Jorge Adelar Finatto
Caminho na tarde fria de Passo dos Ausentes. Ando à procura de ar limpo e claro. Sim, ar bom pra respirar no fatigado cenário de fim de outono (que pode ser, também, de fim de mundo). Nunca se sabe, do jeito que a coisa vai. Na bruma literária dos cartapácios, o mundo está acabando desde que avô Adão e avó Eva - dizem - foram expulsos do jardim. Quem sabe?
O planeta na capa da gaita, tanta coisa triste acontecendo em todo lugar, tanta gente ruim estragando a vida dos outros. Exausto e sem ver muita saída (a não ser a estrada que me tira de onde não quero estar), subo a serra e saio a perambular.
É preciso fugir sempre do ar sinistro das salas. Quero estar caminhando numa estrada de chão batido como essa no dia em que tudo acabar (refiro-me ao meu fim de mundo pessoal, que o outro é mui vago e, se Deus quiser, não vai acontecer). Deus haja.
É preciso fugir sempre do ar sinistro das salas. Quero estar caminhando numa estrada de chão batido como essa no dia em que tudo acabar (refiro-me ao meu fim de mundo pessoal, que o outro é mui vago e, se Deus quiser, não vai acontecer). Deus haja.
A névoa faz o trabalho de embaçar as espessas lentes dos óculos e molha o capote de lã azul.
Paciência, é preciso ter muita paciência. Não esquecer de cultivar paciência. Em todo caso, é bom ter uma grande paciência. Ando devagar para exercitar paciência e assim evitar ridículas quedas de andarilho de pouca visão. A valorosa máquina de fotografia, velha e boa Coruja, engatilhada na mão. Arma contra o lado obscuro.
Percebo o quanto o inverno mandou notícias através de seus mensageiros e eu não vi. Oficialmente o inverno chegará ao hemisfério austral em 21 próximo, mas suas tropas já avançaram sobre esta cidade perdida nos Campos de Cima do Esquecimento.
O general nevoeiro com seus enormes fios de cabelo e barba prateados vem à frente, montado no cavalo de nuvem.
O general nevoeiro com seus enormes fios de cabelo e barba prateados vem à frente, montado no cavalo de nuvem.
Entre galhos desfolhados, árvores esquálidas, ninhos vazios a descoberto, imagens imprecisas, abre-se, por um efêmero momento, em meio às lentes de fundo de garrafa, a luzerna do céu sobre a água.
Uma breve, rara aquarela. Não dura mais que poucos instantes, o suficiente para iluminar os ramos e a alma. Talvez pra lembrar que há sempre um recomeço. E que nada está perdido.
Uma breve, rara aquarela. Não dura mais que poucos instantes, o suficiente para iluminar os ramos e a alma. Talvez pra lembrar que há sempre um recomeço. E que nada está perdido.
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Foto: J. Finatto
Bonito!
ResponderExcluirObrigado, Mayara.
ExcluirUm abraço.
Jorge