quinta-feira, 31 de maio de 2012

Depois de tudo

Jorge Adelar Finatto

photo: j.finatto


Depois de tudo ele quer só um banho. Não o tagarela e desajeitado das enfermeiras. Anseia um banho demorado, com direito de ficar só, recolhido, senhor de seus domínios.

Durante o tempo em que esteve longe do mundo e do próprio corpo, viajando na nuvem de morfina, sonhava sentar debaixo de uma cachoeira e ali ficar um dia inteiro sentindo a água cair.

Havia muitas árvores nesse lugar, camélias brancas, pássaros, um ar carregado de fragrância de mato, bom de respirar. Havia também uma mesa larga e comprida, onde gente da família e amigos se reuniam para o café da tarde.

Até os desaparecidos se chegavam na mesa para conversar com ele. Até mesmo o pai, imemorial ausência, surgiu no sonho e o abraçou calidamente, como nunca antes fizera.

Reencontrou o córrego da infância, entre os pinheiros. Caminhou descalço sobre os seixos, olhou o movimento ligeiro e colorido dos peixes na água. Recordou o jeito da saíra entrar e sair do ninho. A suave luz de maio a tudo envolvia.

Agora está de novo em seus domínios, o hospital ficou pra trás. Embaixo do chuveiro, a água morna escorrendo na cabeça, no corpo, ninguém pra segurá-lo, virá-lo dum lado pra outro feito joão-bobo. Sob a água, sentindo os seixos nos pés, o vento leve na face, os peixes no córrego, conversas na mesa larga dos afetos, ele celebra a dádiva de estar vivo.

________________

Texto publicado em 1º de julho, 2010.