sábado, 17 de julho de 2010

Presença

Jorge Adelar Finatto



Me tens aqui lutando
com secas palavras
para iluminar a treva
que nos reúne
em torno do lume
do poema

me tens aqui solidário
beirando a primavera
beirando os trintanos
com raros bens materiais
e nenhum privilégio
de credo ou classe

às vezes louco
às vezes patético
com poucos seres humanos
pra repartir
alguma coisa

me tens aqui poeta
num país injusto e sofrido
caminhando à beira de um rio

a sujeira flutua nas águas
os pobres equilibram-se
em perigosas palafitas

me tens aqui poeta lírico
cada dia mais lúcido

como a primavera
eu invado de repente
a sala adormecida
o coração desabitado

não tenho uma saída
para os dramas
que andam por aí
sequer possuo soluções
plausíveis
para os atrapalhos
cotidianos

o que posso oferecer
e ora ofereço
é essa canção discreta
para dissipar a sombra

um braçada de flores
no inverno

______

Do livro O Fazedor de Auroras, Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, 1990.

Foto: J. Finatto

2 comentários:

  1. Este é um daqueles poemas que me levam, quase imediatamente, aos meus tempos de consciência e luta, quando ainda podia bater à porta da Utopia. E havia gente do outro lado...
    De uma beleza e de um lirismo visceral, de vibrar as cordas da alma em uníssono.
    Este teu livro, que faz aniversário junto com o meu, é um trabalho que o IEL deveria reeditar.
    Pena que a Cultura seja uma coisa cada vez menos pujante aqui neste RS, principalmente a Cultura que depende do Poder Público.

    Grande abraço.

    Ricardo Mainieri

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  2. Meu caro poeta Ricardo,

    pessoas que amam a poesia - e a claridade que ela traz - sabem que a vida é algo maior, muito maior, do que aquilo que vemos em nossa volta, essa miséria espiritual.
    Cada dia pode ser uma celebração em cada coisa que fazemos. O poema é uma celebração discreta, cálida, convivente.
    A tua palavra transcendente e lúcida é partilha.

    Muito obrigado e um forte abraço.

    JF

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