quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A pensão do tempo

Jorge Adelar Finatto


O tempo, como se sabe, é um quarto de pensão. Num dia estamos hospedados e, noutro, não estamos mais. O viajante chega ao mundo com a mala  repleta de difíceis trabalhos. Vai morar na pensão. Trata de sobreviver e nessa lida empenha seus melhores dias. Em certo momento, vem o gerente da pensão e avisa que está na hora de ir embora.  Indignado, o viajante protesta: mas como, excelência, eu pago a hospedagem em dia, faço enorme esforço pra não me desentender com os demais hóspedes (o que nem sempre é fácil), levo uma vida honesta, luto pra fazer a coisa certa e, agora, quando a vida começa a melhorar, vem o senhor e me manda embora? Isso não é justo. Peço que reconsidere. O gerente, onipotente, diz tem gente esperando a vaga do quarto, você jamais foi dono de nada, isto aqui é uma pensão, um lugar de passagem, lembra? Nunca houve promessa de quarto eterno. O senhor tem de partir. Mas pra onde, pergunta o perplexo viajante, depois de todos os sacrifícios, é isso que me espera? Não faz sentido.  E quem disse que tem que ter sentido? Arrume a mala e vá para a estação. O seu trem não demora a chegar. O viajante fica em silêncio. Desiludido, fecha os olhos. Uma cálida lágrima escorre pela face.

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4 comentários:

  1. Este texto, de aparente simplicidade, encerra uma profunda lição de vida.
    Estas palavras bem poderiam ter sido escritas por um budista, um hinduista ou espiritualista.
    A consciência que habitamos um corpo temporário que vai, num determinado momento, partir para a longa viagem da alma.
    Dai, quem sabe, nossas existências anteriores se descortinem e posssamos ver nossa totalidade. Algo que Jung chamou de inconsciente coletivo, outros de registros akássicos ou, ainda outros, de corpo búdhico.
    Quem sabe, assim, podemos pensar que temos muito a evoluir, ainda.
    Lindíssimo texto!

    Abraço.

    Ricardo Mainieri

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  2. Adorei o texto Adelar, nele pode-se ver a frugalidade da existência. Vivemos trancados em nossos casulos particulares sem se dar conta de que tudo é efêmero. Somente o amor não é efêmero,ele é o guardião de n/vida.Sem ele não somos nada, pois, como cantava Mercedes Sosa, "EL TIEMPO ÉS VELOZ',então, brindemos a vida junto com os que nos amam. Bjs. Nilsa

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  3. Ricardo,

    um amigo, Carlos Souza, disse que quem tem um leitor como Mainieri tem uma multidão. E não é que é isso mesmo?

    Grande abraço, meu amigo.

    JF

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  4. Querida Nilsa,

    é isso mesmo, a tua poesia anda de mãos dadas com a sabedoria, e isso é algo belo e humano.

    Um grande abraço do primo.

    Adelar

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