Jorge Adelar Finatto
ilustração: Clarinha Moura |
O peixe Moisés está vivo dentro do rio. Ele costuma me acompanhar nas navegações que faço pelo Guaíba no meu barco de papel. Vai feliz, saltando pelos lados do Sonhador. Mas é nos dias em que o barco se chama Solitário que sua companhia me é mais cara.
Às vezes, Moisés vem à superfície e observa a cidade. Coisa estranha. Tanto barulho, tanta fumaça, tanta agitação. No fundo do rio é tudo silencioso. Não existe gente apressada e infeliz.
Está muito difícil viver no interior das águas, ele diz. A cidade joga muito lixo no rio. No leito submerso, há pneus velhos, garrafas, sapatos, objetos inumeráveis. Até sofá, geladeira e televisão jogam no rio. Não é fácil viver como peixe nesse ambiente "humanizado".
Por isso, Moisés se afasta cada vez mais da beira da cidade, vai nadar lá longe, quer ficar distante da sujeira. Por isso, é raro ver um peixe de perto, à flor dágua, brilhando sob o sol. Por isso, para a maioria das pessoas o peixe é apenas uma imagem que habita as páginas de livros, revistas e telas de computador.
Se não cuidar do peixe e do rio, o homem vai acabar também como a imagem de algo que não existe mais, uma recordação do passado, um fantasma numa cidade abandonada.
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