numa obscura mesa de jogo
de casarão porto-alegrense
desmoronado
sentimento
que o invade
não se define
foi desde sempre
este touro
construindo castelos
e derrotas
na arena do baralho
silêncio de meu pai
não se traduz
ele se expressa nas marcas
que trago na face
e como trocaríamos
em vez de despedida
abraço
não tivesse a vida plantado
o desencontro
em nossos caminhos
a imemorial ausência
erigiu labirintos
espalhou ecos ao meu redor
povoou de medo
as noites do menino
bato na porta de sombra
do seu esquecimento
o menino cresceu
e a falta do velho
alastrou-se no tempo
meu pai partiu
cedo demais
partiu sempre
em cada hora
da minha vida
impossível saber
o doce do seu beijo
o abrigo no peito forte
agora que o tempo caiu
excessivamente sobre nós
esta falta, entre todas,
calaria mais fundo:
o pai que não tive
um quadro sem tela
na parede fria
da memória
_______
Do livro O Fazedor de Auroras, Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, 1990.
Foto: J. Finatto. Cais de Porto Alegre.
Meu pai, também, partiu cedo, Adelar.
ResponderExcluirDeixou lembranças, um certo orgulho e muita ausência.
Poucas vezes me referi a ele, em poesia.
Aplaudo tua coragem em tocar nestas zonas delicadas do sentimento.
Abraço.
Ricardo Mainieri
Amigo Ricardo,
ResponderExcluiro teu comentário, por si, já justificaria a existência do poema.
Me lembro a frase do grande escritor e memorialista Pedro Nava: "Quem fica órfão em tenra infância segue pela vida sem um braço".
Tom Jobim recordava essa frase, ele que perdeu o pai, o gaúcho Jorge Jobim, aos 8 anos.
Essa orfandade, digo eu, pode decorrer da extinção física do pai ou da mãe, como pode ser afetiva, por outras formas de ausência.
A poesia, se não cura, pelo menos nos ajuda a conviver com as perdas.
Um abraço, caro poeta.
Adelar