Jorge Adelar Finatto
"Eu vinha sem raiva nem desejo - no fundo do coração as feridas mal cicatrizadas, e a esperança humilde como ave doméstica - eu vinha como um homem que vem e vai, e já teve noites de tormenta e madrugadas de seda, e dias vividos com todos os nervos e com toda a alma, e charnecas de tédio atravessadas com a longa paciência dos pobres - eu vinha como um homem que faz parte da sua cidade, e é menos um homem que um transeunte, e me sentia como aquele que se vê nos cartões postais, de longe, dobrando uma esquina - eu vinha como um elemento altamente banal, de paletó e gravata, integrado no horário coletivo, acertando o relógio do meu pulso pelo grande relógio da estrada de ferro central do meu país, acertando a batida do meu pulso pelo ritmo da faina quotidiana - eu vinha, portanto, extremamente sem importância (...)"
Rubem Braga, trecho da crônica Visão, Rio, novembro, 1952.*
photo: j.finatto |
Não sei há quanto tempo não pegava este livro na estante. Fazia certamente muitos anos.
Subi na escadinha na altura dos autores de letra b. Lá estava, vertical e querendo ser folheado outra vez, A Borboleta Amarela, de Rubem Braga.
Um livro bonito a começar pelo título. A bela capa branca silenciosa com o desenho da borboleta. A contracapa amarela com o título em letras vermelhas.
A folha de rosto tem uma assinatura com caneta esferográfica azul, mas foi toda riscada. Provavelmente ao vender o livro para o sebo, o anterior proprietário riscou seu nome. Ou foi o próprio dono do sebo, sei lá. Imagino que é triste se desfazer de um livro de que se gosta. E há uma data assinalada perto do nome: 1969, mesmo ano da edição.
No interior da orelha, meu nome e o ano em que adquiri o livro: 1977. Eu era então bem pobre e não comprava livros sem sacrifício, mesmo com o preço barateado do sebo.
No sábado foi o aniversário de 100 anos de nascimento de Rubem Braga (12 de janeiro de 1913 - 19 de dezembro de 1990), um dos grandes cronistas brasileiros.
Reli algumas crônicas da Borboleta. São textos publicados entre janeiro de 1950 e dezembro de 1952 no Correio da Manhã e em outros jornais. Anos antes, durante a Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945), o escritor fez a cobertura da participação da Força Expedicionária Brasileira no conflito.
Parece que foram escritos para a edição de hoje do jornal, estão ainda frescos e macios esses textos do velho Rubem. Um senhor livro.
No sábado foi o aniversário de 100 anos de nascimento de Rubem Braga (12 de janeiro de 1913 - 19 de dezembro de 1990), um dos grandes cronistas brasileiros.
Reli algumas crônicas da Borboleta. São textos publicados entre janeiro de 1950 e dezembro de 1952 no Correio da Manhã e em outros jornais. Anos antes, durante a Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945), o escritor fez a cobertura da participação da Força Expedicionária Brasileira no conflito.
Parece que foram escritos para a edição de hoje do jornal, estão ainda frescos e macios esses textos do velho Rubem. Um senhor livro.
Valeu a pena cada centavo que investi nesse e em outros livros. Eles foram para mim fonte de beleza, esperança e talvez salvação (quando não se tem quase nada, um bom livro faz uma grande diferença) .
A poesia dessa Borboleta Amarela, tanto tempo depois, ainda voa com graça e encanto pelo jardim da estante.
A poesia dessa Borboleta Amarela, tanto tempo depois, ainda voa com graça e encanto pelo jardim da estante.
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*A Borboleta Amarela, crônicas. Rubem Braga. Editora Sabiá, 4ª edição, Rio de Janeiro, 1969.
Leia excelente artigo de Augusto Massi, na Folha de São Paulo:
Rubem Braga entre Sartre, Matisse e Breton
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/1213565-rubem-braga-entre-sartre-matisse-e-breton.shtml
*A Borboleta Amarela, crônicas. Rubem Braga. Editora Sabiá, 4ª edição, Rio de Janeiro, 1969.
Leia excelente artigo de Augusto Massi, na Folha de São Paulo:
Rubem Braga entre Sartre, Matisse e Breton
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/1213565-rubem-braga-entre-sartre-matisse-e-breton.shtml
Os grandes cronistas, Adelar, tinham isso, este dom de pintar de mais nuances nossas vidas, por vezes monocromáticas.
ResponderExcluirUm quê de poesia, outro tanto de observação arguta do cotidiano. O resultado: textos com encantamento.
Para mim a trindade da crônica foi: Rubem Braga, Fernando Sabino e Paulo Mendes Campos.
E você, Adelar, soube observar bem a lição dos grandes mestres.
Abraço.
Ricardo Mainieri
É, a crônica é um texto vivo. Outro grande cronista, magnífico pela intimidade com a palavra e a construção da frase, sempre rica e inesperada, é o pouco lembrado Alvaro (sem acento) Moreyra.
ResponderExcluirUm abraço, caro amigo Ricardo.
A.