sábado, 12 de janeiro de 2013

Virgílio fugindo da treva

Jorge Adelar Finatto 


photo: j.finatto. Passo dos Ausentes

 
Então houve quem falou: ah, esse não vinga, semente ruinzinha. Tem jeito de gente abandonada no olhar. Está de malas prontas pras brumas do mundo.

Pobre virgílio viajando nas páginas iletradas da vida. Tão moço, tão sem amanhã. As contumélias da existência afloram ao nascer do sol e vão até a noite. virgílio sem eira nem beira. Amargança das horas. Ser da palavra inventada.

Esperançoso virgílio (assim minúsculo, pequeno) com terninho preto curto, botina marrom, a magra mala na estação. Espera o trem noturno na estação. O último abraço de Juan Niebla, o cego tocador de bandoneón.

A palavra cálida do ceguinho no ouvido:

- Vai com Deus, meu filho, vai com Deus. Não desespere. Eu vou rezar. Não se esqueça de voltar. Eu vou esperar você aqui.
 
Viver são as partilhas, não importa quão escuro.

A lágrima morna, coração saltando pela boca. virgílio.

Os oráculos da merda falaram deveras as coisas que disseram: esse não volta, dele é o círio que queima ligeirinho no breve da vida. Vai-se ao fundo.

Quem sabe o quê, nessa quirera? Quem aposta um caco nas patas do destino?

virgílio foi-se pelas estradas sombrosas, rasgou o breu. Habitou o deserto, o deserto sem fundo de cada esquina ventosa. O deserto dos quartos tristes e das ruas nojentas da cidade grande.

Nas horas do estúrdio, sentado no banco da pracinha, comeu bolacha de água e sal, bebeu água de torneira pública na concha da mão. Com a pequena rede invisível, deitado no banco da praça, pescava estrelas antes de dormir.
 
Tem gente com medo de trovão. Outros temem a neblina espalhando calada.

Ele tem medo do que está do outro lado do espelho. Receia um dia olhar e não divulgar ninguém. Nem rosto nem mão nem nada.

Espelho cego. Irredutível ausência. (A lembrança de Juan Niebla na estação.)
  
O mundo é um baita invento, pensa virgílio. Só que a pessoa é muito sozinha.

(Saudade do cheiro da flor de manacá na estação de trem abandonada de Passo dos Ausentes. Saudade, saudades.)
 
O tempo passou. virgílio não se matou. Nem foi engolido pela boca do esgoto. Fez um caminho desesperado, inesperado, tanta luz cultivou no labirinto. Acendeu-se. Sobreviveu nas quebradas da city, emergiu da sua ausência.

virgílio plantou a árvore do sonho na cabeça, os galhos cresceram para dentro da realidade.

Os gerânios deflagram lilases e rosas na janela do bardo da palavra reconstruída.

A escuridão ficou lá atrás, atrozes dias.
 

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