quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Reencontrando Unamuno

Jorge Finatto
 
Miguel de Unamuno, 1925.
 
Essa Guarda que tantas vezes atraiu os meus olhares.
Miguel de Unamuno (1864 - 1936)
 
DON MIGUEL DE UNAMUNO, grande escritor, poeta, enorme homem e filósofo, esteve na cidade da Guarda, Serra da Estrela, em Portugal, em 1908, e em outras ocasiões também. Percorreu-a. Falou sobre ela no livro Por terras de Portugal e Espanha (1911).
 
Por uma dessas coincidências da vida, descobri que esteve hospedado na Pensão Santos, atual Hotel Santos, onde fiquei por esses dias na Serra da Estrela. A Dona Clara, proprietária do hotel (uma das pessoas mais doces e especiais que já conheci) disse-me que ele esteve algumas vezes na pensão, sempre que vinha à Guarda, conforme registros.

 Vencereis, mas não convencereis.

O notável reitor da Universidade de Salamanca teve a impressionante coragem de enfrentar o ditador Franco no início da Guerra Civil Espanhola, numa aula de abertura do ano acadêmico de 1936, perante o alto escalão e dezenas de oficiais e soldados armados que ocupavam a plateia.

Ao final de sua fala contundente, com a frase acima que se tornou célebre, só não foi assassinado ali mesmo por intervenção da esposa do próprio Franco, Dona Carmen Franco, que se encontrava na mesa (o marido não compareceu à cerimônia).
 
Num gesto de bondade e grandeza, não permitiu que o filósofo sofresse violência. Levou-a até a casa dele no automóvel que a conduzia. Lá ficou recolhido em prisão domiciliar até a morte, pouco tempo depois. Esse é apenas um exemplo da têmpera deste humanista espanhol incomparável.

O Município da Guarda criou o Passeio Unamoniano na Guarda, que percorre os lugares que Don Miguel visitava quando estava na cidade.

Há pessoas que deixam pegadas de sua passagem pela vida. Miguel de Unamuno deixou uma longa e luminosa estrada de passos de coragem contra a opressão e a desumanização. Um dos maiores filósofos que o mundo já conheceu.

Do sentimento trágico da vida é uma das melhores obras que o espírito humano já produziu. Mas há outras igualmente importantes.

Com o poeta Unamuno nunca estamos sozinhos pelo caminho.
 
Hotel Santos, Guarda, Portugal
photo: jfinatto


 

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Aveiro, poema visual

Jorge Finatto
 
photo: jfinatto
 
 
JÁ OUVI DIZER aqui em PORTUGAL que Aveiro é a Veneza portuguesa. Engano.
 
Veneza é que é a Aveiro italiana. Com todo respeito, claro. De um descendente de venezianos.
 
photo: jfinatto
 
photo: jfinatto

photo: jfinatto

photo: jfinatto

photo: jfinatto

photo: jfinatto

Pensando melhor, cada uma é bela de um jeito todo seu e sempre nos surpreendem. O planeta envaidecido agradece.

O amor de Ofélia e Fernando

Jorge Finatto

photo: jfinatto, fev. 2018


UM DIA desses peguei o ELÉCTRICO 28 (o querido bonde lisboeta) e fui até o Cemitério dos Prazeres, uma espécie de Père-Lachaise português, onde, como em Paris, estão sepultados alguns nomes importantes das artes, literatura, política e ciência. Após descer do elétrico, resolvi entrar. O atendimento na portaria é muito educado com entrega de mapa ao visitante.

Fernando Pessoa (1888 - 1935) e Ofélia Queiroz (1900 - 1991) viveram um amor que ficou para a eternidade. Amor de namorados que não chegaram a se casar porque assim tinha de ser. A numerosa troca de cartas, postais, telegramas, desenhos e bilhetes entre os dois está registrada em livros.


Ambos discretos e reservados, os papéis vieram à edição muitos anos após a morte de Pessoa com consentimento de Ofélia. Uma edição completa foi publicada pela Assírio & Alvim em 2012, reunindo a correspondência. O acervo reúne 185 documentos. Neles se encontram palavrinhas inventadas pelo casal.¹

Já escrevi aqui sobre a relação deles e remeto o raro leitor ao texto.²

Me dirigi ao túmulo de Ofelinha, ou Bebé, como era tratada pelo namorado poeta. Seus restos mortais foram trasladados para o local em fevereiro de 2016 por decisão do Município de Lisboa. Mas ainda não foi desta vez que haviam de ficar juntos. Os restos mortais de Fernando Pessoa foram levados do Cemitério dos Prazeres para o Mosteiro dos Jerônimos, onde se encontram alguns grandes vultos nacionais portugueses, em 1985.

F. Pessoa, menino e homem. Casa Fernando Pessoa.
photo: jfinatto, fev. 2018

É um túmulo pequeno, discreto, mas quanta história naqueles vestígios de uma vida. Teria sido um amor malogrado? Acho que não, pensando bem. Se tivessem casado, teriam sido felizes? Não teriam caído na inevitável rotina dos casamentos em que as relações acabam em amizade, os amantes se transformando em irmãos? Isso quando não viram inimigos em guerra aberta. Sei lá.

Fernando Pessoa casou consigo mesmo e teve filhos na figura dos heterônimos. Foram sua família espiritual. O resto era o mundo real que não importava muito.

Na lápide há registro de dois trechos de cartas.


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¹ Cartas de amor de Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz. Assírio&Alvim, 2012, Lisboa.

² O casal do Elétrico 28:
https://ofazedordeauroras.blogspot.pt/search?q=O+casal+do+el%C3%A9trico+28

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Lisboa revisitada

Jorge Finatto
 
pintura de Fernando Pessoa. Almada Negreiros. Casa Fernando Pessoa
 
Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir.
Fernando Pessoa (Álvaro de Campos)

 
VIR A ESTA CIDADE é sempre um reencontro. Eu não sou um viajante distraído, apegado a superficialidades, lugares-comuns. Gosto de conhecer o que vai mais abaixo da aparência. Cidades são como pessoas: querem ser tratadas com interesse e respeito.
 
Eu namoro Lisboa. Este céu azul, no inverno, só é possível aqui em Portugal. O resto da Europa treme de frio e mergulha em infindáveis dias cinzentos. Aqui o frio é temperado com sol amarelo e cálido. Fernando Pessoa está em toda parte.
 
Lisboa. photo: Casa Fernando Pessoa
 
 
A luz sobre Lisboa é assunto de conversas com artistas e motoristas de táxi. Dizem que uma luz diferente habita a cidade. É verdade. Não há luz como essa. É um mistério, uma dádiva. É uma luz prenhe de luz.
 
Então aqui estou uma vez mais e agradeço a Deus por isso. Que possa voltar muitas outras. Que possa olhar nos seus olhos e dizer: namoro-te, Lisboa.
 
Imagem: Casa Fernando Pessoa
 

domingo, 4 de fevereiro de 2018

O mundo de Chaplin

Jorge Finatto
 
estátua de Chaplin na beira do Lago Léman, Vevey, Suíça. photo: jfinatto
 

A VISITA AO MUSEU CHAPLIN, na cidade de Vevey, situada no Cantão de Vaud, Suíça, nos põe em contato com informações preciosas sobre a vida e a obra do grande artista e diretor de cinema. No meu caso, não vim visitar Charles Chaplin (1889-1977), mas sim encontrar Carlitos (Charlot), meu e nosso amigo, como diz Drummond no belo poema Canto ao homem do povo Charlie Chaplin (livro A Rosa do Povo). A emoção faz parte do encontro.
 
O museu encontra-se na propriedade onde Chaplin viveu com a família nos últimos 25 anos de vida após ser expulso dos Estados Unidos por suposta adesão ao comunismo, uma burrice sem tamanho da Comissão criada pelo Senador americano Joseph McCarthy.
 
escultura representando cena de filme. photo: jfinatto
 
 
idem. photo: jfinatto
 
Chaplin  depôs perante a tal comissão e negou o envolvimento, mas não foi ouvido. Como se um homem da dimensão dele precisasse atestado ideológico depois de ter produzido a obra que produziu, um legado artístico ao nível, na minha visão, do que fizeram Dante e Leonardo da Vinci.
 
Voltemos ao museu. A visita começa com uma projeção de dez minutos sobre a vida e a produção do artista. Nascido em Londres teve infância sofrida e pobre e lutou muito para se firmar no cinema nos Estados Unidos.
 
peças inesquecíveis. photo: jfinatto
 
a cega de Luzes da Cidade. photo: jfinatto
 
Depois passa-se aos estúdios, amplas salas onde se entra em contato com os filmes e esculturas de personagens e dados sobre histórias e atores. Cenas são projetadas. Ali mostra-se muito do universo chapliniano, apresentando alguns artistas que receberam sua influência, como Michael Jackson (os passos de moon walk teriam sido inspirados por Carlitos) e os criadores de O Gordo e o Magro.
 
Nesse percurso há exposição de objetos do personagem Carlitos, como o chapéu, as botas, a bengalinha. É tudo muito bem organizado. O atendimento do pessoal do museu é ótimo, começando pela entrada, onde fica também a lojinha.
 
asas do filme O Garoto. photo: jfinatto
 
a mansão familiar. photo: jfinatto
 
Depois pode-se visitar a mansão onde Chaplin e a família viveram nesses 25 anos. É uma senhora casa. Ali estão o escritório dele, cartas, fotos e manuscritos em exposição. Os diversos ambientes da mansão proporcionam uma visão da intimidade familiar.
 
Carlitos. Se um dia quiserem dar uma ideia do ser humano a seres de outro planeta, enviem-lhes filmes de Carlitos. Seria muito oportuno. Ali estamos retratados com realismo, humor, afeição. A tragédia e a grandeza. O sofrimento e a esperança, as tristezas da vida, as dores que nos impomos uns aos outros, e sobretudo a alegria de existir.
 
O vagabundo pobretão, com maneiras refinadas e a dignidade de um cavaleiro andante, misturado e perdido num mundo de humilhações aos mais pobres e carentes, sem perder jamais a ternura e o amor humano.
figurino de O Grande Ditador. photo: jfinatto
 
amizade com Einstein. photo: jfinatto
 
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Chaplin's World:
 

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2018

Bondes de Zurique

Jorge Finatto
 
photo: jfinatto
 

EU SEMPRE TIVE um encanto pelos bondes (elétricos em Portugal). Na minha infância e adolescência havia muitos em Porto Alegre, servindo diversos bairros. Eu viajava sempre neles. Era um transporte bem pensado, em baixa e média velocidades, acho que não alcançava 50 km/h. Tinha muito a ver com casas nas ruas, árvores e tempo para viver.
 
Depois acabaram com os bondes. Assim como acabaram com os trens no Brasil, algo inacreditável num país imenso. Resultado: hoje morrem milhares nas estradas superlotadas de automóveis e caminhões, em mau estado de conservação. O transporte de cargas é caro, encarecendo tudo. Decisões erradas como essa levaram o país a este estado lamentável.
 
Mas eu queria dizer que estou matando a saudade dos bondes em Zurique. E já matei um bocado da saudade dos trens em viagens internas pela Suíça e para a França. O trem francês não é tão bom. Os trens e bondes suíços são incomparáveis em limpeza, conforto, silêncio e pontualidade. Os serviços funcionam, não são complicados. E nos bondes não vi fiscais examinando se o sujeito comprou ou não a passagem. Nos trens a fiscalização é mais presente, mas não sufocante como em outros países.
 
Há uma consciência social muito forte. As pessoas sabem que devem cumprir a lei e o fazem porque acreditam nisso. Todo mundo ganha. Não é como no Brasil onde a lei é para os outros. E todos perdem. Um dia, espero, nos livraremos dessa praga.
 
A cor dos bondes é azul cobalto e branco. Como no céu. Uma delícia.

photo: jfinatto