Jorge Adelar Finatto
photo: j. finatto |
Penso no quanto esta data, Dia dos Pais, é um atrapalho na vida de muita gente que não tem pai. Vivemos num país em que a paternidade amorosa e responsável ainda é exceção.
Mãe presente, pai ausente, esta é a realidade da maioria das famílias brasileiras.
A figura paterna, na vida de milhões, é um retrato sem rosto.
No tempo de menino, costumava faltar à escola no dia dessa comemoração. Sem pai, ficava muito difícil participar. Notava certo estranhamento por parte dos colegas e mesmo de alguns professores, em relação a nós, os sem pai. Nos olhavam como se carregássemos um grave defeito.
Antonio Carlos Jobim, o nosso grande maestro, disse em certa ocasião, citando uma frase do escritor Pedro Nava: “Quem fica órfão em tenra infância segue pela vida sem um braço”. Referia-se Tom à circunstância de ter perdido o pai muito cedo, quando tinha apenas oito anos. ¹ Seu pai, e da mana Helena, Jorge Jobim, era gaúcho de São Gabriel.
A ausência paterna é um dado cultural e sociológico do Brasil. Não sei a extensão disso em outros países. Entre nós, o problema começou já no início da colonização portuguesa. Os colonizadores vinham para cá sem mulher e sem família, para aventurar, fazer fortuna e depois regressar ao país de origem.
A população portuguesa, na época do descobrimento, não era suficiente sequer para ocupar o seu próprio território. Diferente da situação ocorrida nos Estados Unidos, em que o colonizador inglês chegava com a família para tomar posse da colônia e ali construir a vida.
Iniciou-se no Brasil violenta exploração sexual de mulheres índias e de negras escravas. Com o advento das casas grandes, o abuso de negras cativas tornou-se comum por parte dos senhores de escravos. Os filhos varões desses proprietários de gente iniciavam a prática sexual na senzala. Nasceram legiões e legiões de filhos mulatos, que naturalmente não eram reconhecidos. As crianças se criavam sem pai, porque só havia a mãe, e todos trabalhavam desde cedo para os donos da propriedade. ²
Contudo, a violência e as privações sofridas por nossas ancestrais índias e negras não apagaram nelas o traço da maternidade. Foram mulheres lutadoras que levaram a vida adiante com seus meninos e meninas sem pai. Passaram esse amor e esse compromisso para as gerações futuras.
O Brasil é fruto desses ventres antigos e sofridos.
A sociedade brasileira tem na expressão materna o núcleo não apenas da geração da vida como de sustentação da nossa frágil organização social.
Disso, desta falta de compromisso paterno, colhemos ainda hoje o bem e o mal.
Os homens, por falta de educação voltada à responsabilidade familiar, muitas vezes não assumem com clareza seu papel. E se acomodam numa espécie de limbo, incentivados pela cultura em que são criados.
Isto está mudando? Acho que sim, tomara que sim.
De modo que, nesse Dia dos Pais, minha homenagem vai para todas as mães que estão ao lado de seus filhos e filhas sem pai, criando-os amorosamente, às vezes sem nenhum apoio, na raça, porque isto é a coisa certa a fazer.
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¹ Caderno de Literatura da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul. Porto Alegre , Ano V, número 9, pág. 9, 2001.
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