Jorge Adelar Finatto
Anne Frank. Fonte: Fundação Anne Frank http://www.annefrank.ch/ |
Anne Frank nasceu em 12 de junho de 1929 e hoje estaria fazendo 84 anos. Uma entre as inumeráveis vítimas do nazismo alemão, morreu de tifo entre o final de fevereiro e início de março de 1945, aos 15 anos, no campo de concentração de Bergen-Belsen, na Alemanha, depois de ter passado por Auschwitz (Polônia), onde sua mãe perdeu a vida. Os corpos de Anne e de sua irmã Margot foram jogados numa vala comum e nunca foram localizados.
De 12 de junho de 1942 (quando completou 13 anos) até 1º de agosto de 1944, ela escreveu o seu diário, publicado postumamente.* Nele relata o dia-a-dia no Anexo Secreto de uma antiga casa, na beira de um canal, em Amsterdam, onde viveu escondida com sua família e outras 4 pessoas, entre 6 de julho de 1942 e 4 de agosto de 1944. Os afundados no esconderijo tentam desesperadamente escapar da perseguição movida contra os judeus.
Um delator, cujo nome até hoje não se sabe ou se sabe e não se divulga por razões obscuras, entregou-os aos agentes sanguinários de Hitler. O Diário de Anne Frank é um documento que todos deveriam conhecer. Para saber como foram aqueles dias. Para jamais esquecer.
Espero poder contar tudo a você, como nunca pude contar a ninguém, e espero que você seja uma grande fonte de conforto e ajuda.
(O Diário de Anne Frank, 12 de junho de 1942)
Um domingo de outono em Amsterdam, fim de novembro, 2011. O vento corre sobre os telhados e canais, enquanto a garoa cai gelada. O fato de ser domingo, muito frio e úmido, não afasta as cerca de 200 pessoas que aguardam na fila para entrar na casa (hoje museu) onde viveu Anne Frank nos últimos dois anos de sua vida, antes de morrer no campo de concentração de Bergen-Belsen, na Alemanha. Estou no fim da fila. Poucos minutos depois outra extensa fila se forma atrás de mim. São pessoas de todas as idades e nacionalidades.
Anne escreveu nesta casa o famoso diário no tempo em que aqui esteve mergulhada com a família no Anexo Secreto, durante a ocupação nazista da Holanda, na Segunda Guerra Mundial. Pelo fato de serem judeus, os Frank, como milhões de outros, foram implacavelmente perseguidos pelo nazismo alemão. Em 1933, haviam se mudado da Alemanha, seu país de origem, para Amsterdam, a fim de fugir do regime de Hitler.
Otto Frank construiu este refúgio na parte dos fundos do imóvel onde funcionava sua empresa, situada na rua Prinsengracht, 263, à beira de um canal. Fez isso prevendo o dia em que teriam de mergulhar (sumir) para não ser presos e assassinados. Em 6 de julho de 1942, trouxe a família para cá. O esconderijo foi chamado de Anexo Secreto. Deixaram para trás o apartamento onde viviam ele, a esposa Edith e as duas filhas, Anne e Margot. Na parte da frente da casa continuou o negócio, comércio de alimentos, cuja propriedade Otto passou para o nome de outros (os judeus não podiam exercer atividade empresarial), embora, na prática, continuasse a dirigi-lo. Mais quatro pessoas juntaram-se a eles no anexo. Amigos fiéis se encarregaram de levar alimento e outros produtos ao grupo. Com o passar dos dias, tudo foi escasseando.
Diário de Anne Frank |
Em 4 de agosto de 1944, o esconderijo foi denunciado (nunca se soube quem foi o delator ou se soube e não se divulgou). As oito pessoas foram presas, levadas para campos de concentração e todos, com exceção de Otto, morreram. Anne e sua irmã morreram de tifo no campo de Bergen-Belsen no fim de fevereiro ou em março de 1945, poucos dias antes da libertação deste campo. Foram enterradas em valas comuns como os outros. Além delas, outras 28 mil pessoas perderam a vida naquele campo naquele período, em função da fome, do frio e das doenças. A maioria dos prisioneiros, nos últimos seis meses, era de mulheres. Edith morreu em Auschwitz-Birkenau. Otto sobreviveu a Auschwitz. Em 1947, publicou o diário de Anne, que havia sido encontrado na casa depois da invasão dos nazistas e da prisão dos oito. Anos mais tarde, o prédio transformou-se na Casa de Anne Frank, museu que guarda a memória daquelas vidas e daquele tempo terrível.
Autenticidade
Houve quem duvidasse e ainda duvide da autenticidade do diário. Argumentou-se que uma menina entre os 13 e os 15 anos não teria conhecimento nem maturidade suficientes para escrevê-lo com tal profundidade. Na apresentação do livro, informa-se que após a morte de Otto Frank, em 1980, aos 91 anos, os documentos (diário e outros papéis que o integram) foram entregues ao Instituto Estatal Holandês para Documentação de Guerra, em Amsterdam. Consta que o referido instituto mandou fazer uma profunda investigação a respeito, a qual concluiu por autênticos os documentos.
O texto passou por revisões gramaticais, ortográficas e, quiçá, de estilo antes da publicação. Houve alguma seleção do que seria publicado, o que, em princípio, é natural: apenas uma parte do que se escreve se transforma depois em livro.
Realmente chama a atenção que uma pessoa tão jovem tenha escrito essas páginas. Todavia, cada indivíduo é um universo e talentos há que se revelam muito cedo. Por outro lado, é sabido que o sofrimento acelera ferozmente o amadurecimento do ser humano, que em condições tais queima etapas e se vê obrigado a antecipar uma visão adulta do mundo.
Sobre o diário manifestaram-se com admiração pessoas como o ex-presidente americano John F. Kennedy, o ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela e o escritor italiano e ex-prisioneiro de Auschwitz Primo Levi.
O texto passou por revisões gramaticais, ortográficas e, quiçá, de estilo antes da publicação. Houve alguma seleção do que seria publicado, o que, em princípio, é natural: apenas uma parte do que se escreve se transforma depois em livro.
Realmente chama a atenção que uma pessoa tão jovem tenha escrito essas páginas. Todavia, cada indivíduo é um universo e talentos há que se revelam muito cedo. Por outro lado, é sabido que o sofrimento acelera ferozmente o amadurecimento do ser humano, que em condições tais queima etapas e se vê obrigado a antecipar uma visão adulta do mundo.
Sobre o diário manifestaram-se com admiração pessoas como o ex-presidente americano John F. Kennedy, o ex-presidente da África do Sul Nelson Mandela e o escritor italiano e ex-prisioneiro de Auschwitz Primo Levi.
O testemunho
Para mim, é praticamente impossível construir a vida sobre um alicerce de caos, sofrimento e morte. Vejo o mundo ser transformado aos poucos numa selva, ouço o trovão que se aproxima e que, um dia, irá nos destruir também, sinto o sofrimento de milhões. E, mesmo assim, quando olho para o céu, sinto de algum modo que tudo mudará para melhor, que a crueldade também terminará, que a paz e a tranquilidade voltarão. Enquanto isso, devo me agarrar aos meus ideais. Talvez chegue o dia em que eu possa realizá-los! (Diário, 15 de julho, 1944)
O relato de Anne Frank é, antes de tudo, vivo. Prende a atenção do leitor pela forma como é construído e pela matéria-prima com que trabalha. Anne conta como eram os dias no Anexo Secreto, as angústias, os conflitos, as perplexidades, tristezas, pequenas alegrias, esperanças e o medo sempre à espreita.
O texto surge como exercício de liberdade (a única possível naquelas condições) e resistência num ambiente absolutamente adverso. O confinamento de mais de dois anos num espaço pequeno, a convivência difícil de pessoas fragilizadas física e psiquicamente, o cerceamento da individualidade e dos sonhos, o desespero, a ausência de direitos elementares, tudo isso faz do diário um documento único.
O texto surge como exercício de liberdade (a única possível naquelas condições) e resistência num ambiente absolutamente adverso. O confinamento de mais de dois anos num espaço pequeno, a convivência difícil de pessoas fragilizadas física e psiquicamente, o cerceamento da individualidade e dos sonhos, o desespero, a ausência de direitos elementares, tudo isso faz do diário um documento único.
O testemunho de Anne Frank conta uma história que deverá ser lembrada para sempre. Vale para todos nós. O nazismo continua atuante, seja através de organizações clandestinas, seja em coisas como o racismo e no ódio aos direitos humanos.
Existem ainda os que acreditam na superioridade de algumas raças, nações e culturas. Esse tipo de gente acha que os 'inferiores' precisam ser submetidos a qualquer custo e não economiza esforços nesse sentido.
Contra a barbárie aniquiladora do outro precisamos estar atentos e lutar.
A palavra de Anne Frank, no seu apelo à dignidade da vida em contraste com a brutalidade diabólica e insana do totalitarismo, nos ajuda a refletir e a nos posicionar. E, sobretudo, a não esquecer.
__________________
*O Diário de Anne Frank, tradução do inglês para o português de Ivanir Alves Calado, Edições BestBolso, 11ª edição, Rio de Janeiro, 2010.
Texto atualizado, publicado antes em 16 de fevereiro, 2012.
Existem ainda os que acreditam na superioridade de algumas raças, nações e culturas. Esse tipo de gente acha que os 'inferiores' precisam ser submetidos a qualquer custo e não economiza esforços nesse sentido.
Contra a barbárie aniquiladora do outro precisamos estar atentos e lutar.
A palavra de Anne Frank, no seu apelo à dignidade da vida em contraste com a brutalidade diabólica e insana do totalitarismo, nos ajuda a refletir e a nos posicionar. E, sobretudo, a não esquecer.
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*O Diário de Anne Frank, tradução do inglês para o português de Ivanir Alves Calado, Edições BestBolso, 11ª edição, Rio de Janeiro, 2010.
Texto atualizado, publicado antes em 16 de fevereiro, 2012.
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