Jorge Adelar Finatto
Nas manhãs de sábado, ele costuma ficar sentado perto da janela da sala do apartamento, tomando mate e lendo alguma coisa, como agora. Não olha pra nada em especial lá fora, não há o que ver, só edifícios com gente sozinha dentro. Peixes vivendo no aquário. Começa a chover. Ele fecha o vidro.
Faz dois anos que ela foi embora, numa manhã assim. Disse que não queria chegar aos 30 ao lado do cara errado. O cara errado. O último café juntos. Não consegue esquecer. Será talvez um número mágico, um prêmio de loteria, a pessoa certa?
Ficou esse frio no coração. A coisa dolorida. Antes de fechar a porta, ela pediu que ele cuidasse dos peixes. Havia comprado o aquário antes de se conhecerem. Qualquer dia volto pra buscar, ela falou, tchau.
Ficou esse frio no coração. A coisa dolorida. Antes de fechar a porta, ela pediu que ele cuidasse dos peixes. Havia comprado o aquário antes de se conhecerem. Qualquer dia volto pra buscar, ela falou, tchau.
Às vezes ele olha os dois peixinhos de perto. Eles mexem a boca como se dessem beijos junto ao vidro. Ele percebe nos seus olhos o mesmo vazio de quando se vê no espelho.
O apartamento ficou grande demais para os três. Se ao menos o telefone tocasse.
O coração todo errado.
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Foto: J. Finatto sobre ilustração de Maria Machiavelli.
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