sexta-feira, 20 de agosto de 2010

A pensão dos viajantes solitários


Jorge Adelar Finatto



A cidade é onde o abandono é dono.

As praças vazias onde me quedo ouvindo falecidas conversas.
Bardo obscuro e tabelião em Passo dos Ausentes, eu vivo os interstícios. Os ásperos padecimentos da humana travessia. A bordo de um frágil e ridículo corpo existimos. Ninguém sabe até quando.

Cheio pela borda de cansaços e desejos. Quem houvera nesta vida me escutasse os ais.

Viver é assunto proceloso e bem escuro.

As coisas que não aconteceram são as que mais se afeiçoam na minha lembrança. A biografia que merece os veros registros: a dos não-acontecimentos.

Por isso estou aqui. Me inventando, me contando.

Sou o bardo barroco, ressuscitado em salvadoras prosopopeias. A obsessão pela música interior. Essa que me faço. Conjuro o venturoso canto.

Não me interessa a realidade. Quem tiver a realidade, que a bem guarde e embale.

Sou viajante de um tempo que se esfuma.

A saudade é um retrato em branco e preto na gaveta da memória. Os destroços de cada um.

O meu coração habita um quarto de pensão. A pensão se chama Ao viajante solitário.

Às vezes penso que o mundo é uma grande pensão. A pensão dos viajantes solitários. A existência é um fio de orvalho estendido de manhãzinha sob o sol.

Somos parceiros das nuvens.

Caminho para o lugar mero do esquecimento.

Eu, Landgrave dos Santos Esquecido, inquilino do absurdo, de tudo dou fé e assino. Passo dos Ausentes, nos Campos de Cima do Esquecimento, Rio Grande do Sul.

Primavera, primaveras.

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Do livro Calado observador do fim do mundo, Editora Vésper, Passo dos Ausentes, 2010.
photo: j.finatto

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