Jorge Adelar Finatto
photo: j.finatto |
O habitante da água-furtada sobrevive na memória de um sótão. Veja este álbum invisível que se abre como um segredo sobre a tela do computador.
Aqui está a casa velha de pinheiro, a parreira no quintal amadurecendo a uva moscatel, a janela aberta sobre o telhado para o Vale do Olhar, a horta com seus aromas e gostos do passado, os pintos correndo no pátio ao lado da casa como pequenas bolas douradas.
O arroio atravessa o fundo do quintal, onde o menino molha a cabeça e os pés e depois se deita na margem, fecha os olhos e voa até as esferas celestes.
O arroio vem não se sabe de onde, passa pelo morador do oblívio e segue adiante, murmurante, risonho, leva os barcos de papel do menino mundo afora.
Hoje os mortos vieram visitar o menino, em silêncio sentaram-se em volta da mesa da sala diante dos retratos. Estavam com a cabeça baixa e sussurravam coisas caladas, suspiravam pelos dias vividos.
Os mortos vieram para o jantar na casa vazia. Depois foram desaparecendo lentamente, um a um, deixando um pó azul e branco no ar.
Os sonhos do menino não estão presos a nada. Em algum lugar bate o sino no meio da noite. O menino da água-furtada abre os olhos.
Tudo ainda tão vivo no coração.
Pedaços de seda coloridos pendurados nos galhos das árvores balançam ao vento.
A solidão descarnada das horas no sótão.
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