valle: obra reunida (440 páginas, R$ 40,00), que traz textos publicados e inéditos do poeta Henrique do Valle (1958 - 1981), com organização, apresentação e notas de Paulo Seben.
 
SOBRE O AUTOR

Foto:
Ana Maria Lopes
de Almeida Bastos
Quem tem mais de cinquenta anos, frequentou o Bom Fim no final da década de 70, gosta de poesia e acompanhou os movimentos culturais daquele período, certamente já ouviu falar de Henrique do Valle, ou "Ike", como era conhecido. Quem tem menos de cinquenta, certamente vai se interessar pelo mais marginal e radical poeta da cena boêmia porto-alegrense dos Anos de Chumbo, morto aos 22 anos. Sua obra é agora resgatada pelo Instituto Estadual do Livro, juntamente com originais inéditos perdidos durante trinta anos.

Sobrinho do presidente deposto João Goulart, Henrique do Valle passou pela traumática experiência do exílio. Já por seu primeiro livro, A espessa verdade/La espesa verdad, publicado em Buenos Aires em 1973, aos 15 anos, foi considerado uma das grandes promessas da poesia no Rio Grande do Sul. Ike publicou ainda mais dois livros em vida: Vazio na carne (1975) e Anotações do tempo (1979); Do lado de fora é obra póstuma, publicada em 1981.

O poeta atormentado mergulhou fundo no álcool e nas drogas, todas elas, em especial o LSD e a maconha, que o levaram a várias internações e até à prisão, vivências transmutadas em poesia amarga, delirante - porém, paradoxalmente, capaz de alcançar uma consciência que superou o maniqueísmo daqueles tempos conflagrados.

Henrique do Valle conseguiu “expressar as aflições, os desesperos, as dúvidas de uma juventude sufragada num mar de acontecimentos convulsos que se debate entre o desejo de encontrar um rumo e a depressão de precoce desengano”, segundo Pedro Vergara. Nesse sentido, Ike era representante da chamada geração de “poetas marginais”, desencantada com o sistema e reprimida pela ditadura militar. Sua poesia está marcada pela denúncia social.
 
No entanto, Jorge Adelar Finatto, amigo do poeta, afirma: “a poesia de Ike é muito mais do que um depoimento de geração, relato de um tempo mau. A obra que deixou tem força interior e qualidade, vale por si, não é datada”.

A obra de Henrique do Valle vem agora a público acrescida de inéditos encontrados com amigos e familiares, numa edição conjunta IEL/Corag, com organização, apresentação e notas de Paulo Seben, professor de Literatura Brasileira na UFRGS.
 

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*Notícia publicada no site do Instituto Estadual do Livro do Rio Grande do Sul:

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Os esquecidos e os lembrados

Jorge Adelar Finatto

photo: j.finatto.Aparados da Serra, RS.
 


Integração
 
tem dias que me sinto
tão em tudo
que me parece que não vou morrer
construo-me a cada instante
no próprio ar que respiro
me pouso longe
tranqüilo
onde no olho do pássaro
o vôo já está completo
onde no pouso do pássaro
fica vibrando a distância
que a ave traz inserida
ao repentino do vôo
duma iminente partida
são as pequenas coisas
que fazem a nossa vida
eu vivo o que deslimito *
 
                            Heitor Saldanha
 
Nunca entendi bem os motivos que fazem de certos escritores ilustres desconhecidos. Embora tenham um bom trabalho literário, permanecem na sombra. Ao passo que outros, com pouco ou nenhum mérito, são convidados para almoçar todos os dias no Olimpo dos deuses das letras e  ocupam generosos espaços nos meios de comunicação.
 
O livro, na minha visão, é um objeto espiritual, antes de qualquer coisa. Quanta ingenuidade! Na visão dominante, livro é negócio como outro qualquer. Existe uma luta de facão, no mundo editorial, para impor autores no mercado. Tudo ou quase tudo passa pelo departamento comercial.

O que se vê é que não há mais divulgação desinteressada em jornais, revistas e meios eletrônicos. Tudo tem um preço. A começar pela colocação de livros nas livrarias, onde cada setor tem um valor, dependendo da localização. Provavelmente existem exceções, poucas.

Torna-se cada vez mais comum ver detentores de espaços escritos/falados/televisados, na imprensa, propagandearem, sem nenhum pudor, suas próprias produções, de forma insistente. Apropriam-se dos veículos de informação como se fossem algo pessoal e não social.

Claro que há escritores de qualidade que conseguem furar o bloqueio. Mas o sistema em vigor é altamente excludente e privilegia a homogeneidade autoral em vez da diversidade. Trocam-se os nomes dos escrevinhadores, mas o texto é sempre o mesmo.

A tal ponto a mesmice se instalou, que dificilmente veremos surgir, hoje ou no futuro próximo, no Brasil, um escritor com a sintaxe genial de João Guimarães Rosa. O ambiente é totalmente desfavorável à literatura enquanto invenção.
 
Criadores de talento, em todas as áreas, amargam na úmbria do anonimato. O fenômeno não começou agora. Mas atualmente está muito pior do que há 20 anos.

O tempo, às vezes, faz justiça e resgata alguém que ficou esquecido na álgida furna. Mas o tempo é um senhor muito velho, de longas barbas de nuvem, e tem lá seus muitos lapsos de memória.

O que restou de democrático, no fim das contas, é a internet, pelo menos enquanto não vier um marco civil criando uma internet ruim para pessoas comuns como nós e uma outra, rápida e poderosa, para os grandes meios de comunicação.

Na literatura, como na vida, uma atitude é essencial: persistência. Um escritor apenas razoável talvez não se torne um escritor brilhante. Mas, com trabalho e coragem para evoluir, poderá melhorar muito o resultado de sua escrita.

O que importa é não publicar qualquer coisa, e não desistir nunca. Além disso, temos a eternidade pela frente, porque ninguém se importa mesmo.

Não falo essas coisas por mim, que já fui inscrito no livro-tombo do esquecimento em vida, escritor interiorano, cronista de temas pastorais, correspondente do fim do mundo. Falo por autores de real importância que não têm voz. E pelos leitores que não os conhecerão.

Lembro alguns deles, aqui do Rio Grande do Sul, mas existem outros: Jorge Jobim, pai de Tom Jobim; Heitor Saldanha, Henrique do Valle e Paulo Corrêa Lopes, todos excelentes poetas, todos encobertos pela névoa da indiferença.

Se você leu ao menos um deles, parabéns. Se não, procure descobrir em algum livro-velheiro, pois não são editados há muitos e muitos anos (já falei sobre cada um deles no blog). O que escreveram é da melhor qualidade, mas nenhum escritor, crítico, professor ou jornalista se ocupa deles (com raríssimas exceções). Por quê? Eu me pergunto e não sei a resposta. Simplesmente não estão entre os eleitos. Habitam a caverna dos esquecidos.

Alimento meu coração de leitor e minhas estantes com o que vasculho nos sebos. E que as musas não nos abandonem nunca.

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*A Hora Evarista, Heitor Saldanha. Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, 1974. p. 18.
 
Escrever em língua portuguesa:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2013/05/escrever-na-lingua-portuguesa.html