quarta-feira, 18 de maio de 2011

Eugénio de Andrade

Jorge Adelar Finatto


Na vida, ter talento só não basta, é preciso trabalhar muito para chegar a algum resultado. Muitos talentos se perdem, nas mais diversas atividades, por falta de entrega e persistência.

Existe um poeta pouco conhecido no Brasil, que é dos grandes que temos na língua portuguesa: Eugénio de Andrade. Nasceu em 19 de janeiro de 1923, em Póvoa de Atalaia, centro de Portugal, e morreu em 13 de junho de 2005, na cidade do Porto, onde hoje existe a fundação que leva seu nome.

Lê-se pouca poesia no Brasil e no mundo, de modo geral. Os tempos são duros. A poesia é o gênero literário que pede um leitor sensível, atento à beleza da palavra e da composição no seu grau mais elevado de elaboração (o poema), e, sobretudo, um leitor dotado de espiritualidade.

Um brutamontes dificilmente terá afeto pela poesia.

Eugénio de Andrade é um belo poeta. Lida com o poema de forma rigorosa e, ao mesmo tempo, com notável simplicidade. A simplicidade que só os mestres alcançam como resultado da dedicação cotidiana e obstinada ao trabalho.

Na vida, ter talento só não basta, é preciso trabalhar muito para chegar a algum resultado. Muitos talentos se perdem, nas mais diversas atividades, por falta de entrega e persistência.

A poesia de Eugénio de Andrade nos traz encanto e esperança. Como nestes dois poemas.


O SORRISO

Creio que foi o sorriso,
o sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.


VER CLARO

Toda a poesia é luminosa, até
a mais obscura.
O leitor é que tem às vezes,
em lugar de sol, nevoeiro dentro de si.
E o nevoeiro nunca deixa ver claro.
Se regressar
outra vez e outra vez
e outra vez
a essas sílabas acesas
ficará cego de tanta claridade.
Abençoado seja se lá chegar.


A obra do poeta é rara. Para melhor conhecê-la é interessante uma visita ao site da Fundação Eugénio de Andrade¹ e, claro, a leitura de seus livros. Entre nós, onde Eugénio, infelizmente, é quase desconhecido, existe a antologia Poemas de Eugénio de Andrade², que oferece uma boa visão do conjunto de sua obra.

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¹Fotos e poemas de Eugénio de Andrade reproduzidos do site da Fundação Eugénio de Andrade:
http://www.fundacaoeugenioandrade.pt/
² Poemas de Eugénio de Andrade, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1999.
Texto publicado em 25 de maio de 2010.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Vivaldi e a noite fria de outono

Jorge Adelar Finatto


A vida é uma melancólica estação de trem onde todos estão só de passagem rumo ao esquecimento.

Escutava o Concerto em Mi Menor, "Il favorito", op.11. n. 2, andante, do veneziano Antonio Vivaldi (1678 - 1741) no começo desta noite fria de outono, de lua cheia, em Passo dos Ausentes. A música é muito sentimental, vai crescendo dentro da gente de um jeito calmo. Não sei por que, enquanto a ouvia, passei a recordar certos dias de outono na minha infância. A avó preparava doces, conversava e costurava. A casa de madeira de pinheiro ficava entre os plátanos, à beira do arroio.

O arroio tinha música viva. A bruma costumava andar a esmo nas redondezas e com ela o silêncio. Quando alguém abria a porta, um pouco daquela névoa entrava e tomava assento na sala, como um fantasma. O mundo era então um lugar muito pequeno.

Um dia a avó partiu na neblina, levando para sempre as costuras, as conversas, os doces. Não teve tempo de se despedir. A casa fechou-se como um coração que esfriou. Fui para a estação de trem. O que aconteceu depois foi uma longa história de partidas sem despedida.

A vida é uma melancólica estação de trem onde todos estão só de passagem rumo ao esquecimento.

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Foto: J. Finatto

Three poems

Jorge Adelar Finatto



Event

My face in the rain
in the wind
sad like a scarecrow

Evento
Minha cara na chuva
no vento
triste como um espantalho



Occupation

life is a horror that I allow myself

Ofício
 a vida é um horror que me permito



Tragedy

the moon has fallen over the crops

Tragédia
a lua caiu na plantação

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Poems from the book Viveiro, Edições Grupo Sanguinovo, São Paulo, 1981.
Foto: J. Finatto

segunda-feira, 16 de maio de 2011

José Carlos Oliveira, cronista

Jorge Adelar Finatto


Sou contumaz leitor de jornais. Nesse tempo todo, acho que tenho procurado não propriamente notícias do mundo que é, mas de um outro, mais delicado e venturoso, que infelizmente insiste em não aparecer nas páginas impressas.

Costumo guardar recortes de textos que me tocam, alguns deles nunca saem depois em livro. Há alguns dias peguei pra reler um desses papéis, uma crônica do saudoso jornalista e escritor José Carlos Oliveira (1934 - 1986), intitulada O livro dos analfabetos (Jornal do Brasil, Caderno B, 21 de janeiro, 1981).

Nela, lê-se o seguinte trecho:

Um verdadeiro homem é um poema torto. Um verdadeiro homem não é um santo nem um herói, porque esses são filhos diletos de Deus e neles Deus escreve certo; um verdadeiro homem não é um monge anacoreta, porque este corajosamente se furta à existência erradia, errante e errada que a nossa tribo se compraz em viver ou é induzida, ou conduzida, ou forçada a viver. O verdadeiro homem é experimental (...)

Estimulado por essa bela crônica, fui à livraria e comprei O homem na varanda do Antonio's, crônicas da boemia carioca nos agitados anos 60/70, publicação organizada pelo também jornalista e escritor Jason Tércio e editada pela Civilização Brasileira em 2004. 

O livro é encantador. Vale a pena ler o texto bem trabalhado, sensível, perspicaz e brilhante de José Carlos Oliveira (o Carlinhos Oliveira), um dos nossos grandes cronistas.
 

Manuel António Pina: Prêmio Camões de Literatura 2011

Jorge Adelar Finatto


O Prêmio Camões de Literatura 2011 foi atribuído, na quinta-feira, 12 de maio, ao poeta e escritor português Manuel António Pina, 67 anos. O resultado foi divulgado  na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e o júri justificou a premiação com fundamento na inventividade e originalidade da obra do autor. Ele publicou, entre outros, O país das pessoas de pernas para o ar (infanto-juvenil) e Aquele que quer morrer (poesia).

Manuel António Pina colabora diariamente como cronista  no Jornal de Notícias, de Portugal. É bacharel em Direito, tradutor e, no passado, também foi jornalista.

Em entrevista concedida a Sérgio Almeida, do Jornal de Notícias, em 20 de julho de 2010, declarou o poeta:

Não escrevo poesia como escrevo crónicas, profissionalmente. No caso da poesia, sou antes amador, isto é, aquele que ama. Só escrevo poesia quando não posso deixar de escrevê-la. Ou, como Borges diz (acho que é Borges), quando uma espécie de incomodidade, ou de remorso, me força a procurar a poesia. O facto de passar às vezes anos sem publicar poesia não significa que tenha deixado de escrever poesia. Tenho há muito um livro praticamente pronto, reunindo poemas dispersamente publicados aqui e ali, em jornais e revistas, e inéditos. Não tenho é tido tempo (nem pachorra) para trabalhar sobre alguns poemas que continuam à procura de si mesmos. Dois ou três deles estão há anos presos por um único verso; tenho, d e alguns desses versos, inúmeras versões, ou tentativas, mas não são o que procuro. Embora não saiba o que procuro, sei que, quando o encontrar o reconhecerei. Resta-me esperar; não tenho pressa.

Se existe algum valor em prêmios literários, e eles são poucos considerando os escritores existentes, é o de revelar autores de mérito (quando assim o fazem), independente de ações de marketing por parte da indústria do livro. Nunca li nada de Manuel Pina. Mas, diante desta sua declaração, reveladora de um escritor humano e dedicado, vou atrás de um livro seu para conhecê-lo um pouco mais. 

O Prêmio Camões é considerado a mais importante distinção em língua portuguesa e, em 2010, o vencedor foi o poeta brasileiro Ferreira Gullar.

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Foto: Manuel António Pina. Fonte: Jornal de Notícias, Portugal.

sábado, 14 de maio de 2011

Palavras com pássaros dentro

Jorge Adelar Finatto


Escrever coisa leve, talvez bonita. Eu gostaria de ver o mundo com bons olhos nessa manhã de maio. Uma frase, um verso com pássaros e arroios cantando dentro. A mesa posta para o café da manhã com os amigos, a conversa e o abraço depois de tanto, tanto tempo. Caminhei através dos segredos e das almas da noite. Vi coisas e precipícios de que não quero recordar. Arrastam-se sombras no átrio da aurora. Queria dizer um barco branco com uma vela lilás nas águas calmas do amanhecer. Queria encontrar a garrafa com a urgente e cálida mensagem para os habitantes das ilhas. Os moradores das ilhas foram viver na cidade, levando as ínsulas no coração, com seu isolamento, sua inocência perdida, a distante memória dos peixes. Estou entrincheirado na primeira claridade. Um farol iridescente desliza entre as nuvens, o pássaro inaugura o canto no galho invisível dessa manhã.


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Foto: J. Finatto

quarta-feira, 11 de maio de 2011

A vida com arte

Jorge Adelar Finatto




A arte é uma espécie de olho mágico que nos permite conhecer e viver outras vidas além da nossa. A obra que toca nossa emoção e nossa consciência é a mesma que nos retira do aqui e agora, nos faz transcender e ver além. Aí estão a música, os livros, os filmes, a pintura, a escultura, a fotografia, o artesanato (suas mil formas e materiais) e tudo o mais que as pessoas criam com desvelo e sentimento. Um prato de comida pode ser uma obra de arte, assim como uma casa limpa e arrumada com gosto, um jardim bem florido e cuidado, uma boa conversa. A natureza também está cheia de arte e graça. Por tudo isso, sou grato a Deus e aos que criam coisas capazes de aumentar nossa percepção sobre os seres e o mundo. Palavra após palavra, imagem após imagem, sentido após sentido, a gente vai se construindo a cada instante. 


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Foto: J. Finatto