sábado, 11 de agosto de 2012

Jorge Amado

Jorge Adelar Finatto


Nos 100 anos do nascimento de Jorge Amado, comemorados ontem, 10 de agosto, reproduzo este depoimento. Salve, Jorge.

Antes de enveredar para o Direito e depois para a magistratura, trabalhei como jornalista, após fazer a faculdade de jornalismo. Em dezembro de 1984, tive oportunidade de entrevistar Jorge Amado (1912 - 2001). A entrevista foi marcada através de carta e telefone. Na época eu escrevia sobre a vida e a obra do porto-alegrense Alvaro Moreyra (1888 - 1964).

Jorge Amado concordou em dar um depoimento. Fiquei feliz com a atenção do grande escritor baiano, que na ocasião veio a Porto Alegre autografar o romance Tocaia Grande, lançado naquele ano. Aproveitei e pedi que assinasse o exemplar do livro que havia comprado especialmente para o encontro.

A entrevista durou cerca de uma hora e meia no saguão do hotel. Zélia Gattai, sua mulher e também escritora, deixou-nos à vontade para a conversa. Naquele tempo, o casal Amado residia uma parte do ano em Paris e outra, no Brasil. Jorge gostava de modo especial do outono parisiense. Em Salvador encontrava dificuldade de escrever devido à procura dos leitores, jornalistas e mesmo turistas, que queriam conhecer a casa onde morava o criador de Gabriela, cravo e canela.

Não tenho dúvida de que o que o levou a concordar com a entrevista foi o respeito, a admiração e o carinho que nutria pelo amigo Alvaro Moreyra, cuja casa passou a frequentar desde que chegou ao Rio de Janeiro, ainda muito jovem.

Pedi-lhe que falasse, entre outros assuntos, sobre o que representou a casa de Alvaro e Eugênia Moreyra, na rua Xavier da Silveira, 99, em Copacabana, na qual o casal passou a morar a partir de 1918. Assim respondeu:

"A casa de Eugênia e Alvaro Moreyra, ali em Copacabana, é um dos centros da vida literária e cultural do país. Essa casa, na rua Xavier da Silveira, número 99, era uma espécie de estuário onde desembocavam as inquietações culturais da época, sobretudo na literatura. Ali compareciam os jovens escritores, principalmente aqueles ligados à esquerda, ao Partido Comunista, à juventude comunista (aquilo que depois foi a Aliança Nacional Libertadora). Ali vinha todo mundo. Aquela casa aberta foi minha casa naquele tempo. Para os escritores que, como eu, chegaram ao Rio no início dos anos 30 - eu tinha então dezoito anos - a convivência com Alvaro e Eugênia foi muito importante. Quase todas as noites eu ia lá. Esse convívio foi bastante intenso até por volta de 1935. Depois, com o Estado Novo, as coisas se modificaram. A atmosfera do 99 estava de acordo com a calma e a bondade de Alvaro e com a enorme energia de Eugênia, que ao lado de suas atividades como mãe de família, atriz e militante política da esquerda, encontrava tempo para fazer aqueles panelões de lentilha para alimentar os visitantes. Como Alvaro era um homem de poucos recursos, havia sempre num canto da sala uma espécie de caixa onde cada um colaborava com alguns vinténs para comprar a comida."

A imagem que guardo de Jorge Amado é a de um homem extremamente talentoso e simples, afável no trato, preocupado em preservar a memória cultural e histórica do nosso país, e mais aquela capacidade que ele tinha de ser afetivo.

O importante escritor que ele foi, é e sempre será se explica, também, pela sua grande figura humana.

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Foto: Jorge Amado. Fonte: Fundação Casa de Jorge Amado, Salvador, Bahia, site:
www.fundacaojorgeamado.com.br
Texto publicado em 12 de julho de 2010.

2 comentários:

  1. Adelar, tu teves alguns encontros maravilhosos com pessoas que, infelizmente, partiram deste mundo, mas que são o que de melhor a cultura brasileira teve.
    Bem, me lembro destes tempos meio heróicos em que os encontros eram presenciais e longamente desenhados e aguardados.
    Está um primor este depoimento de Jorge Amado. Nele se pode ver a generosidade que ele conferiu também a seus personagens, sempre intensamente brasileiros.

    Abraço.

    Ricardo Mainieri

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  2. Ricardo.
    A parafernália tecnológica hoje existente devia aproximar mais as pessoas. Mas não vejo isto acontecer. Parece-me que perdemos a simplicidade. Acho que éramos mais disponíveis ao convívio, mais pessoais, íntimos.
    Apesar da lentidão, tenho saudades dos tempos do carteiro. Não me leve a sério, são rabugices de um ser das cavernas.
    Um abraço.
    A

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