Jorge Adelar Finatto
photo: j.finatto. Venezia. Os mascarados |
Pertenço à ordem dos amorosos sem camélia.
Os que amaram e se pensaram amados sem o ser. Os que saíram cedo da festa. Os quase.
A dama. Meu coração perdido no infinito tabuleiro. O mundo é lugar de barbaridades. Dor, dores.
Chamava-se Alberta, Alberta de Montecalvino. Pertencia à nobre estirpe dos Albertos, de Passo dos Ausentes. Foi quando a vida aconteceu.
O sol brilhou entre as nuvens. Iluminou a escuridão da vida minha. O triste que eu sou.
A Commedia dell'Arte invadiu a minha existência. Pedrolino, Pierrô.
A Commedia dell'Arte invadiu a minha existência. Pedrolino, Pierrô.
Estava na janela da mansarda, como sempre, olhando a vida passar.
Então ela atravessou a rua. Trazia a sombrinha vermelha, o vestido branco, laço azul na cintura. Os sapatinhos amarelos. Olhou pra mim e sorriu. Rasgou minha solidão.
Então ela atravessou a rua. Trazia a sombrinha vermelha, o vestido branco, laço azul na cintura. Os sapatinhos amarelos. Olhou pra mim e sorriu. Rasgou minha solidão.
Bailei no ar como folha de plátano no outono, lentamente fui cair a seus pés. Desci correndo, pulando os degraus da escada em espiral. Segui o inefável perfume. Enfim, alcancei a dama.
Perguntei se podia fazê-la feliz. Sim, sim.
As iluminações.
Passamos a freqüentar a Praça da Ausência, nas tardes ocres daquele outono. Um dia peguei-lhe na mão. Meu coração cavalo louco. Não dormi durante três noites.
photo: j.finatto. Venezia |
Passamos a freqüentar a Praça da Ausência, nas tardes ocres daquele outono. Um dia peguei-lhe na mão. Meu coração cavalo louco. Não dormi durante três noites.
Alberta meu sentimento. Camafeu cravado na minhalma. Ela me deu o lencinho branco perfumado, a letra A bordada em lilás. Guardei-o num lugar secreto, bem no fundo de mim.
Aqueles eram dias de ora-veja.
A dama, o tabuleiro, eu nunca aprendi a jogar.
Não canto outros amores, que não os tive, e, se os tivesse, silenciaria.
Não canto outros amores, que não os tive, e, se os tivesse, silenciaria.
Então Arlequim apareceu. Os ódios pularam dentro de mim.
Arlequim e seus guizos, seus versos de algibeira, sua palavra sem valia, seu alaúde. Ser miserável.
Arlequim e seus guizos, seus versos de algibeira, sua palavra sem valia, seu alaúde. Ser miserável.
Arlequim disse coisas, deitou falas, expandiu-se em canções. Antes calasse.
Bazófias.
Bazófias.
Arlequim se espalha no mundo. Faz ares. Blasona. Explorador de amores, ladrão de musas. Arrebatou o coração de Alberta, os suspiros, até o corpo de violino que eu nunca toquei.
Eu calado sonhador do fim do mundo. Os devaneios da alma. Voltei só pra mansarda. Nem acreditei.
Quem me visse, a face esculpida da dor. Veio o inverno. Invernos.
O vero solitário da rua triste. O que olha a vida da janela. O que foi quase feliz.
O sem camélia.
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Texto publicado em 09 de junho, 2010.
Do livro Calado sonhador do fim do mundo. Editora Vésper, 2010, Passo dos Ausentes.
Outros detalhes do drama de Pedrolino em A fala do Arlequim, post de 30/10/10, e Alberta de Montecalvino, de 8/11/10.
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