terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

O velho

Jorge Adelar Finatto


Imagino meu pai
numa obscura mesa de jogo
de casarão porto-alegrense
desmoronado

sentimento
que o invade
não se define

foi desde sempre
este touro
construindo castelos
e derrotas
na arena do baralho

silêncio de meu pai
não se traduz
ele se expressa nas marcas
que trago na face

e como trocaríamos
em vez de despedida
abraço
não tivesse a vida plantado
o desencontro
em nossos caminhos

a imemorial ausência
erigiu labirintos
espalhou ecos ao meu redor
povoou de medo
as noites do menino

bato na porta de sombra
do seu esquecimento

o menino cresceu
e a falta do velho
alastrou-se no tempo

meu pai partiu
cedo demais
partiu sempre
em cada hora
da minha vida

impossível saber
o doce do seu beijo
o abrigo no peito forte
agora que o tempo caiu
excessivamente sobre nós

esta falta, entre todas,
calaria mais fundo:
o pai que não tive
um quadro sem tela
na parede fria
da memória

_______

Do livro O Fazedor de Auroras, Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, 1990.
Foto: J. Finatto. Cais de Porto Alegre.

2 comentários:

  1. Meu pai, também, partiu cedo, Adelar.
    Deixou lembranças, um certo orgulho e muita ausência.
    Poucas vezes me referi a ele, em poesia.
    Aplaudo tua coragem em tocar nestas zonas delicadas do sentimento.

    Abraço.

    Ricardo Mainieri

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  2. Amigo Ricardo,

    o teu comentário, por si, já justificaria a existência do poema.
    Me lembro a frase do grande escritor e memorialista Pedro Nava: "Quem fica órfão em tenra infância segue pela vida sem um braço".
    Tom Jobim recordava essa frase, ele que perdeu o pai, o gaúcho Jorge Jobim, aos 8 anos.
    Essa orfandade, digo eu, pode decorrer da extinção física do pai ou da mãe, como pode ser afetiva, por outras formas de ausência.

    A poesia, se não cura, pelo menos nos ajuda a conviver com as perdas.

    Um abraço, caro poeta.


    Adelar

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