Me tens aqui lutando
com secas palavras
para iluminar a treva
que nos reúne
em torno do lume
do poema
me tens aqui solidário
beirando a primavera
beirando os trintanos
com raros bens materiais
e nenhum privilégio
de credo ou classe
às vezes louco
às vezes patético
com poucos seres humanos
pra repartir
alguma coisa
me tens aqui poeta
num país injusto e sofrido
caminhando à beira de um rio
a sujeira flutua nas águas
os pobres equilibram-se
em perigosas palafitas
me tens aqui poeta lírico
cada dia mais lúcido
como a primavera
eu invado de repente
a sala adormecida
o coração desabitado
não tenho uma saída
para os dramas
que andam por aí
sequer possuo soluções
plausíveis
para os atrapalhos
cotidianos
o que posso oferecer
e ora ofereço
é essa canção discreta
para dissipar a sombra
um braçada de flores
no inverno
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Do livro O Fazedor de Auroras, Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, 1990.
Este é um daqueles poemas que me levam, quase imediatamente, aos meus tempos de consciência e luta, quando ainda podia bater à porta da Utopia. E havia gente do outro lado...
ResponderExcluirDe uma beleza e de um lirismo visceral, de vibrar as cordas da alma em uníssono.
Este teu livro, que faz aniversário junto com o meu, é um trabalho que o IEL deveria reeditar.
Pena que a Cultura seja uma coisa cada vez menos pujante aqui neste RS, principalmente a Cultura que depende do Poder Público.
Grande abraço.
Ricardo Mainieri
Meu caro poeta Ricardo,
ResponderExcluirpessoas que amam a poesia - e a claridade que ela traz - sabem que a vida é algo maior, muito maior, do que aquilo que vemos em nossa volta, essa miséria espiritual.
Cada dia pode ser uma celebração em cada coisa que fazemos. O poema é uma celebração discreta, cálida, convivente.
A tua palavra transcendente e lúcida é partilha.
Muito obrigado e um forte abraço.
JF