Jorge Adelar Finatto
Uma tapera solitária, à beira da ruína, será o local de reuniões do Congresso dos Escritores Fantasmas de Língua Portuguesa, a realizar-se nos primeiros dias do outono em Passo dos Ausentes.
O evento é uma das principais atrações culturais dos Campos de Cima do Esquecimento, ao lado do festival Música do Fim do Mundo, que acontece em junho, e do Teatro Kabuki na Névoa, em novembro. A sessão de abertura ocorrerá no dia 22 de março próximo.
O fantasma de Fernando Pessoa está entre nós. Foi o que declarou ontem Heitor dos Crepúsculos, poeta suicida, assombração-mor da cidade, organizador do conclave. Disse, ainda, que o bardo português é o anfitrião designado para o congresso. Também já chegaram os fantasmas de Oscar Wilde, Rainer Maria Rilke e Bashô, convidados especiais que serão homenageados nesta edição.
Estão todos hospedados na pensão Ao Viajante Solitário, com ampla vista para o Vale do Olhar. O atual administrador do estabelecimento, António Alto da Noite, afirma que os fantasmas literatos não são maus hóspedes:
- Não comem nem bebem nada. Não usam o banheiro nem tomam banho. Em geral fazem silêncio. Às vezes arrastam móveis, principalmente nos dias de chuva (neste lugar chove pelo menos uma vez ao dia). Materializam-se a qualquer momento, mas não costumam demorar. É gente de sossego, leitura e sentimento. São estranhos, claro. Mas cada um no seu cada qual. No café da manhã, sentam-se calados ao redor da mesa, olhando um ponto invisível à frente. De repente, desaparecem. É o jeito deles.
A solidão da escrita será um dos temas do encontro, que terá ainda a leitura de textos pelos próprios autores na biblioteca da cidade, programa aberto ao público.
Mocita de La Vega, diretora da biblioteca e única funcionária, organiza o Salão dos Passos Perdidos para receber os poetas, escritores e convidados. Está tirando o pó dos móveis e livros e organiza o fichário, um tanto abandonado nos últimos 30 anos devido à falta de leitores (a população reduziu-se pela metade, a juventude não fica mais aqui). A diáspora dos ausentes.
Revelou a bela bibliófila que, ao passar o espanador numa mesa, ficou surpresa ao ver o fantasma do poeta Rilke sentado na poltrona diante da janela dos vitrais roxos. Vestia casaco e calça de lã cinza-escuros e uma gravata lilás sobre a camisa branca.
Ao ser descoberto, o poeta de Praga descruzou as pernas, esboçou um meio-sorriso e, levantando-se, convidou-a pra dançar. O vate das Elegias de Duíno segredou-lhe coisas à concha do ouvido. Um perfeito sedutor na palavra escrita como na falada, segundo Mocita. E saíram os dois a rodopiar entre as estantes, sob os lustres de cristal, bailarinos de um tempo fora do tempo, ao som de uma inaudível melodia sentimental.
Heitor dos Crepúsculos, acolhedor-geral do encontro, é a alegria em pessoa nos últimos dias, voa de um lado para outro, toma mil providências, fazendo esvoaçar sua echarpe cor-de-rosa. Materializa-se e desmaterializa-se com grande animação em toda parte, deixando no ar um pó branco cintilante.
Quando menos se espera, Dos Crepúsculos aparece sobre a copa de uma árvore estendendo um tecido de seda. Outras vezes, espalha bandeirinhas coloridas nos portais das casas ou desfiando novelos de lã em torno dos bancos da Praça da Ausência. Todos notamos um certo exibicionismo da parte de Heitor, mas afinal é o momento dele. E fantasmas são, por natureza, exibidos, do contrário não seriam fantasmas.
Passo dos Ausentes engalana-se para receber os voláteis escrevinhadores. Até jornalistas do Japão estão chegando para acompanhar o fantasmagórico evento.
Desde que a cidade foi fundada por alguns padres jesuítas e famílias de índios guaranis sobreviventes do massacre de São Miguel das Missões, em 1756, não se via tanto entusiasmo por estas bandas.
O blogue acompanhará de perto o congresso, que já tem confirmadas as palestras de Machado de Assis, Lima Barreto e Eugénio de Castro. A programação completa bem como o nome dos participantes serão divulgados nos dias vindouros.
Um painel que promete, segundo alguns comentam, é aquele sobre os escritores mortos-vivos, isto é, os que estão vivos mas não têm leitores. Cerca de 1.200 mortos-vivos já se inscreveram para este dia. A este respeito, assim se manifestou Heitor dos Crepúsculos:
- A parte do esquecimento que nos cabe, nesse mundo de ruidosas vaidades e egos exacerbados - o velho mundinho da literatura -, é pequena se comparada à dos escritores mortos-vivos. Nós, pelo menos, não temos contas pra pagar nem espelho em casa.
___________________
A solidão segundo Heitor dos Crepúsculos:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2013/02/a-solidao-segundo-heitor-dos-crepusculos.html
A cidade perdida: as origens
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2012/06/cidade-perdida-as-origens.html
O evento é uma das principais atrações culturais dos Campos de Cima do Esquecimento, ao lado do festival Música do Fim do Mundo, que acontece em junho, e do Teatro Kabuki na Névoa, em novembro. A sessão de abertura ocorrerá no dia 22 de março próximo.
O fantasma de Fernando Pessoa está entre nós. Foi o que declarou ontem Heitor dos Crepúsculos, poeta suicida, assombração-mor da cidade, organizador do conclave. Disse, ainda, que o bardo português é o anfitrião designado para o congresso. Também já chegaram os fantasmas de Oscar Wilde, Rainer Maria Rilke e Bashô, convidados especiais que serão homenageados nesta edição.
Estão todos hospedados na pensão Ao Viajante Solitário, com ampla vista para o Vale do Olhar. O atual administrador do estabelecimento, António Alto da Noite, afirma que os fantasmas literatos não são maus hóspedes:
- Não comem nem bebem nada. Não usam o banheiro nem tomam banho. Em geral fazem silêncio. Às vezes arrastam móveis, principalmente nos dias de chuva (neste lugar chove pelo menos uma vez ao dia). Materializam-se a qualquer momento, mas não costumam demorar. É gente de sossego, leitura e sentimento. São estranhos, claro. Mas cada um no seu cada qual. No café da manhã, sentam-se calados ao redor da mesa, olhando um ponto invisível à frente. De repente, desaparecem. É o jeito deles.
fachada da pensão Ao Viajante Solitário. photo: j. finatto |
A solidão da escrita será um dos temas do encontro, que terá ainda a leitura de textos pelos próprios autores na biblioteca da cidade, programa aberto ao público.
Mocita de La Vega, diretora da biblioteca e única funcionária, organiza o Salão dos Passos Perdidos para receber os poetas, escritores e convidados. Está tirando o pó dos móveis e livros e organiza o fichário, um tanto abandonado nos últimos 30 anos devido à falta de leitores (a população reduziu-se pela metade, a juventude não fica mais aqui). A diáspora dos ausentes.
Revelou a bela bibliófila que, ao passar o espanador numa mesa, ficou surpresa ao ver o fantasma do poeta Rilke sentado na poltrona diante da janela dos vitrais roxos. Vestia casaco e calça de lã cinza-escuros e uma gravata lilás sobre a camisa branca.
Ao ser descoberto, o poeta de Praga descruzou as pernas, esboçou um meio-sorriso e, levantando-se, convidou-a pra dançar. O vate das Elegias de Duíno segredou-lhe coisas à concha do ouvido. Um perfeito sedutor na palavra escrita como na falada, segundo Mocita. E saíram os dois a rodopiar entre as estantes, sob os lustres de cristal, bailarinos de um tempo fora do tempo, ao som de uma inaudível melodia sentimental.
Heitor dos Crepúsculos, acolhedor-geral do encontro, é a alegria em pessoa nos últimos dias, voa de um lado para outro, toma mil providências, fazendo esvoaçar sua echarpe cor-de-rosa. Materializa-se e desmaterializa-se com grande animação em toda parte, deixando no ar um pó branco cintilante.
Quando menos se espera, Dos Crepúsculos aparece sobre a copa de uma árvore estendendo um tecido de seda. Outras vezes, espalha bandeirinhas coloridas nos portais das casas ou desfiando novelos de lã em torno dos bancos da Praça da Ausência. Todos notamos um certo exibicionismo da parte de Heitor, mas afinal é o momento dele. E fantasmas são, por natureza, exibidos, do contrário não seriam fantasmas.
Passo dos Ausentes engalana-se para receber os voláteis escrevinhadores. Até jornalistas do Japão estão chegando para acompanhar o fantasmagórico evento.
Desde que a cidade foi fundada por alguns padres jesuítas e famílias de índios guaranis sobreviventes do massacre de São Miguel das Missões, em 1756, não se via tanto entusiasmo por estas bandas.
O blogue acompanhará de perto o congresso, que já tem confirmadas as palestras de Machado de Assis, Lima Barreto e Eugénio de Castro. A programação completa bem como o nome dos participantes serão divulgados nos dias vindouros.
Um painel que promete, segundo alguns comentam, é aquele sobre os escritores mortos-vivos, isto é, os que estão vivos mas não têm leitores. Cerca de 1.200 mortos-vivos já se inscreveram para este dia. A este respeito, assim se manifestou Heitor dos Crepúsculos:
- A parte do esquecimento que nos cabe, nesse mundo de ruidosas vaidades e egos exacerbados - o velho mundinho da literatura -, é pequena se comparada à dos escritores mortos-vivos. Nós, pelo menos, não temos contas pra pagar nem espelho em casa.
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A solidão segundo Heitor dos Crepúsculos:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2013/02/a-solidao-segundo-heitor-dos-crepusculos.html
A cidade perdida: as origens
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2012/06/cidade-perdida-as-origens.html
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