segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Um Fernando Pessoa

Jorge Adelar Finatto

Os que amam a obra de Fernando Pessoa - aqui no Brasil esse amor é imenso e antigo - poderão receber notícias, novidades editoriais, entrevistas e informações preciosas sobre o grande poeta português no site Um Fernando Pessoa, de Portugal. Trata-se de espaço qualificado e com grande variedade de assuntos.

Eu disse poeta português? Seria melhor dizer poeta do mundo inteiro. Pessoa é filho da língua portuguesa, mas seu coração e seu verso batem fundo no peito de todos os homens e mulheres. Nunca o conheceremos de todo, será sempre um mistério. Por isso pessoanos de todo o universo nos encantamos e emocionamos a cada nova descoberta do poeta infinito.

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Visite:
http://www.umfernandopessoa.com/

O homem e os moinhos de vento

Jorge Adelar Finatto



O homem anda pela rua na tarde de julho. Uma alameda acolhedora no bairro Moinhos de Vento. A temperatura por volta dos 9°. A luz fria do sol de inverno atravessa a copa das árvores, derrama-se na calçada. Nos cafés, os frequentadores conversam enrolados em casacos de lã e echarpes coloridos.

Ele escuta o súbito e belo canto de um pássaro. Quer ver a ave entre os ramos, mas não consegue.

O nosso personagem experimenta, enquanto caminha, um bem-estar físico e espiritual que gostaria que nunca mais acabasse.

Estou vivo, eis tudo, pensa ele.

Existe vida depois do câncer, disse-lhe o médico, quando conversaram sobre as possíveis saídas.

Ele luta para expulsar o medo que insiste em rondá-lo feito trilha sonora de filme de terror. Esse medo recorrente que vem para lembrá-lo que algo ruim pode acontecer nessa tarde perfeita, como um vaso de gerânios ou uma marquise desabar na sua cabeça em plena rua.

Convence a si mesmo que é possível aproveitar o breve encanto de um simples passeio, sem o temor de um desastre iminente.

- O senhor tem alguma dúvida, algo que queira esclarecer nesse momento, antes de iniciarmos o tratamento? - perguntou-lhe o oncologista no dia do diagnóstico.

- Sim, doutor, acho que sim… Será que eu posso tomar um cafezinho depois que sair daqui? - foi a única reação, soltando o nó da gravata, suando a frio, sem conseguir pensar direito, como se estivesse andando no fundo do mar entre os restos de um naufrágio.

Enquanto sorve o café na mesinha de mármore, sob o que resta das folhas de um plátano, percebe que a vida é um milagre, apesar de tudo. Existe magia suficiente no fato de estar vivo, nos detalhes das coisas, nas pessoas que, em geral, são amáveis. Nunca tinha pensado nisso. Seria uma pena interromper a viagem existencial.

O homem que se sentia eterno até três meses atrás agora agarra-se a cada migalha de esperança, a qualquer possibilidade de continuar vivo.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

O Caderno 2, nova obra de Saramago

Jorge Adelar Finatto

Está sendo lançado (ainda não tenho informação de data) o novo livro de José Saramago, O Caderno 2, com textos por ele publicados no blog O Caderno de Saramago, que mantém no site da Fundação José Saramago.
 
Tem prefácio de Umberto Eco e reúne os posts que o autor escreveu entre setembro de 2008 e novembro de 2009. Até onde sei,  Saramago é o único Prêmio Nobel de Literatura a manter um blog na internet. Embora já não publique com a mesma frequência de antes, o blog continua sendo referência importamte para quem gosta de literatura.
 
Sou freguês do Caderno desde que surgiu. É um desses raros lugares na internet onde podemos encontrar sensibilidade, inteligência e talento a serviço do humanismo. Vale muito a pena.

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O Caderno de Saramago 

http://caderno.josesaramago.org/.

Fundação José Saramago

http://www.josesaramago.org/

Dois meses

Jorge Adelar Finatto


Amanhã, 22 de fevereiro, o blog completa dois meses de vida. É muito pouco tempo. Mas o suficiente para perceber que há pessoas interessadas em partilhar a palavra e a emoção. Aos amigos que têm visitado esta página o nosso obrigado. Estamos abertos, dispostos a conversar. Queremos mais claridade.

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Foto: J.Finatto

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

O nome bonito dos barcos

Jorge Adelar Finatto


O Guaíba e os barcos habitam a alma do menino.
Tinha seis anos quando conheceu o rio.
Trazia no coração a saudade dos pinheiros,
o som do Arroio Tega, os abismos entre as montanhas.
Diante do menino, no dia que chegou a Porto Alegre,
o rio azul, imenso, com sede de mar.
Olhou para as águas e suas ilhas em silêncio.
Como estivesse só e perdido
fez um acordo com o rio:
nunca mais esqueceriam um do outro.
A escuridão daquele tempo os fez irmãos.
O longo e côncavo apito dos navios
era a música daqueles dias.
O cais recebia muitas embarcações.
Algumas grandes, com bandeiras de terras distantes.
O menino percebeu que os navios eram como as pessoas.
Sempre chegando e partindo.
Tentou aprender com eles a lição de ir embora sem se despedaçar.
Nunca conseguiu.
Um pedaço dele ficou em cada despedida.
Perdeu a conta dos estilhaços em que se partiu.
O menino saiu pelo mundo com um mapa rasgado nas mãos.
Tornou-se marinheiro de barco de papel.
Como um lírio plantado na escarpa, ficou só
exposto à chuva e ao vento.
Virou uma espécie de fantasma de si mesmo.
O coração do menino navega
no córrego perdido
entre os plátanos.
Se um barco flutua no ar
nos contrafortes da dor
se acaso um lírio
cai na correnteza
chamai pelo irmão rio
gritai o nome bonito dos barcos
para o menino reencontrar a aurora.

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Foto: J. Finatto. Velho barco no Guaíba com gaivota.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

As intermitências da primavera

Jorge Adelar Finatto

photo: j.finatto


O amor - ou esse sentimento que aproxima pessoas solitárias e desamparadas como ele - inaugurou datas no calendário, pintou de lilás, azul e rosa o coração, tocou doces músicas no som do carro e do apartamento. Tornou-o uma pessoa melhor para si e para os outros.

Um dia, talvez, ela, que gostava tanto de gatos, regressará da nuvem onde foi habitar. Virá buscá-lo, como sempre fazia, para irem ao cinema, ao café, à livraria, ao Parque Harmonia ver o pôr-do-sol na beira do Guaíba.

Ela foi o único ser humano que conseguiu resgatá-lo da ilha. Morreu há três anos de uma doença que não vale a pena lembrar, foi embora depois de sorrir e dizer a ele que não devia se preocupar, tudo ia dar certo. Perdeu-a pouco antes de irem viver juntos.

Teve relacionamentos, depois, que não duraram.

Sente-se um morto-vivo sem a mulher que o acolheu na solidão de náufrago. Não consegue fazer o tipo leve, desses à vontade no mundo. Gosta de pensar as coisas, procurar sentidos. Uma amiga disse-lhe que ele era muito certinho. A vida não era.

Um dia ele sonhou ser feliz para sempre. Mas a realidade disse que para sempre é tempo demais. 

A família dele, no passado, foi unida, mas agora vive dividida, os irmãos quase não convivem. A mãe, que em vida teceu com dedos de cristal os frágeis laços do afeto familiar, partiu antes do tempo. Ninguém a substituiu na difícil arte de evitar e, sobretudo, colar cacos. Os laços se partiram.

Ele voltou a viver na ilha depois da morte da companheira. Tornou-se um estrangeiro em sua própria cidade. Os amigos transformaram-se em meros conhecidos, foram se casando, criando filhos, separando, mudando de bairro, de cidade, de país. O seu mundo reduziu-se ao apartamento do bairro Bela Vista, ao trabalho, às idas ao mercado, às leituras, a uma eventual saída aos sábados.

O lugar onde vive - a remota ilha -  só não é uma tapera porque a velha empregada da família aparece duas vezes por semana, dá um ar de casa àquele deserto. Os únicos seres vivos ali, além dele, são as hortênsias que cultiva na sala, em dois vasos, um em cada lado da janela.

As hortênsias acendem as manhãs, iluminam a casa na escuridão.

A janela é seu ponto de referência no planeta.

Dali pode ver a praça e as pessoas, as árvores e a rua, o céu, os outros edifícios.

De qualquer parte do universo um observador atento pode tê-lo como objeto de estudos. Todos os dias, no fim da tarde, está ele na janela.

No fundo, nunca a perdoou por tê-lo abandonado na vida.

O medo de amar afeiçoou-se a ele como as heras num túmulo de cemitério do interior.

A solidão o faz acariciar um felino invisível, na frente da televisão, até adormecer.

Se fez tratamento sobre esse viver tão desolado? Sim. Mas continua o mesmo homem enclausurado, estranho no mundo, sem saber o que fazer com as mãos na presença dos outros.

O sexo de ocasião nunca foi pra ele. Tem receio das pequenas memórias, quando a dona delas vai embora. O que para muitos é diversão e esquecimento, pra ele pode ser vertigem.

A primavera chegou com um cesto florido de lembranças.

As inconstâncias do clima, dias chuvosos, frios, deixam as pessoas entocadas em casa.

A praça passa vazia. A vida vista da janela perde o colorido.

Se ao menos ele tivesse um gato de verdade. Mas não sabe o que faria diante do olhar do bicho ao ver o dono tão desamparado pela casa e pela vida.

Os gatos percebem essas coisas, ela disse.

- Um dia desses vou sair lá fora, sentir o sol no corpo, ver as pessoas de perto. Ainda saio da janela-, ele pensa.

Com o gato no colo, ele adormece no sofá e, às vezes, até sonha.

Uma outra mulher. Nem precisava ser o grande amor. Um terno sentimento, um querer bem. Uma pessoa pra dividir a conversa, a palavra, dormir abraçado, ver um filme, ler um livro em silêncio, lavar a louça, caminhar na praça.

Uma mulher que queira ficar a seu lado, no fim da tarde, tomando chimarrão.

As intermitências da primavera fazem o coração girar louco na ventania.

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Foto: Jorge Finatto

jfinatto@terra.com.br

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

As urgentes evasões

Jorge Adelar Finatto


A necessidade de evasão da realidade é tão antiga quanto a presença do ser humano na Terra. Ultimamente, diante de tantas tragédias, medos e angústias, quem não pensa em tirar umas férias da realidade e viajar para uma ilha de sol e paz longe da loucura?

Essas ilhas estão cada vez mais distantes.

O problema do cotidiano é que tem realidade demais, e muito poucas janelas para a harmonia.

Pretender mudar a vida é uma forma de evasão de um mundo que já não serve, em busca de outro, que não conhecemos muito bem, mas deve ser melhor e mais humano.

Muda-se a realidade mudando a própria vida.

A existência só é suportável na medida em que podemos transformá-la.

Essa página a ser escrita é o que pode nos salvar em meio à miséria humana em que vivemos.

Por que a necessidade de mudar? Porque há injustiça demais, atrocidades e violência demais, catástrofes demais, corrupção demais, sofrimento demais. As regras postas na velha maneira de fazer política e viver em sociedade não permitem a chegada de dias melhores.

Um sistema iníquo esmaga os sonhos de pessoas que querem viver honestamente.

A cena brasileira cansa, exaspera, tritura a paciência. Condutas de homens públicos envergonham e fazem corar as estátuas nas praças.

O resto do mundo não é muito diferente.

As coisas boas acontecem tão lentamente que é como se não acontecessem.

O noticiário é patético.

A esperança? É um dever para todos, principalmente para os mais jovens que não podem naufragar no desespero.

Precisamos urgentemente abrir a janela para o sol entrar.

Tem gente do bem lutando para construir dias mais claros, com menos crianças nas ruas, o coração mais aberto ao outro.

Resta acreditar na luta cotidiana, que começa com a gentileza no trato com os semelhantes, na recusa terminante a qualquer forma de violência como meio de resolução de conflitos, no respeito a todos os seres, no repúdio à indiferença diante do quadro que se apresenta.

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Foto: Jorge Finatto

jfinatto@terra.com.br