Jorge Finatto
segunda-feira, 20 de junho de 2022
McCartney, 80 anos
sexta-feira, 3 de junho de 2022
Bom dia, Mano Bisol
Jorge Finatto
Neste mês em que faz um ano da morte de José Paulo Bisol (26 de junho, 2021), reproduzo este texto que escrevi e publiquei aqui no blog em 7 de fevereiro de 2012.
pinturas: Maria Machiavelli |
Naquele mínimo universo, não havia liberalidades de espaço, de dinheiro (que se contava aos centavos para o ônibus e o prato feito do almoço) e muito menos de ternura.
Tudo minimalista.
Ele, as sibilas, as traças e os livros povoavam aquele território perdido, cercado de austeridade e solidão por todos os lados.
O calado morador não sabia e nem tinha disposição para cozinhar. Comer sozinho, todos os dias, deixa o cara meio bicho. O que saía (ao amanhecer e antes de dormir) era uma singela e morna taça de café com leite, pão e manteiga.
Solidão, farelo de pão. A festa das baratas.
Lá fora, na rua, a ditadura militar.
Havia naquelas frases um entusiasmo, uma ideia de que tudo na vida é possível. E, naquela altura, era mesmo.
(Palavras acendem um coração apagado.)
Com o bornal ao ombro e uma esperança difusa no peito, o sobrevivente saía então para enfrentar o mundo onde ganhava o pão como revisor de livros.
terça-feira, 31 de maio de 2022
Retrato do repórter quando jovem
Jorge Finatto
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Jorge Finatto. photo: arquivo jornal Folha da Tarde |
segunda-feira, 30 de maio de 2022
Prosódia, paródia, misericórdia
Jorge Finatto
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photo: jfinatto |
No interior onde vivi quando criança, muitas palavras eram ditas de maneira diferente da que consta nos dicionários. Bênção se dizia "benção". Bergamota, "vergamota". Borboleta, "barboleta". Assim, "ansim". Escuta, "escuita". Cinamomo, "cinamão". Entreter, "enterter". Noivos, "novios". Bom, "bão". Pior, "pelhor". Problema, "poblema". Vermelho, "vermeio", etc.
"Retorneado", significava refinado, finório. "Plasta", era pessoa lerda, inábil. "Mato perso", mato perdido. E por aí vai.
Havia uma prosódia peculiar, e expressões idem, de obscura origem. Para não falar do vocabulário de origem alemã, italiana, africana, árabe, inglesa, espanhola, tupi-guarani.
Quando se dizia benção, tinha de beijar a mão do adulto a quem se dirigia: pai, mãe, avós, tios, pessoas mais velhas que estavam de visita. E era bom ouvir: "Deus te abençoe, meu filho".
Não tenho dúvida que o mais importante não era a pronúncia, mas o sentimento que cada palavra guardava. Com tempo e estudo, aprendemos a falar e escrever corretamente, às vezes em mais de um idioma.
O problema é que, com o passar dos anos, acabamos ficando só com palavras, sem o calor dos sentimentos que elas nos transmitiam. Porque aqueles que as pronunciavam já não estão por perto.
O presente é uma paródia do que fomos. O tempo não tem misericórdia do que seremos.
segunda-feira, 23 de maio de 2022
O fusquinha azul de Mujica
Jorge Finatto
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grafite de Montevideo. photo: jfinatto |
Os grafites das ruas de Montevideo sempre nos dizem alguma coisa interessante. É uma cidade onde as pessoas trabalham, pensam e sonham enquanto tomam mate nas casas, calles, praças e calçadas da beira do Rio da Prata.
É uma cidade que gosta de livros, música, pintura, cinema, parques, teatro, etc. E de gente, deveras. Pouca ostentação de riquezas particulares, pouca gente vivendo na miséria. Em suma, um lugar onde sobriedade e bom senso parecem andar juntos. Haverá gente má por lá? Possivelmente. Mas em modesta proporção. Não se criam por muito tempo. Ao contrário de países cercanos, o Uruguai aprende com seus erros e avança.
Li que um sheik árabe ofereceu, anos atrás, um milhão de dólares para comprar o velho fusquinha azul de José "Pepe" Mujica, que ganhou o veículo de um grupo de amigos que fez uma vaquinha para adquiri-lo. O ex-presidente uruguaio, entre 2010 e 2015, disse que não, obrigado, estava bem assim, vivendo modestamente na sua chácara, a 20 km de Montevideo. Nela compartilha a vida simples com gente simples como ele. Ali ele construiu uma escola agrária para os jovens do lugar e cultiva com suas mãos flores e hortaliças aos 87 anos.
Me gusta o Uruguai. Tão diferente do Brasil. Quando estou lá tenho a impressão de que é mesmo verdade que a Terra gira em torno de si e do Sol. Mas o faz de um jeito sereno e civilizado, de tal modo que não caímos uns sobre os outros nem os edifícios desabam sobre nossas tontas cabeças. Também sou levado a acreditar que a Terra não termina num abismo mas vai se arredondando numa curvatura lenta que faz com que no Japão seja dia enquanto em Montevideo é de noite e vice-versa.
Gosto muito das ruas montevideanas. Onde andou e viveu o Conde de Lautréamont (Isidore Ducasse), antes de ir para a França. E penso que só mesmo tendo nascido naquela cidade poderia conceber os Os Cantos de Maldoror, essa obra genial.
Acho muito bonito as crianças irem para as aulas, nas escolas públicas, com seus guarda-pós brancos e laços azuis. Pode-se andar à noite sem medo e pessoas velhas costumam sair para jantar fora, a pé, sem ser molestadas.
De fato, o Uruguai é um país muito estranho para quem vive na "normalidade" brasileira. Deve ser efeito do mate.
domingo, 22 de maio de 2022
Dia de outono
segunda-feira, 2 de maio de 2022
À la recherche de la madeleine perdue
Jorge Finatto
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photo: Lucas |
Às vezes sou obrigado a permanecer alguns dias em Porto alegre. Descer a Serra para a cidade grande foi desde sempre uma imposição cruel. E tudo começou com a morte súbita da avó que me criou até os 6 anos. Com o desaparecimento dela a casa onde vivíamos - velha casa de madeira - desmoronou. Tive de ir morar em Porto Alegre. A vida mudou completamente. Vivi em várias cidades depois em razão da profissão.
Nunca deixei de ser um guri do interior. Não me entendam mal: devo muito a Porto Alegre e sou agradecido por tudo que ela me proporcionou. Mas jamais me abandonou a sensação de exílio.
Um dia retornei à Serra e nela ergui minha nova casa sobre uma montanha. Uma volta à origem telúrica. Mas não no tempo porque o tempo passado não volta nem se recupera. Recorda-se.
Na sexta-feira à noitinha saí do apartamento e estava caminhando na Av. Nilo Peçanha, perto da Praça da Encol, em direção ao café. Estava com o filho Lucas, o caçula, que me chamou a atenção para os pinhões caídos na calçada e para uma pinha no alto de um pinheiro que existe ali na esquina com a Rua Carlos Trein. Todos os anos, nessa época, as pinhas amadurecem e delas saem os pinhões. Pinhão assado na chapa do fogão a lenha ou na brasa é uma delícia. É alimento ancestral da gente que povoou o Rio Grande do Sul, típico da Serra gaúcha.
Pedi ao Lucas que fizesse uma foto. Quem diria: a araucária, rara nas cidades grandes, em plena avenida movimentada, me trouxe essas recordações e pensamentos. O serrano que há em mim respirou fundo. Uma espécie de madeleine de Proust.*
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*Escritor francês Marcel Proust, autor da monumental obra "Em busca do tempo perdido".