quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011
terça-feira, 1 de fevereiro de 2011
O velho
numa obscura mesa de jogo
de casarão porto-alegrense
desmoronado
sentimento
que o invade
não se define
foi desde sempre
este touro
construindo castelos
e derrotas
na arena do baralho
silêncio de meu pai
não se traduz
ele se expressa nas marcas
que trago na face
e como trocaríamos
em vez de despedida
abraço
não tivesse a vida plantado
o desencontro
em nossos caminhos
a imemorial ausência
erigiu labirintos
espalhou ecos ao meu redor
povoou de medo
as noites do menino
bato na porta de sombra
do seu esquecimento
o menino cresceu
e a falta do velho
alastrou-se no tempo
meu pai partiu
cedo demais
partiu sempre
em cada hora
da minha vida
impossível saber
o doce do seu beijo
o abrigo no peito forte
agora que o tempo caiu
excessivamente sobre nós
esta falta, entre todas,
calaria mais fundo:
o pai que não tive
um quadro sem tela
na parede fria
da memória
_______
Do livro O Fazedor de Auroras, Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, 1990.
Foto: J. Finatto. Cais de Porto Alegre.
segunda-feira, 31 de janeiro de 2011
Ilhas e taperas
Jorge Adelar Finatto
Um dia desses saí a navegar pelo Guaíba no meu barco de papel.
Às vezes ele se chama Sonhador, outras, Solidão.
No itinerário, desembarquei em algumas ilhas.
Confesso me assustei com as taperas que nelas encontrei.
Tapera, do tupi, aldeia extinta.
Habitação em ruína, lugar abandonado.
Filipo, o papagaio que me acompanha, costuma dizer tapera é em nós que ela existe.
Nos nossos gestos vazios, nas nossas omissões, na impotência de mudar a vida.
De tão abandonadas, as ilhas se transformam em território de fantasmas.
Cada um de nós é uma ilha nessas águas tão fundas do viver.
Quando olho em volta da minha ilha, encontro outras ilhas. Muitas ilhas.
Apesar da quantidade e da proximidade, não formamos um arquipélago.
Existimos isoladamente.
Os habitantes das ilhas querem falar e ser ouvidos.
Raros, contudo, dispõem-se a escutar.
Esse o flagelo que assola o mapa das ilhas.
Habitamos taperas modernas, com computador, blogue, máquina de lavar, tv a cabo, aparelhos de som, ar-condicionado, elevador, mil coisas.
Em nosso íntimo, continuamos homens e mulheres das cavernas, com poucos amigos. Solitários, primitivos.
Lutamos pra sobreviver, saímos à caça todas as manhãs, disputamos ferozmente espaços no mercado de trabalho, no mercado das paixões.
Desconfiamos quando nos mostram os dentes num sorriso.
Dores e medos são curtidos no recesso como se não existisse mais ninguém no bairro.
As nossas moradias, tugúrios onde nos escondemos. Planejamos a fuga para um lugar que não sabemos se existe, mas deve ser melhor.
Olho o movimento dos barcos na entrada do cais de Porto Alegre.
Ouço o ruído seco do vento na vela branca do meu veleiro.
Uma gaivota atravessa o rio.
O entardecer aprofunda o exílio.
Não conseguimos formar um arquipélago.
O Guaíba embala a solidão das ilhas e taperas.
Às vezes ele se chama Sonhador, outras, Solidão.
No itinerário, desembarquei em algumas ilhas.
Confesso me assustei com as taperas que nelas encontrei.
Tapera, do tupi, aldeia extinta.
Habitação em ruína, lugar abandonado.
Filipo, o papagaio que me acompanha, costuma dizer tapera é em nós que ela existe.
Nos nossos gestos vazios, nas nossas omissões, na impotência de mudar a vida.
De tão abandonadas, as ilhas se transformam em território de fantasmas.
Cada um de nós é uma ilha nessas águas tão fundas do viver.
Quando olho em volta da minha ilha, encontro outras ilhas. Muitas ilhas.
Apesar da quantidade e da proximidade, não formamos um arquipélago.
Existimos isoladamente.
Os habitantes das ilhas querem falar e ser ouvidos.
Raros, contudo, dispõem-se a escutar.
Esse o flagelo que assola o mapa das ilhas.
Habitamos taperas modernas, com computador, blogue, máquina de lavar, tv a cabo, aparelhos de som, ar-condicionado, elevador, mil coisas.
Em nosso íntimo, continuamos homens e mulheres das cavernas, com poucos amigos. Solitários, primitivos.
Lutamos pra sobreviver, saímos à caça todas as manhãs, disputamos ferozmente espaços no mercado de trabalho, no mercado das paixões.
Desconfiamos quando nos mostram os dentes num sorriso.
Dores e medos são curtidos no recesso como se não existisse mais ninguém no bairro.
As nossas moradias, tugúrios onde nos escondemos. Planejamos a fuga para um lugar que não sabemos se existe, mas deve ser melhor.
Olho o movimento dos barcos na entrada do cais de Porto Alegre.
Ouço o ruído seco do vento na vela branca do meu veleiro.
Uma gaivota atravessa o rio.
O entardecer aprofunda o exílio.
Não conseguimos formar um arquipélago.
O Guaíba embala a solidão das ilhas e taperas.
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Foto: Eduardo Tavares. Veleiros em Belém, Porto Alegre.
Texto publicado em 04 de fevereiro, 2010.
sexta-feira, 28 de janeiro de 2011
Meu encontro com Walt Whitman
Jorge Finatto
O trabalho mudou minha vida de cenário muitas vezes. Faz muito tempo morei numa cidadezinha do interior do Rio Grande do Sul. O lugar se resumia a uma igreja católica e outra protestante, algumas ruas e casas. Em volta, a mata. Em certas tardes, eu saía a andar por estradas de chão, solitárias e com aroma silvestre.
Caminhar assim é como andar dentro de si mesmo.
Num dia de sol e frio eu percorria um desses caminhos. Um córrego prateado corria na margem. Numa curva em frente, entre os plátanos, apareceu um homem. Quando nos cruzamos ele me cumprimentou, em silêncio, fazendo um gentil movimento com a cabeça, que eu retribuí. Ele tinha uma barba branca abundante, uns olhos pequenos muito azuis, o cabelo na altura dos ombros. Usava um chapéu escuro com largas abas, a face um tanto rosada. Vestia um velho casaco, a camisa abotoada até o pescoço. Trazia um livro na mão esquerda.
Eu tive certeza de que se tratava do poeta norte-americano Walt Whitman (1819 – 1892).
Fiquei orgulhoso de estar ali, pisando o mesmo chão que o grande Walt. Seria o espectro do poeta o que eu vira? Seria alguém muito parecido?
Encontrei-o em outras duas ocasiões. Como da primeira vez, éramos só nós, a estrada verde, a brisa e o rumor do córrego. Fiquei observando o poeta. Ele entrava num desvio lateral da estrada, subia uns cinquenta metros em direção a uma pequena casa de madeira.
Encontrei-o em outras duas ocasiões. Como da primeira vez, éramos só nós, a estrada verde, a brisa e o rumor do córrego. Fiquei observando o poeta. Ele entrava num desvio lateral da estrada, subia uns cinquenta metros em direção a uma pequena casa de madeira.
A casa era muito branca e delicada. Sozinha, lá no alto, mostrava cortinas azuis nas janelas abertas, e flores, muitas flores da estação no breve jardim em volta.
Walt entrava pela porta dos fundos e desaparecia.
Uma chaminé de alumínio saía pelo telhado.
Pensei em conversar com o poeta. Talvez ele até dissesse alguns versos de Folhas da Relva, sua obra-prima. Mas não. Achei melhor não incomodar. Afinal, os poetas trabalham enquanto caminham em silêncio por estradas de chão.
Um dia chegou o tempo de ir embora da cidade pequena.
A vida seguiu, muitos caminhos eu percorri depois. Mas nunca esqueci que, em certas tardes, numa cidadezinha do interior, eu caminhei na mesma estrada por onde andava Walt Whitman.
A vida seguiu, muitos caminhos eu percorri depois. Mas nunca esqueci que, em certas tardes, numa cidadezinha do interior, eu caminhei na mesma estrada por onde andava Walt Whitman.
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Transbordante de Vida
Walt Whitman
Agora, transbordante de vida, sólido, visível,
No ano quarenta de minha existência, no ano oitenta e três dos Estados,
A alguém que viverá dentro de um século, ou em qualquer número de séculos,
A vós, que ainda não haveis nascido, dedico estes cantos, esforço-me por
alcançar-vos.
Quando lerdes, eu que sou agora visível, hei-de ter-me tornado invisível; então sereis vós, denso e visível, quem lerá os meus poemas, quem se esforçará por compreendê-los,
A imaginar quão felizes seríeis se me fora dado estar ao vosso lado e converter-me em vosso camarada;
Que seja, pois, como se eu estivesse. (Não duvideis demasiadamente que não esteja então ao vosso lado).
Poema extraído de O Livro de Ouro da Poesia dos Estados Unidos, coletânea de poemas organizada por Oswaldino Marques, edição bilíngue, Ediouro, tradução de Manuel Ferreira Santos.
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Publicado no blog em 17, abril, 2010.
Foto: Walt Whitman, feita em 1887 por George C. Cox.
Fonte: Wikipédia.
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
terça-feira, 25 de janeiro de 2011
O peixe da boca vermelha
Jorge Adelar Finatto
A caminhada polifônica destina-se não apenas ao exercício do corpo como à indispensável atenção às coisas do espírito.
A observação dos seres vivos e da paisagem, a aproximação estética e sensorial da mãe natureza, a respiração do ar limpo e fresco nas manhãs (ou tardes), a descoberta de inefáveis epifanias durante o percurso, tudo isso faz parte da polifonia andante.
A observação dos seres vivos e da paisagem, a aproximação estética e sensorial da mãe natureza, a respiração do ar limpo e fresco nas manhãs (ou tardes), a descoberta de inefáveis epifanias durante o percurso, tudo isso faz parte da polifonia andante.
Andava eu nas cercanias do Lago da Neblina, em Passo dos Ausentes, prevenido com a invencível Coruja, a vetusta máquina fotográfica que me acompanha.
Os gansos desistiram de acusar a minha presença. Sabem que sou apenas um caminhante que está só de passagem, um sujeito inofensivo, que anda a bordo de um chapéu de palha branco, com grossas e estapafúrdias lentes nos óculos, catando o invisível.
Um indivíduo assim não oferece risco à fauna e à flora, quiçá a si mesmo.
Nas margens e dentro do lago existe vida pulsante. Estava eu olhando o vazio (essa maneira de encontrar, talvez, o inesperado) quando ouvi um vago rumor na água.
Foi quando me apareceu o amigo (ou amiga) dessas fotos.
Um peixe branco, a boca pintada de vemelho, com traços coloridos espalhados pelo corpo, cerca de 1 metro de comprimento, passou a navegar perto de mim.
Tive a impressão de que sabia da sessão de fotos, ao menos não poupou poses e movimentos. Chegou-se mais para a beira, mas não tão próximo que não pudesse ativar um plano emergencial de fuga caso isso fosse necessário. Não foi.
Foi quando me apareceu o amigo (ou amiga) dessas fotos.
Um peixe branco, a boca pintada de vemelho, com traços coloridos espalhados pelo corpo, cerca de 1 metro de comprimento, passou a navegar perto de mim.
Tive a impressão de que sabia da sessão de fotos, ao menos não poupou poses e movimentos. Chegou-se mais para a beira, mas não tão próximo que não pudesse ativar um plano emergencial de fuga caso isso fosse necessário. Não foi.
O peixe da boca vermelha quis dizer alguma coisa com sua presença, e acho que conseguiu. Encheu de beleza a tarde (e o meu coração).
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segunda-feira, 24 de janeiro de 2011
O ladrão de livros
Jorge Adelar Finatto
Entre as páginas de um velho livro, encontrei um recorte de jornal amarelecido. Nele se noticia que o homem considerado o maior ladrão de livros da história foi condenado, na Inglaterra, a 15 meses de prisão.
O inglês, cujo primeiro nome é Duncan, furtou, ao longo de 30 anos, mais de 40 mil volumes de bibliotecas, faculdades, igrejas e outras instituições.
O inglês, cujo primeiro nome é Duncan, furtou, ao longo de 30 anos, mais de 40 mil volumes de bibliotecas, faculdades, igrejas e outras instituições.
O motivo alegado por Duncan, segundo a notícia, era um só: impressionar vizinhos e conhecidos com aparência de erudição. A polícia encontrou os livros guardados desde o porão até o sótão de sua casa de campo, no condado de Suffolk, leste da Inglaterra. Ele foi descoberto ao tentar vender uma das obras num leilão.
O principal objetivo de Mr. Duncan, como se vê, era alardear leituras que nunca fizera. Aliás, comportamento que não é privilégio dele. A vaidade literária se presta, em vários sentidos, à ostentação e esnobismo.
Há grandes leitores de orelhas e resumos de livros que acenam erudição, em conversas e através de resenhas, a respeito de obras que, na verdade, nunca leram. Esse tipo de "leitor" se faz presente em certo meio intelectual e em parte do jornalismo dito cultural. Claro que há pessoas que procuram fazer um trabalho sério. Mas os tempos são difíceis também nessa área.
Há grandes leitores de orelhas e resumos de livros que acenam erudição, em conversas e através de resenhas, a respeito de obras que, na verdade, nunca leram. Esse tipo de "leitor" se faz presente em certo meio intelectual e em parte do jornalismo dito cultural. Claro que há pessoas que procuram fazer um trabalho sério. Mas os tempos são difíceis também nessa área.
Uma boa pena alternativa para Duncan, que a meu ver não deveria ir para a cadeia, seria a leitura de livros em asilos, hospitais, prisões e outras lugares, durante algumas horas por semana, para atender pessoas impossibilitadas de ler.
Quem sabe dessa forma ele adquirisse, enfim, o verdadeiro gosto pela leitura e, mais do que isso, descobrisse o quanto é bom ajudar a quem precisa por meio da literatura.
Quem sabe dessa forma ele adquirisse, enfim, o verdadeiro gosto pela leitura e, mais do que isso, descobrisse o quanto é bom ajudar a quem precisa por meio da literatura.
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