Jorge Finatto
photo: jfinatto |
O ESCRITOR japonês Haruki Murakami diz, no texto de apresentação de seu livro Ouça a canção do vento & Pinball, 1973, que certa vez encontrou na rua um bolo de dinheiro. Caminhava com a mulher tarde da noite, ambos cabisbaixos, porque não tinham dinheiro para pagar um empréstimo bancário que vencia no dia seguinte.
Na época, anos 1970, haviam contraído dívidas para abrir um bar com piano em Tóquio. Ele era duro de grana e não queria arrumar um emprego tradicional. Amava o jazz. Resolveu unir o útil ao agradável. Músicos das redondezas faziam pequenos shows durante a semana, ganhando um cachê baixo. O escritor fazia sanduíches, preparava coquetéis, expulsava bêbados inconvenientes.
Sempre que tinha um tempo livre, pegava um livro pra ler. Adorava romances russos do século XIX. Tinha vinte e tal anos e trabalhava muito junto com a companheira. A coisa não era fácil.
Com o dinheiro achado, pagam o banco. Afirma que deveriam ter entregue o achado à polícia mas, diante da difícil situação, não podiam pensar em boas ações.
Em 1978 tem uma espécie de epifania e decide ser escritor. Assim que, todas as noites, depois de terminar o trabalho do bar, senta à mesa da cozinha e começa a escrever. Ali nascia o grande autor.
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Eu nunca achei dinheiro na rua. Cada centavinho que ganhei foi muito chorado. Mas coisas misteriosas e boas acontecem na vida de toda gente. Tudo, na verdade, é um mistério.
Basta lembrar que não temos a mais remota ideia de como viemos parar nesse mundo (por que fomos escolhidos?) e menos ainda para onde vamos depois que tudo acabar. Mistério.
Basta lembrar que não temos a mais remota ideia de como viemos parar nesse mundo (por que fomos escolhidos?) e menos ainda para onde vamos depois que tudo acabar. Mistério.
As flores, por exemplo. São obras de arte que se revelam graciosamente aos olhos do mundo todos os dias, e nada cobram por isso. Dão-se de boa vontade a quem quiser. São. Duram pouco, mas enquanto estão no mundo fazem o seu melhor, que é ser flor. Iluminam a vida.
Olhemos, respiremos, conversemos com as flores em tempos tão difíceis. E, como diz Murakami no título de seu belo livro, ouçamos a canção do vento.
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Ouça a canção do vento & Pinball, 1973. Haruki Murakami. Editora Alfaguara, Rio de Janeiro, 2016. Tradução de Rita Kohl. Trata-se de duas excelentes novelas que marcaram o início da carreira do escritor, pela primeira vez publicadas no Brasil.