quarta-feira, 11 de maio de 2011

A vida com arte

Jorge Adelar Finatto




A arte é uma espécie de olho mágico que nos permite conhecer e viver outras vidas além da nossa. A obra que toca nossa emoção e nossa consciência é a mesma que nos retira do aqui e agora, nos faz transcender e ver além. Aí estão a música, os livros, os filmes, a pintura, a escultura, a fotografia, o artesanato (suas mil formas e materiais) e tudo o mais que as pessoas criam com desvelo e sentimento. Um prato de comida pode ser uma obra de arte, assim como uma casa limpa e arrumada com gosto, um jardim bem florido e cuidado, uma boa conversa. A natureza também está cheia de arte e graça. Por tudo isso, sou grato a Deus e aos que criam coisas capazes de aumentar nossa percepção sobre os seres e o mundo. Palavra após palavra, imagem após imagem, sentido após sentido, a gente vai se construindo a cada instante. 


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Foto: J. Finatto 

terça-feira, 10 de maio de 2011

A hora da solidão

Jorge Adelar Finatto



Porque a vida é breve, não há certeza de nada e a grande arte é levantar-se depois do tombo. Porque o amor roçou o coração como um vento frio e foi embora. Porque há uma casa na sombra e alguém abandonado lá dentro. Porque ele a procurou em muitos lugares. Porque sente que ela não voltará. Porque a noite chegou e ele não sabe o que fazer com o que restou da sua presença. Porque precisa vencer sozinho o medo do escuro. Porque é hora de varrer os destroços, reinventar a vida e não morrer de solidão.


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Foto: J. Finatto 

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Ausência

Jorge Adelar Finatto




Eu chamo teu nome
                            no escuro
no escuro meus olhos procuram
                                       procuram
até secar de tanta espera



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Poema do livro Claridade, Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 1983.
Foto: J. Finatto
 

sábado, 7 de maio de 2011

Maureen Bisilliat: exposição de fotografias sobre o universo de João Guimarães Rosa



“Aprecio imagens aliadas à escrita, frases escolhidas definindo melodicamente a linha da orquestração. Em livros como os de Diane Arbus (1923-1971), de Nan Goldin (1953), há essa orquestração: ritmos, silêncios, acordes, vazios. A palavra, escolhida da produção literária ou pinçada do testemunho biográfico, vem da fala íntima da pessoa, destilada. Seria quase como escrever com a imagem e ver com a palavra.” (Maureen Bisilliat)

A exposição A João Guimarães Rosa permite um olhar simultâneo sobre a produção fotográfica e a produção editorial de Maureen, revelando tanto a fotógrafa como a editora de imagens e textos nesta exposição sobre Guimarães Rosa e o universo do sertão brasileiro e dos seus personagens. Os seus ensaios fotográficos foram sempre concebidos e apresentados em fortes sequências visuais que sintetizam a visão da autora sobre os universos do real e do imaginário, compondo aquilo que denomina de equivalências fotográficas das obras literárias que nortearam o seu trabalho.

Maureen Bisilliat nasceu em Englefieldgreen, Surrey, Inglaterra, em 1931. Estudou pintura com André Lhote em Paris (1955) e no Art Students League em Nova Iorque (1957) antes de se fixar definitivamente no Brasil em 1957, na cidade de São Paulo. Trabalhou como fotojornalista para a Editora Abril entre 1964 e 1972. Autora de importantes livros fotográficos inspirados em obras de grandes escritores brasileiros, expõe em 1985 em sala especial na 18ª Bienal Internacional de São Paulo. Em Dezembro de 2003, a sua obra fotográfica completa, composta por cerca de 16.000 imagens, foi incorporada no acervo fotográfico do Instituto Moreira Salles (IMS) no Rio de Janeiro em função da sua inquestionável relevância no âmbito da fotografia e da cultura brasileiras.

A Casa Fernando Pessoa e o Instituto Moreira Salles sentem-se honrados em trazer esta exposição para Portugal, pois entendem que a síntese entre imagem e texto que Maureen Bisilliat realiza nesta mostra em homenagem a Guimarães Rosa possibilitará ao público português aproximar-se ainda mais deste autor da língua portuguesa que reflecte e regista na sua obra aspectos profundos e determinantes da cultura brasileira, evidenciados igualmente nas marcantes imagens de Maureen aqui reunidas.

A exposição conta ainda com o apoio do Bairro Alto Hotel.


Câmara Municipal de Lisboa
Casa Fernando Pessoa
R. Coelho da Rocha, 16
1250-088 Lisboa
Tel. 21.3913270
Autocarros: 709, 720, 738 Eléctricos: 25, 28 Metro: Rato

Notícia e imagem reproduzidas do site da Casa Fernando Pessoa. A grafia é de Portugal.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

O cão vermelho

Jorge Adelar Finatto


Na seção de classificados do jornal, leio o anúncio: procura-se cão, cor vermelha, cego de um olho, que atende pelo nome de Pirata. Gratifica-se quem devolvê-lo ao dono.

Pirata, cego de um olho, vermelho, imagino que só pode pertencer a um velho homem do mar, alguém que, aposentado das artes da navegação, fixou-se no continente com o animal de estimação.

Provavelmente o cão fez a volta ao mundo várias vezes com seu capitán.

Pirata estranhou, talvez, a vida em terra, viu-se tão perdido que se perdeu na cidade. O pobre cachorro deve estar mareado com tanta violência, indiferença e falta de horizonte. No navio ele era único, o cão do seu capitán. Aqui é apenas mais um desconhecido, ninguém se importa.

A cidade não presta atenção em quem vai, em quem chega, em quem desaparece. Tudo some em suas ruas, em seus dramas, em seus obscuros labirintos. Anônimos, cada um de nós carrega sua solidão, sua dificuldade de viver, sua falta de abraço. Ainda que nos pintássemos de vermelho, como Pirata, decerto ninguém ia notar. Muitos não teríamos sequer um dono para reclamar por nós num anúncio de jornal.

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Foto: J. Finatto. Porto Alegre, vista do barco.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Don't leave me

Jorge Adelar Finatto
to Chet Baker




Don´t leave me
provide the night
with your suplly
of affection

fill the desert
with your steps

in secret
give me back
the daintiness
of those days

give me once again
the diamond
of your
presence

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Poem from the book O habitante da bruma, Editora Mercado Aberto, Porto Alegre, 1998.
Foto: J. Finatto

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Bin Laden e o silêncio da justiça

Jorge Adelar Finatto

Somente a realização da justiça é capaz de estabelecer a paz e a verdade. Execuções sumárias, por mais eficazes e espetaculares que pareçam ser, não têm este poder.

A morte de Osama bin Laden por um comando militar americano, no Paquistão, foi divulgada e celebrada pelo presidente Barack Obama. Disse o governante dos Estados Unidos que o mundo está mais seguro agora. Será tão simples assim?

Perdeu-se, na verdade, uma boa oportunidade de avançar na construção de uma ordem jurídica e judicial internacional. Osama era tido como terrorista número um do planeta, líder da Al Qaeda, grupo responsável, segundo fontes norte-americanas, pelos atentados de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, que fizeram cerca de 3.200 mortos.

As terríveis cenas dos ataques terroristas contra as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, falam por si. Poucas vezes no mundo se viu tamanha monstruosidade. Jamais se apagarão da memória humana as imagens dos aviões com passageiros sendo jogados sobre os edifícios e explodindo. A revolta da sociedade americana e mundial contra os atos de barbárie é perfeitamente compreensível e aceitável.

Todavia, o enfoque dos Estados Unidos e de outros países que também foram atingidos pelo terror, como Espanha e Inglaterra, deveria ser sempre o da persecução, prisão e julgamento dos responsáveis. A vingança, seja entre particulares ou aquela perpetrada pelo Estado, não se confunde com justiça.

A separação dos poderes do Estado foi uma das mais importantes conquistas da humanidade. Cabe ao Judiciário o julgamento, dentro das regras legais, entre as quais o direito de ampla defesa e a publicidade do processo. Não existe qualquer dúvida de que culpados por crimes de terrorismo devem ser punidos com absoluto rigor, mas isso deve ocorrer observando-se a lei.

O que houve, neste caso, foi o julgamento midiático de Osama bin Laden, baseado, fundamentalmente, em informações e conclusões das autoridades americanas. A opinião pública se formou em torno disso. Não houve empenho por um julgamento judicial, como se requer de nações ditas civilizadas e do Estado democrático de direito.

A captura e o julgamento de Bin Laden eram fundamentais para desarmar os espíritos, apontar um novo rumo nas relações internacionais, além de ser um marco no enfrentamento do terrorismo que se articula em várias regiões do mundo. Alguns arguem que seria impossível capturá-lo vivo. Será mesmo? Ao menos se tentou? Informações ontem divulgadas pelo porta-voz da Casa Branca dão conta de que o terrorista estava desarmado no momento do ataque.

O que este episódio revela, na essência, é a concretização de um ato de execução contra quem foi considerado responsável por uma das mais tristes tragédias de que se tem conhecimento na história. Isto, contudo, não é fazer justiça e dificilmente tornará o mundo um lugar mais seguro e melhor para se viver.