terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Série Retratos

Jorge Adelar Finatto

A partir de hoje publico a Série Retratos
 
A novidade é que as fotos desta série não serão acompanhadas de texto. As imagens falarão por si. Um álbum de fotografias virtual, uma memorabilia do olhar.
 
Os pedidos de cópia ou reprodução podem ser feitos ao autor pelo e-mail j.finatto@terra.com.br

As imagens são protegidas pela legislação que regula os direitos autorais. 
 

domingo, 6 de janeiro de 2013

A carreta cósmica

Jorge Adelar Finatto

photo: j.finatto
 

O mundo visto de cima de uma carreta é diferente.  Não é o mesmo que se vê de um ônibus, metrô, barco, automóvel ou avião.  O andar da carreta é outro, diverso é o seu olhar.
 
Em Passo dos Ausentes, havia muitas carretas. Era meio de transporte de pessoas e de carga por estradas de terra e ruas pedregosas.
 
A velocidade do mundo era bem menor. 24h, naquele tempo, equivaliam a cinco dias de agora, talvez um pouco menos.
 
Os tempos eram longos e as conversas também. Dava para experimentar o sabor de cada fruto, associá-lo a um nome e a uma estação do ano.
 
Havia tardes de chuva mergulhadas na leitura e na preguiça. Olhos cismavam nas janelas. A preparação dos doces caseiros espalhava delicados cheiros pela casa.
 
Andar de carreta puxada por boi era uma maneira diversa não só de se deslocar como de olhar o universo.

O homem que vê a vida tendo a carreta como ponto de mirada não é o mesmo que se movimenta em máquinas velozes.
 
Aqui nos Campos de Cima do Esquecimento ainda se encontram carretas. Há alguns anos encontrei uma em bom estado, construída em 1953. Resolvi comprá-la e coloqueia-a no jardim.

Ela aparece em primeiro plano na foto, tendo mais ao fundo Monsieur Jardin, o espantalho que faz a alegria dos passarinhos. As aves fazem ninhos nos seus bolsos e no chapéu de palha.

A minha carreta está sempre pronta pra partir. Em certos dias, quando a vida perde a graça, em subo nela e vou dar uma volta pelo cosmos. O sobe e desce entre as nuvens, a gente sacudindo lá dentro, a evolução do vôo pela atmosfera e depois uma esticada até o infinito.
 
Voamos entre as estrelas, passamos perto da Lua, paramos em Órion para ver a chuva dos meteoros cintilantes.

Visito os amigos que partiram em suas carretas de luz e nunca mais voltaram. Conversamos e rimos juntos. Depois eu me despeço e volto pra casa.

Ao retornar da viagem, sinto o coração bater em paz outra vez.
 

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Escritor desiste de parar de escrever

Jorge Adelar Finatto
 
 
Elmore Leonard. Foto de Paul Sancya, Associated Press
 

O escritor americano Elmore Leonard, 87 anos, tinha decidido parar de escrever. A aposentadoria estava prevista para depois da publicação de seu último livro, Blue Dreams (Sonhos Azuis), esperada para este ano.
 
A boa notícia para seus leitores é que ele desistiu de desistir. Autor de 47 livros, Elmore Leonard recebeu em novembro passado o prêmio da Fundação Literária Nacional pela Contribuição com as Letras Americanas. O reconhecimento fez com que abandonasse a idéia de parar.

A premiação existe desde 1950 e já foi dada a autores como Norman Mailer, John Updike e Gore Vidal.

"Eu fiquei tão feliz (...) O prestígio, para mim, é o que vale mais", declarou à agência de notícias Reuters, conforme reproduzido na Folha de São Paulo de 31.12.2012.
 
"Não tenho razão para me aposentar. Eu ainda gosto muito de escrever", acrescentou.

Leonard é autor, entre tantos, de O nome do jogo, que virou filme com  o ator John Travolta, e Jackie Brown, adaptado para o cinema por Quentin Tarantino.
 
Se até os bichos gostam de agrado e salamaleque, imaginem então os escritores que são, no reino animal, espécie das mais suscetíveis e carentes de reconhecimento.

(Reconhecer vem do latim recognoscere, que significa, na acepção aqui empregada, admitir como bom, verdadeiro ou legítimo, consoante ensina o bom Aurélio.)

Ainda não li nada de Elmore Leonard, mas acredito que a premiação faz jus a uma longa vida dedicada a escrever. Penso naqueles outros que nunca receberam nem receberão qualquer prêmio e que, mesmo assim, não desistem do ofício.

O vero escritor não escreve para receber prêmios, mas para dizer algo a seus semelhantes através da palavra escrita. Mas também é verdade que quando alguém escreve o faz pensando em ser reconhecido pelo trabalho. Em suma, ninguém escreve para as paredes. 
 
Entre os fogos de artifício dos prêmios literários (e da mídia) e a solidão da caverna, existe um caminho do meio capaz de estimular um autor a não desistir: o reconhecimento. Reconhecimento sem o qual a coisa toda - literatura ou qualquer outra - perde o sentido.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Nos trilhos do tempo

Jorge Adelar Finatto


photo: Museu Virtual Memória Carris. Prefeitura Municipal de Porto Alegre.
Autor: José Luís Kieling Franco.*

 
Não sabia que uns velhos trilhos de bonde podem mexer com a gente depois de tanto tempo. Isso aconteceu quando descobri que havia trilhos escondidos na escuridão da terra, sob a Avenida Protásio Alves, no bairro Petrópolis, em Porto Alegre.

O leito da avenida está em obras para receber o sistema de ônibus rápidos. Ao realizarem os trabalhos, os operários retiraram o asfalto e escavaram cerca de 80 centímetros no subsolo.

Passava pelo local outro dia e parei para olhar. Percebi então, com assombro, que no fundo do buraco havia os trilhos do bonde que ligava o bairro ao centro da cidade. Sim, vetustos trilhos que estavam soterrados reapareceram.
 
A escavação significou um mergulho no tempo. Encontrou uma cidade submersa que não existe mais.

Os bondes deixaram de circular em março de 1970, infelizmente.

Eu morei  perto do itinerário dos trilhos quando menino.

Por um momento, me vi outra vez passageiro do bonde, a cara na janela pegando vento, descendo e subindo a colina sobre a qual se ergue o bairro Petrópolis.

Recolheria os trilhos e guardaria num cofre, se possível fosse. Eles dão testemunho de uma época e de um modo de viver.
 
Difícil explicar que não são meros pedaços de aço que afloraram do chão, são caminhos perdidos no tempo. No passado, eles conduziram as pessoas diariamente nos rumos de suas vidas. Muito cansaço, muita esperança e sonho eles carregaram.

A descoberta foi como se tivessem escavado o interior do meu coração.
   
Um pedaço do que eu  fui aflorou naqueles trilhos.

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*A imagem foi editada para ilustrar este post. A original encontra-se no texto:
Eu ia tomar um bonde amarelo

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

O último segundo do ano

Jorge Adelar Finatto
 

Embarcadouro em Auvers. Vincent Van Gogh. Instituto de Artes de Detroit

 
Uma espécie de arqueologia existencial toma conta desse dia em que se cruzam as informações sobre o ano vivido. O último dia do ano se presta a levantamentos diversos. A maioria das pessoas procura sentidos ao longo do período que hoje se acaba.
 
Não faço balanços de 12 meses. Prefiro a reflexão e as anotações diárias. Os exames de consciência anuais pouco me dizem, porque não se vive ano a ano, mas segundo a segundo.
 
É nessa quantidade ínfima de tempo que construímos aquilo que chamamos vida. O resto é conseqüência dessa obra minimalista.
 
O importante é o que vem por aí. Por isso, o meu desejo aos leitores do blogue é que tenham excelentes segundos durante 2013, que cada um construa minutos, horas e dias que façam valer a pena a passagem do tempo. E que consigamos levar nosso barco são e salvo ao destino sonhado.
 

domingo, 30 de dezembro de 2012

O cemitério de Père-Lachaise em Paris

Jorge Adelar Finatto


photo: j.finatto. Père-Lachaise, Paris
 
 
Um leitor pergunta-me, por e-mail, o que, afinal, um escritor genial como Balzac ia fazer no cemitério de Père-Lachaise em Paris. Refere-se ao post de ontem (29/12/12), no qual escrevi que o grande romancista francês costumava freqüentar aquele lugar para meditar e realizar no local o que denominou "estudos de dor".


photo: j.finatto.Túmulo de Proust com carta e vaso de flor

Admirou-se, também, o raro leitor, pelo fato de eu ter passado um dia - um domingo - pesquisando, anotando e fotografando no tal cemitério: "O que pode haver de tão interessante num lugar assim? Não revelará esse gesto certa tendência mórbida do temperamento do cronista?", arrematou.

photo: j.finatto. Túmulo de Oscar Wilde em reforma, acima e em baixo (e os beijinhos)


photo: j.finatto

Não posso falar por Balzac, mas acredito que, atento observador como era, capaz de ir a minudências que passam despercebidas da maior parte dos mortais, as horas vividas no cemitério serviram-lhe de precioso material existencial e reflexivo para escrever sua obra.

Nada como a morte para chamar-nos à vida.

Uma certa melancolia ancestral habita o meu sangue, admito. Esse é um traço anímico de quem nasceu em Passo dos Ausentes como eu. Ninguém vem ao mundo impunemente aqui nos Campos de Cima do Esquecimento, entre gélidas névoas.


photo: j.finatto. Túmulo de Balzac

Mas ainda não chego ao ponto de fazer excursões a cemitérios por causa disso. Longe de mim! A morte é, entre os fatos naturais, o que me causa maior aversão e desgosto. Não existe entre mim e ela amizade ou encantamento possível.

Visitar cemitérios, portanto, não é um passeio que, de regra, me agrade, pelo contrário. Além disso, procuro sempre evitar tais visitas, pois, como diz aquele sábio ditado popular: "quem não é visto não é lembrado".


photo: j.finatto. Túmulo da escritora Colette

Uma visita ao Père-Lachaise tem valor cultural. É um giro pela história da arte e da cultura. E uma visão impressionante da transitoriedade de tudo nesse mundo. O destino final de todos os esforços, caprichos, alegrias, dores, sacrifícios, preocupações e vaidades.

Ali estão os túmulos de alguns dos principais artistas, escritores, filósofos e cientistas que marcaram a trajetória humana. As inscrições tumulares dão alguma notícia do que fizeram. Na portaria, o interessado pode pegar um impresso com o mapa das sepulturas contendo informações sobre os ilustres falecidos.

Também é possível observar a reação das pessoas diante da morte de personagens famosos (e outros nem tanto, os estudos de dor, de que nos fala Balzac). Cartas, bilhetes, livros, flores, velas, objetos diversos são colocados nos túmulos.

Mas nenhum dos habitantes do Père-Lachaise é alvo de tamanha manifestação de afeto como Oscar Wilde, cujo túmulo foi coberto por marcas de beijos com batom ao longo do tempo. Sobre o assunto escrevi Oscar Wilde: o beijo proibido.*


photo: j.finatto. Père-Lachaise

Estão também sepultados no Père-Lachaise, entre outros: Chopin, Édith Piaf, Yves Montand, Proust, Jim Morrison, Paul Éluard, Sarah Bernhardt, Maria Callas, Isadora Duncan, Allan Kardec, Camus, Molière, Champollion, Modigliani, Pissarro, Dalacroix, Max Ernst e por aí vai. É um panteão a céu aberto. Vale a pena uma visita.


photo: j.finatto. Père-Lachaise
 
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Oscar Wilde: o beijo proibido:
 http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2011/12/beijo-proibido.html

Fotos de novembro de 2011.
Texto revisto, publicado antes em 30.12.12.
 

sábado, 29 de dezembro de 2012

O texto de sábado

Jorge Adelar Finatto 

Pintura sobre fotografia de Balzac. Ano da foto: 1842.
Autor da foto: Louis-Auguste Bisson.
Fonte: Wikipédia.

 
4 horas da manhã e o texto de sábado ainda não chegou. As palavras fogem. Na ausência delas costumo ler, folhear um livro de pintura, ouvir música. Mas a essa hora não faço nem uma coisa nem outra. Espero a aurora.

4 horas, nenhuma palavra. Queria ter algo parecido com a volúpia de Honoré de Balzac (1799 - 1850), escrever com aquela exuberância, aquele vigor, aquele entusiasmo, aquela memória incrível e o fôlego sem fim.

Balzac escrevia pra pagar dívidas. Não fossem esses atrapalhos mundanos, não teria nos legado, talvez, A Comédia Humana (17 volumes). Os credores do escritor francês, sem o saber, deram ao mundo um gênio.

Claro, isso é uma redução talvez leviana, mas não é de todo despropositada. Balzac é um dos maiores autores que a humanidade conheceu,

No fim da adolescência, li as Ilusões Perdidas, sétimo volume da Comédia. Descobri um escritor absoluto, capaz de reconstruir e substituir a vida com palavras (na minha visão de então). Autor de uma obra que só o mistério do gênio pode explicar. Ao ler Balzac, nos perguntamos como um só homem foi capaz de escrever obra tão grandiosa, com tantos detalhes, realismo, imaginação e beleza.

Em algumas precisas linhas, a descrição do monumental escritor na palavra definitiva de Paulo Rónai: "Homem já feito, arrastando complexos de inferioridade e procurando compensar a consciência da inata vulgaridade por um esforço desesperado para atingir os cumes brilhantes da vida, a beleza, a nobreza, a fortuna. Velho antes do tempo, esgotado por milhares de noites de trabalho feroz, abatendo-se no limiar da felicidade almejada. Vemos-lhe os olhos em brasa, as faces rechonchudas, o papo do pescoço, os membros sem graça, a gesticulação exuberante, as vestes berrantes. Ouvimos-lhe a voz retumbante e a palavra fácil, a gargalhada grossa e a respiração ofegante."*

Visitando Père-Lachaise, o grande cemitério de Paris, hoje espécie de panteão a céu aberto onde estão os grandes de França, no qual se fazem visitas guiadas ou pessoais, como eu fiz, tirei essa foto do túmulo em precário estado do escritor. Esse cemitério foi um dos lugares de meditação de Balzac, que o considerava admirável para fazer "estudos de dor".

photo: j.finatto. Cemitério Père Lachaise, Paris.

Queria escrever um texto para postar no sábado. Menos, muito menos que um simples texto de Balzac, claro. Sempre penso no sábado como um dia especial, bom pra fazer coisas de que mais se gosta, entre as quais ler, um livro ou pelo menos uma página de blogue.

Apetece ler algo bom nesse dia diferente. Mas onde andará o texto que não vem para a página? Onde estão escondidas essas palavras que não afloram?

A essa hora faz muito silêncio, ainda mais que o tempo está nublado e úmido. Em breve os pássaros urbanos lançarão as primeiras notas do seu canto. Em Porto Alegre sinto falta das montanhas e dos pássaros de Passo dos Ausentes, do nevoeiro que cobre o Vale do Olhar e dos amigos que lá estão.  

Vou ver o sol nascer daqui a pouco na varanda do apartamento.  Enquanto isso mastigo umas fatias de pão torrado, tomando café.

Trato de recolher essas poucas palavras, antes que se dispersem no vento.

A luz amarela estica-se pouco a pouco sobre o Guaíba e o arvoredo, acordando os barcos e os ninhos. E os vivos para a vida.

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A Comédia Humana, volume I, Honoré de Balzac. Tradução de Vidal de Oliveira. Precedido de A vida de Balzac, de Paulo Rónai. Trecho extraído da pág. 12. Editora Globo, 2ª edição, revista, 1989, São Paulo.