O regalório das trevas este mundo é.
Ofício neblinoso em mim reinventado, me fiz poeta. Eu, Farandolino Brouillon, inquilino da quimera.
Os fanicos da alegria no meu coração. Remendos que tecem esperanças. As coloridas e rasgadas vestes com que a melancolia se veste. No interior das pedras se ouvem vozes.
Agora é tempo morto. Espírito morto. Semente clara germina no fundo do meu silêncio.
Ah, quem dera a palavra em mim renascida. As tardes no banco da praça, o invisível canto dos pássaros que um dia foram.
Os cavalos do oblívio atravessam a ponte. Algaravia nos cascos vermelhos. Moro nesse sertão entre as nuvens que é Passo dos Ausentes. Sou poeta num tempo trevoso. Esse da morte do espírito. O que se vê. A arte do esquecimento tem uma única lei, o estatuto da deslembrança. O espírito está morto. Eu recolho o que sobra, o farelo das horas, o farelo do farelo.
A pouca migalha do viver. As musas nem aí diante do triste espetáculo. A pétrea indiferença dos habitantes do gelo. Os afundados na coisa crua. Vivo agora os difíceis dias do abismo. Sentimento enclausurado. Lágrimas são gotas salgadas (e quentes) que escorrem na face fria. A melancolia do córrego.
Os Campos de Cima do Esquecimento. Moro no chapadão sobre as nuvens. Acorrentado estou no alto penedo. Arrosto as flechas geladas dos ventos. Eu viajante audaz do esquecimento, mergulhado nos haveres da sobra. O farelo. Espero dias de brisas leves e suaves poemas campestres. Os impossíveis remansos no estar no mundo. Sou o desconhecido poeta, morador do chapadão.
Esse tal, esse que vem diante de vossa elevada ausência. Esse. Uns dizem filosofia, sintaxe, eu digo viver nessa miséria. Vivo esse tempo cevado na barriga da escuridão, adaga atravessada no peito. A nossa passagem no mundo.
O que vejo dentro do claustro: a face iluminada de Deus. As manhãs se fabricam no poço violento da noite. Ah, essas desoladas horas passadas aqui no sertão das nuvens. A fé é um ranchinho branco em cima do chapadão com a porta aberta, fumaça branca na chaminé, entre camélia e jasmim. Esse lugar onde resisto. O frio glacial, a tamanha ausência.
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Farandolino Brouillon, poeta, colecionador de crepúsculos, estudioso do estranho fenômeno das estrelas cadentes nos céus de Passo dos Ausentes.
Fotos: J. Finatto 1) Ponte na neblina, Laje de Pedra, Canela 2) Pátio do rancho de Farandolino Brouillon.
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